Do Decreto à Lei – Quando o progresso vira obstáculo

Por Fábio Maia

Nos últimos anos, o Pará tem convivido com a retórica do desenvolvimento sustentável, enquanto na prática, muitos produtores rurais, em especial os pequenos agricultores, enfrentam um cerco jurídico e burocrático cada vez mais apertado. O caso do Decreto Estadual nº 941/2020 e sua posterior substituição pela Lei nº 10.750/2024 é um retrato emblemático desse cenário.

O Decreto 941 surgiu com o discurso da regularização ambiental e do combate ao desmatamento ilegal. Foi aplaudido por setores que ansiavam pela modernização da gestão ambiental no estado, prometendo clareza nos processos e instrumentos de comando e controle. No entanto, ao analisarmos sua conversão na Lei nº 10.750, o que deveria representar um avanço legal e institucional se mostrou, na prática, um retrocesso para quem vive da terra.

Do discurso de regularização à prática de criminalização

A Lei nº 10.750, ao substituir o Decreto 941, retira a possibilidade de regularização ambiental posterior para atividades produtivas que ainda estavam em processo de legalização. O que antes era uma janela de oportunidade para pequenos produtores ajustarem suas propriedades à legislação, agora se transformou em um divisor inflexível entre o “legal” e o “ilegal”.

Na prática, isso significa milhares de agricultores sendo empurrados para a ilegalidade, não por má-fé, mas por absoluta dificuldade de adequação aos trâmites e exigências técnicas e financeiras do sistema.

Dificuldades de acesso e burocracia sem fim

A nova legislação impõe restrições mais duras, com menos canais para diálogo, travando licenciamentos e bloqueando cadastros ambientais. O papel da Secretaria de Meio Ambiente (SEMAS), que deveria ser de apoio e orientação, tem se convertido num filtro punitivo e excludente. Os pequenos, que não têm estrutura para pagar consultorias, ficam sem voz nem vez.

Enquanto isso, grandes empreendimentos conseguem navegar com facilidade, graças a equipes jurídicas e técnicas próprias. A lei, que deveria promover justiça ambiental, acaba institucionalizando a desigualdade no campo.

Quando o Estado vira fiscal, juiz e carrasco

A conversão do Decreto em Lei teve um efeito simbólico e prático: transformou medidas administrativas em instrumentos de sanção permanente. O que antes poderia ser corrigido com termos de ajuste de conduta ou prazos técnicos, agora vira motivo para multas, embargos e, em muitos casos, criminalização pura e simples da produção rural.

Essa postura do Estado ignora o papel histórico do agricultor paraense na segurança alimentar regional e nacional. Ignora que muitos desses produtores trabalham sem apoio técnico, sem crédito, e, ainda assim, sustentam suas famílias e comunidades.

O paradoxo ambiental: travar quem produz e premiar a especulação

Enquanto o Estado se apresenta como defensor do meio ambiente, ignora a crescente grilagem urbana, invasões de áreas públicas e loteamentos ilegais em zonas urbanas de preservação permanente. O peso da lei cai somente sobre quem planta feijão, cria galinha ou derrubou uma árvore para cercar sua propriedade.

É um ambientalismo seletivo, que atende aos olhos das ONGs internacionais, mas vira as costas para quem mora e produz no interior do Pará.

Uma lei que mascara abandono: onde estão os compromissos do Estado?

A Lei nº 10.750 também reforça uma promessa vazia: de que o Estado, através da SEMAS, garantiria assistência, acompanhamento e legalização dos produtores. Na prática, esses compromissos não chegaram ao campo. O que chegou foi a repressão, os drones, os fiscais e as multas.

O Estado se retira da responsabilidade do desenvolvimento e entrega um pacote de restrições como se fosse política pública. Não há assistência técnica, não há regularização fundiária, não há incentivos – há apenas cobrança.

Conclusão: por um equilíbrio real

A regularização ambiental é importante, mas ela não pode ser feita à custa da sobrevivência dos pequenos agricultores. O Pará precisa de uma política ambiental que compreenda as realidades locais, que respeite quem produz e que, acima de tudo, seja justa.

A substituição do Decreto 941/2020 pela Lei nº 10.750/2024 não representa um avanço, mas sim uma blindagem institucional para afastar o produtor do campo das políticas públicas. Um retrocesso disfarçado de progresso.

A pergunta que fica é: até quando os que vivem e produzem na terra continuarão sendo tratados como invasores em suas próprias terras?

O Impacto

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