Os desafios da estação chuvosa

Por Ítalo Melo de Farias*

Com o início do período chuvoso, Santarém volta a lidar com problemas já conhecidos da população: alagamentos, comprometimento da mobilidade urbana, aumento de doenças e prejuízos às residências, especialmente nas periferias. Embora esse cenário se repita ano após ano, ele não é fruto apenas da intensidade das chuvas — mas sim da ausência de políticas públicas contínuas e estruturantes, capazes de preparar a cidade para conviver melhor com esse fenômeno natural.

A região amazônica tem características climáticas próprias, com períodos bem definidos de chuvas intensas. Essa realidade exige planejamento urbano específico, focado em sistemas de drenagem eficientes, redes de esgotamento sanitário e ocupação urbana ordenada. Infelizmente, boa parte do território urbano de Santarém ainda não dispõe desses elementos básicos.

De acordo com dados do Instituto Água e Saneamento, apenas 3,8% da população santarena é atendida por rede de esgoto. Isso significa que milhares de famílias convivem com escoamento precário de resíduos, agravando os riscos à saúde pública durante a estação chuvosa. A ausência de saneamento também afeta diretamente a qualidade das águas e o meio ambiente urbano.

Um ponto estrutural que merece destaque é a falta de regularização fundiária em diversas áreas da cidade, tanto em bairros periféricos quanto em regiões mais centrais. Sem o devido registro e titularidade, essas áreas ficam fora do alcance de políticas públicas essenciais, como pavimentação, drenagem e fornecimento de água tratada. A regularização fundiária não deve ser vista apenas como uma formalidade burocrática, mas como um direito urbano previsto no Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001), que garante acesso à moradia digna, à infraestrutura e à cidadania plena.

Além disso, Santarém carece de instrumentos atualizados de planejamento territorial. Um Plano Diretor revisto e participativo é fundamental para orientar o crescimento urbano com critérios técnicos, ambientais e sociais. Esse documento deve servir como base para políticas públicas de habitação, mobilidade e infraestrutura, prevenindo problemas futuros e corrigindo distorções acumuladas ao longo dos anos.

Apesar de avanços pontuais — como programas de titulação de imóveis e obras de drenagem em áreas críticas — ainda falta uma política urbana de médio e longo prazo, articulada entre os diferentes níveis de governo e com efetiva participação popular. A integração entre regularização fundiária, saneamento básico, infraestrutura e gestão de riscos é o caminho para uma cidade mais resiliente às chuvas e mais justa para seus habitantes.

Não se trata apenas de evitar os transtornos do período chuvoso, mas de garantir direitos fundamentais à população: o direito à cidade, à saúde, à moradia adequada e à segurança sanitária. A estação das chuvas não deve ser encarada como exceção, mas como parte da realidade de Santarém — uma realidade que pode e deve ser enfrentada com planejamento, investimento público e compromisso institucional.

*Sobre o autor:

É advogado especializado em Direito Público e Imobiliário, Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB Santarém. Com mais de 20 anos de atuação profissional, é sócio do escritório Melo de Farias Advogados Associados, onde atua com foco em soluções jurídicas estratégicas nas áreas de urbanismo, regularização fundiária, questões sucessórias e planejamento patrimonial, sempre com foco em soluções jurídicas estratégicas e humanizadas.

O Impacto

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