Mais punição, menos solução: a nova Lei do Feminicídio é compatível com a nossa Constituição?

Por Carlos Augusto Mota Lima,
Advogado – Especialista em Segurança Pública

Embora predomine o entendimento que a autonomia do crime de Feminicídio com penas elevadas representa importante avanço no combate a violência contra às mulheres, o novo tipo penal de crime de homicídio, configura na verdade, uma contrariedade a norma jurídica vigente. A Lei nº 14.994/2024, que endurece a punição para o feminicídio, entrou em vigor em outubro de 2024, tornando-o um crime autônomo e elevando as penas. A lei prevê que o feminicídio seja punido com reclusão de 20 a 40 anos, e o crime passa a ser considerado hediondo, o que impede a concessão de liberdade condicional, ou seja nada trouxe de novo, todo crime de homicídio qualidado já é hediondo, ademais, a alteração anterior já era suficiente pra suprir a sanha Punitivista do legislativo brasileiro, ainda assim, resolverem inovar, mudando às aparências sem alterar a essência, em outras palavras, nada vai mudar com essa alteração e autonomia dada ao tipo penal, as mulheres continuaram vulneráveis e desprotegidas, leis severas não reduzem a criminalidade.

É inadmissível que o legislador brasileiro, agindo de forma irresponsável, continue criando tipos penais como se essa fosse, de fato, a solução para os alarmantes índices de violência, sobretudo os crimes de feminicídio. A história jurídica recente do país já nos mostrou que leis penais severas, por si só, não são eficazes no combate à criminalidade. A Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90) é um exemplo claro dessa falácia legislativa.

A tentativa de conter a violência nos anos 1990 com a criação dessa lei resultou em um desastre jurídico e social. Suprimiram-se direitos e garantias fundamentais, proibiu-se a progressão de regime, o cumprimento da pena passou a ser integral, não havia possibilidade de livramento condicional, entre outras restrições que afrontavam diretamente a Constituição Federal. O resultado foi o surgimento e fortalecimento das facções criminosas, nascidas dentro do sistema prisional, justamente pela ausência de incentivos para o bom comportamento ou reintegração social. Em vez de ressocializar, o sistema passou a gestacionar ad organizações criminosas e profissionalizar o crime.

Hoje, novamente, vemos o Legislativo brasileiro repetir os mesmos erros do passado. Em nome de uma suposta eficácia punitiva, cria-se um tipo penal de homicídio com agravante específico – o feminicídio – como se houvesse diferentes níveis de valor atribuídos à vida humana. A introdução do artigo 121-A no Código Penal ignora preceitos constitucionais fundamentais, especialmente o princípio da isonomia e da dignidade da pessoa humana.

É inaceitável conceber que a vida de uma mulher tenha mais valor penal que a de um homem, ou de qualquer outro ser humano. O bem jurídico tutelado pelo crime de homicídio é a vida humana – de forma igualitária e inviolável. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, caput, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Como exemplo de valorização da vida humana em sua dimensão universal, o Direito Alemão nos oferece um sólido fundamento. A Lei Fundamental da Alemanha (Grundgesetz), em seu artigo 1º, dispõe: “A dignidade da pessoa humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público.” Esse dispositivo fundamenta toda a ordem jurídica alemã e deixa claro que a vida e a dignidade de qualquer pessoa – independentemente de gênero, idade ou condição – devem ser protegidas de maneira igualitária.

A analogia com a atuação de um bombeiro é didática: diante de um incêndio em que estejam presos uma idosa de 90 anos e um bebê recém-nascido, não se poderia dizer que a vida do bebê tem mais valor que a da idosa. Ambas as vidas têm o mesmo peso. Transferir essa lógica para o Direito Penal e aceitar que o feminicídio deva ser tratado com penas mais graves que outros tipos de homicídio é, no mínimo, uma violação ao bom senso e à ordem constitucional.

O feminicídio, como conceito jurídico, tornou-se uma ferramenta de apelo político, mas de baixa efetividade prática. A Lei Maria da Penha, instrumento importante de proteção às mulheres, tem sido manipulada politicamente, especialmente por setores ideológicos, que promovem mudanças legislativas inócuas, com forte apelo midiático, mas sem impacto real na diminuição da violência de gênero.

Não se combate a violência com leis severas apenas. A ideia expansionista do Direito Penal, que transforma o sistema punitivo em protagonista na solução de problemas sociais complexos, é perigosa e ineficaz. O combate à violência, inclusive a de gênero, exige políticas públicas estruturadas, educação de qualidade, acesso à saúde mental, fortalecimento dos vínculos familiares e investimento real em segurança pública.

A criação de novas figuras penais não reduz os índices de criminalidade. A colocação de tornozeleiras eletrônicas, medidas protetivas e mesmo o armamento de mulheres não atacam a raiz do problema. Ao contrário, revelam a falência do Estado, que transfere às vítimas a responsabilidade por sua própria proteção.

O Brasil precisa de um Congresso forte, ético e comprometido com a sociedade, e não com os próprios interesses. É preciso que os bilhões gastos com emendas parlamentares sejam investidos na segurança pública, na reestruturação do sistema prisional, no fortalecimento do Judiciário e na criação de políticas públicas que enfrentem as causas da violência, e não apenas seus sintomas.

A relativização da vida humana por meio da criação de tipos penais como o feminicídio constitui-se em uma grave violação à Constituição Federal. A vida não pode ser quantificada nem hierarquizada. O caminho para a paz social não passa pelo aumento de penas, mas por um Estado não opressor, mais justo, eficaz e presente.

Nota sobre o Autor:

É Advogado regularmente inscrito na OAB – Pa, sob o nº 4725, Professor de Direito penal com Pós-Graduação em Ciências Penais com Extensão ao Magistério Superior, Pós-graduação em Direito Constitucional, Pós-Graduação Latu Sensu MBA pela Faculdade Cândido Mendes – Rj em Segurança Pública, Pós-graduação Latu Sensu pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Pucres – em Segurança pública, ex-Delegado de Polícia Civil, ex-Defensor Público.

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