Inquérito constata falhas em seleção de R$ 60 milhões do Plano de Desenvolvimento Regional do Xingu

Recomendação do MPF aponta falta de transparência e ausência de direito a recurso como principais vícios

No dia 15 de abril, o Ministério Público Federal (MPF) expediu uma recomendação formal ao Comitê Gestor e à entidade executora do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX), após constatar falhas graves no processo seletivo de 2024 para escolha de projetos financiados com recursos da ordem de R$ 60 milhões. As irregularidades foram identificadas no âmbito do Inquérito Civil nº 1.23.003.000604/2024-51, instaurado pela Procuradoria da República no Pará.

O MPF verificou ausência de publicidade na identificação dos proponentes e avaliadores, falhas no acesso às propostas concorrentes e a não previsão de recurso na fase de qualificação, ferindo os princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e da transparência.

O PDRSX é financiado com recursos oriundos de obrigações contratuais da Norte Energia S.A., responsável pela construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHEBM). O plano foi instituído por decreto presidencial e é parte das medidas de compensação pelos impactos sociais e ambientais provocados pela implantação da usina na região do Xingu.

A gestão e seleção dos projetos são feitas por um comitê gestor com representantes dos governos federal, estadual, municipal e da sociedade civil, com apoio técnico da entidade executora Tractebel Engineering S.A., atual responsável pelo acompanhamento da execução.

Recomendação e medidas propostas

A recomendação, assinada pelo procurador Rafael Nogueira Sousa, estabelece um conjunto de providências que devem ser adotadas no âmbito do processo seletivo em curso. Entre os principais pontos estão:

– Publicação da identidade e qualificação técnica de pareceristas e membros das comissões de avaliação e recurso;

– Disponibilização dos planos de trabalho e cronogramas físico-financeiros dos projetos já avaliados, incluindo os que ainda poderão ser reabilitados;

– Abertura de prazo para recurso contra os resultados da fase de qualificação, direito fundamental dos participantes, omitido no edital atual.

O fiscal da lei argumenta que a ausência dessas informações compromete o controle social e a integridade do processo seletivo, criando um ambiente de opacidade incompatível com o uso de recursos vinculados ao interesse público.

De acordo com a recomendação, o edital falhou ao não prever recurso contra desclassificações na etapa de qualificação, mesmo havendo precedentes legais que asseguram esse direito.

Impacto regional e riscos de anulação

O processo seletivo de 2024 é um dos mais aguardados desde a criação do PDRSX. O plano beneficia diretamente os municípios de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu, todos localizados na área de influência direta da UHE Belo Monte.

A recomendação do MPF destaca que, diante da ausência de mecanismos de recurso e da falta de publicidade de documentos essenciais, existe o risco real de anulação judicial de todo o processo seletivo. Caso isso ocorra, os impactos serão significativos para as comunidades locais que aguardam a liberação de recursos para iniciativas nas áreas de educação, saúde, infraestrutura, saneamento básico e desenvolvimento sustentável.

Para evitar esses danos, o MPF propõe que, mesmo diante das falhas verificadas, os projetos já aprovados na etapa de seleção sejam mantidos, desde que não haja vícios insanáveis. Contudo, recomenda-se a abertura de prazo para que as entidades desclassificadas possam exercer seu direito ao contraditório, garantindo isonomia e segurança jurídica a todos os participantes.

PDRSX e o legado de Belo Monte

Criado originalmente em 2010 por meio do Decreto nº 7.340/2010, e reformulado por decretos posteriores, o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX) é uma das contrapartidas mais relevantes associadas à instalação da UHE Belo Monte, uma das maiores hidrelétricas do mundo. Seu objetivo é promover compensação socioeconômica e ambiental para os municípios impactados diretamente pela usina.

Com recursos estimados inicialmente em R$ 500 milhões, o plano prevê ações de longo prazo em setores estratégicos e é coordenado por um comitê gestor multiparticipativo, que reúne representantes das três esferas da federação e da sociedade civil.

Apesar de sua importância, o PDRSX tem sido alvo de críticas recorrentes quanto à falta de efetividade, burocracia e pouca participação das comunidades locais nas decisões. O atual processo seletivo, previsto para investir aproximadamente R$ 60 milhões em projetos sociais, é considerado um marco por representar a retomada de investimentos em maior escala após anos de paralisação e reformulações institucionais.

Opacidade e questionamentos sobre critérios técnicos

Outro ponto sensível abordado pelo MPF diz respeito ao peso excessivo atribuído à fase oral do processo de seleção, sem critérios de avaliação plenamente divulgados ou documentados. Além disso, há relatos sobre a possibilidade de conflito de interesses entre membros das comissões avaliadoras e proponentes.

A falta de clareza na definição e publicação dos critérios utilizados para pontuar as propostas na fase oral levanta questionamentos sobre a imparcialidade e a objetividade da avaliação, em especial quando combinada com o sigilo mantido sobre a identidade dos avaliadores.

Para o MPF, é indispensável que todos os nomes e qualificações dos pareceristas, avaliadores e membros de comissões sejam tornados públicos, garantindo transparência e legitimidade ao certame. O sigilo, segundo o procurador, não pode ser justificado com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), já que os proponentes são pessoas jurídicas, e os avaliadores atuam em função pública com impacto sobre recursos de interesse coletivo.

Prazos e próximos passos

O MPF concedeu prazo de 15 dias para que o Comitê Gestor e a entidade executora se manifestem quanto ao acolhimento da recomendação, ainda que parcialmente. Caso acolham as medidas, terão mais 20 dias para apresentar informações sobre as providências adotadas.

Enquanto isso, o Ministério Público sugere que seja adiada a publicação do resultado final da seleção até que seja decida sobre a aceitação das medidas. O órgão alerta que a continuidade do certame sem as devidas correções poderá levar a judicializações futuras, com o potencial de comprometer anos de planejamento e investimentos voltados ao desenvolvimento regional.

Atuação preventiva

Por fim, o MPF reforça que a recomendação é um instrumento extrajudicial que visa prevenir litígios e corrigir condutas com base em fundamentos legais e constitucionais. Seu caráter não é coercitivo, mas orientador, buscando a melhoria dos processos públicos em defesa dos interesses coletivos e da boa governança.

Por Baía

O Impacto

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *