Convenção 169: uma balança desequilibrada entre desenvolvimento e direitos tradicionais

Por Fábio Maia

Uma nota recente do Centro das Indústrias do Pará (CIP), datada de 25 de abril de 2025, expõe um padrão preocupante na Amazônia: a criação de unidades de conservação, como a proposta Reserva Extrativista Marinha Flamã no Amapá, é frequentemente usada para bloquear projetos de desenvolvimento, como a exploração de petróleo e gás. Esse cenário ecológico em Santarém, Oeste do Pará, onde a demarcação de áreas indígenas e quilombolas, como no caso do Quilombo Tiningu no Chapadão, tem gerado conflitos com produtores e empreendedores. Em ambos os casos, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) surge como uma ferramenta jurídica que, sob o pretexto de proteger povos tradicionais, é manipulada por ONGs e pelo Ministério Público para criar barreiras a empreendimentos estratégicos, sem oferecer igual proteção aos direitos de outros setores da sociedade.

A Convenção 169 e sua aplicação seletiva

A Convenção 169, ratificada pelo Brasil em 2002, estabelece o direito de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e tradicionais antes de projetos que afetem seus territórios. No papel, é um mecanismo de justiça social. Na prática, porém, sua implementação é desequilibrada. No Amapá, a nota do CIP aponta que as “consultas públicas” para a criação da Resex Flamã são orquestradas por ONGs, muitas vezes alheias à realidade local, com audiências que favorecem resultados pré-determinados. O objetivo não é apenas proteger as comunidades, mas inviabilizar atividades econômicas, como a exploração de recursos naturais, que poderia alavancar a economia da região.

Em Santarém, o caso do Quilombo Tiningu, reconhecido pelo Incra em 2018 com área reduzida após longos conflitos, ilustra a mesma dinâmica. A demarcação no Chapadão, uma área de terras férteis, opôs quilombolas a produtores rurais que são residentes há décadas. A Convenção 169 foi invocada para garantir os direitos territoriais dos quilombolas, mas os produtores, muitos deles pequenos agricultores sem acesso a recursos jurídicos sofisticados, foram deixados à margem, sem consulta equivalente ou proteção de seus investimentos. A promessa de equidade da convenção se dissolverá quando apenas um lado for ouvido.

O modus operandi: barreiras jurídicas sob a fachada da Justiça

O roteiro descrito pela CIP no Amapá é familiar em Santarém. As ONGs, muitas vezes financiadas por interesses externos, identificam áreas estratégicas e mobilizam o aparelho estatal – como o ICMBio ou o Incra – para criar reservas ou demarcar territórios. As audiências públicas, teoricamente democráticas, são conduzidas com participantes selecionados, garantindo a aprovação de propostas que beneficiam apenas um grupo. No Pará, a Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá inviabilizou um porto oceânico em Curuçá, um projeto que poderia transformar a logística regional. Em Santarém, a expansão de áreas quilombolas no Chapadão limitou o crescimento de atividades agropecuárias, sem que os produtores fossem indenizados ou realocados.

A Convenção 169, nesse contexto, torna-se uma arma jurídica. Quando se trata de proteção de supostos direitos tradicionais, ela é aplicada com rigor, exigindo consultas extensas e bloqueando projetos por anos. No entanto, quando produtores ou empreendedores pretendem legalizar empreendimentos, como portos ou áreas agrícolas, a mesma convenção é usada para criar atrasos e obstáculos, sem que esses grupos tenham direito a uma consulta prévia equivalente. Essa seletividade perpetua o paradoxo amazônico: uma região rica em recursos, mas empobrecida por políticas que favorecem interesses externos em detrimento da população local.

Uma solução condicionada à equidade

Para que a Convenção 169 seja uma ferramenta legítima de justiça, ela precisa valer para todos. A solução não é descartada, mas reformulada para garantir que os direitos de consulta prévia se apliquem tanto aos povos tradicionais quanto aos produtores, empreendedores e comunidades não tradicionais afetadas por decisões territoriais. Se uma comunidade quilombola no Chapadão tem o direito de ser ouvida antes da implantação de um projeto, um agricultor que investiu anos em sua terra também deve ter sua voz considerada antes que sua propriedade seja redestinada. Se a criação de uma reserva no Amapá exige consultas, os trabalhadores que dependem de projetos como a exploração de petróleo também devem ser consultados sobre os impactos econômicos de sua paralisação.

Essa equidade exige mudanças na aplicação da Convenção 169 no Brasil. Primeiro, as consultas públicas devem ser genuinamente inclusivas, com representação proporcional de todos os setores afetados, e não apenas de grupos alinhados com ONGs. Segundo, o Ministério Público e o Judiciário deveriam abandonar a postura de guardas exclusiva dos povos tradicionais, garantindo que o desenvolvimento econômico seja igualmente um direito humano, essencial para combater a pobreza na Amazônia. Por fim, o governo federal deveria estabelecer mecanismos de compensação justos para produtores e empreendedores impactados por demarcações, como já ocorre em alguns países com legislações fundiárias mais equilibradas.

Conclusão: desenvolvimento e direitos devem andar juntos

A Amazônia não pode continuar refém de uma falsa dicotomia entre proteção ambiental e desenvolvimento. A Convenção 169, em sua forma atual, é uma ferramenta de exclusão, usada para privilegiar um grupo enquanto marginaliza outro. Em Santarém, o caso do Chapadão reflete a mesma lógica que ameaça o Amapá com a Resex Flamã: decisões tomadas à revelia dos interesses de grande parte da população, sob a justificativa de proteger minorias, gera mais impactos devastadores sobre o progresso regional. Até que a Convenção 169 seja aplicada com equidade, garantindo consulta prévia a todos os afetados – indígenas, quilombolas, produtores e trabalhadores –, ela permanecerá como um símbolo de injustiça, perpetuando a pobreza em uma região que clama por oportunidades.

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