Indústria e varejo tratam os 50+ com descaso e perdem oportunidades
O número de pessoas com mais de 50 anos no Brasil já supera 55 milhões, ou 26% da população, de acordo com o último censo do IBGE.
Se os mais velhos não param de ganhar participação no mercado consumidor, a questão que surge é: os 50+ estão sendo bem atendidos pelas indústrias e pelos varejistas?
Duas estudiosas deste público, Marlety Gubel e Christine Pereira, foram buscar as respostas para essas e outras perguntas em uma pesquisa realizada no início deste ano.
A constatação é a seguinte: os chamados ‘cabeças prateadas’ estão longe de serem atendidos em oferta de produtos e serviços. Mais: eles têm poder econômico e influência no consumo.
A partir de questões de múltiplas escolhas aplicadas nas redes sociais Linkedin, Instagram e Facebook, Marlety e Christine obtiveram respostas que são sugestões para a indústria e o varejo.
O que você acha de produtos para os 50+? Cerca de 80% dos entrevistados responderam ‘Falta muita oferta’.
Os 50 + têm poder de decisão e influenciam no consumo? Todos os participantes (100%) foram unânimes: ‘Sim, são muito influentes’.
Sua empresa está preparada para atender os 50 +? ‘Ainda não, mas é prioridade’ teve 80% das respostas dos participantes.
Pesquisa da Data8 já constatava, em 2022, que 54% da faixa dos consultados, de 50 a 75 anos, não se sentiam representados pela mídia e pelas marcas.
No quesito vestuário, calçados e acessórios, o percentual era maior, de 56%. No de alimentos, 40%, no de turismo, 36% e, no de produtos de beleza e higiene pessoal, 27%.
Cléa Klouri, sócia-fundadora e Head de Relacionamento com o Mercado da Data8, diz que, seguramente, hoje, esses percentuais são no mínimo iguais ou maiores.
“Os 50 + não são mais nichos, são os donos do dinheiro, e não é uma onda, é uma nova geração tão importante quanto foi a dos adolescentes no século passado”, diz Marlety.
O estudo da empresa de consultoria Data8 revela que o público 50 + representa 24% do consumo das famílias, R$ 1,8 trilhão, percentual que deve subir para 35% em 2044 (R$ 3,8 trilhões).
Esses números e pesquisas feitas com esse público, diz Marlety, revelam que esses consumidores, insatisfeitos e maltratados, são a bola da vez no mercado brasileiro.
“Uma pessoa de 60 anos hoje equivale a uma de 40 anos no passado”, afirma. Um cenário que exige produtos, serviços, atendimento, lojas adaptadas para essa faixa etária.
Ela cita como exemplo algo que parece simples para a indústria da moda, como opções de roupas com cortes apropriados para os 50+, como peças que não prendam a barriga.
Na pesquisa realizada pelas duas pesquisadoras no início do ano, os setores de moda e beleza e imóveis e soluções tech aparecem como os prioritários para o público acima de 50 anos.
A Data8 identificou em suas pesquisas que a evolução da longevidade deve provocar um crescimento em alguns setores, como saúde, habitação, educação, vestuário e alimentação.
“Para esses setores, a expectativa é de aumento considerável de consumo, especialmente da faixa de 50 a 54 anos”, afirma Cléa.
Os 50 + também estão ganhando participação nas vendas do varejo de autosserviços, de acordo com levantamento da Varejo 360, com base em tíquetes enviados por consumidores.
Em 2022, essa participação era de 26,72%, em 2023, de 27,88%, em 2024, de 32,18% e, neste ano, de 35,75%.
Nas drogarias, a fatia é ainda maior, pulou de 33,77% em 2022 para 40,66% neste ano. Nos hortifrutis, os gastos dos 50 + chegaram a 43,63% das vendas das redes no ano passado.
Oportunidades
O fato de não haver oferta de produtos e tratamento adequado nas lojas, como constatam pesquisas, dizem elas, revela que as empresas estão perdendo oportunidades.
“Nas compras pela internet, pesquisas mostram que o tíquete médio dos 50 + é três vezes maior do que o de um jovem”, afirma Marlety.
“E a fidelidade do público 50 + é 50% maior que a dos millennials (nascidos entre 1981 e 1996) e da Geração Z (nascidos entre 1997 e 2012)”, diz Cléa.
“O Brasil é um país de jovens, se comparado com os de outros continentes, mas a tendência é de envelhecimento da população”, diz Fernando Faro, fundador e COO da Varejo 360.
Em 2023, pelo quinto ano seguido, o Brasil registrou uma queda na natalidade. Foram 2,52 milhões de nascimentos, 0,7% menos do que em 2022.
Combinada com o aumento de expectativa de vida, de 76,4 anos, em 2023, a consequência natural é a elevação do número de idosos.
Quando comparada com países vizinhos, de acordo com Cléa, a ‘economia prateada’ no Brasil, com taxa moderada de envelhecimento, deve ter uma curva maior de crescimento.
No Uruguai, os 50+ representam 33% do consumo da população. Na Argentina e no Chile, 28% e, no Paraguai, 19%, de acordo com pesquisa do Data8 em parceria com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Falhas
As falhas de atendimento do varejo para esse público podem ser vistas em uma simples ida ao supermercado, de acordo com Marcos Escudeiro, pesquisador e conselheiro de empresas.
“Com a idade, ações simples, como empurrar carrinhos, alcançar produtos nas prateleiras, ler etiquetas de preços se tornam mais difíceis. Não vejo os lojistas preocupados com isso”, diz.
Problemas de visão e audição, diz, afetam diretamente a experiência de compra.
“Letras pequenas nas embalagens, má iluminação e ruído excessivo nos ambientes acabam transformando a ida aos supermercados em um desafio para os 50 +”, diz.
Para muitos idosos, a ida ao supermercado é uma oportunidade de manter a autonomia e se socializar. “Os funcionários precisam estar treinados e preparados para atendê-los”, diz.
A falta de preparo de funcionários no atendimento, de acordo com Escudeiro, é um problema estrutural do varejo e pior ainda quando se trata da população idosa.
“Os 50 + precisam, geralmente, de mais tempo para a compra, explicações claras sobre produtos e preços e uma atenção personalizada”, diz.
Sugestões
Escudeiro cita alguns pontos que podem ajudar os supermercados a atender melhor a população com mais de 50 anos.
Comunicação clara e simples sobre produtos e promoções, empatia e respeito às limitações, ajuda prática com sacolas, carrinhos e locomoção, suporte no uso de self-checkouts e aplicativos e conhecimento de ferramentas assistivas, como lupas e carrinhos adaptados.
Escudeiro e Cléa também mencionam a necessidade de produtos mais acessíveis nas prateleiras, áreas com assentos para descanso e caixas prioritários sinalizados e operados por funcionários treinados para lidar com os idosos.
Cléa lembra que, de maneira geral, os 50 + não querem ser excluídos, querem ser incluídos. “Não adianta uma loja ter uma vitrine somente para idosos. O importante é ter produtos e serviços também com um olhar para este público”, afirma.
A mulher, diz ela, quando entra na menopausa, tem o corpo alterado e, o homem, geralmente, engorda, o que sugere uma preocupação maior com modelagem e tamanhos das roupas.
No caso de produtos de beleza, em sua avaliação, não é mais o caso de falar de produtos anti-idade, mas, sim, pró-idade, por exemplo.
“O varejo precisa ter estrutura com um olhar para a longevidade. “Quem aproveitar essas oportunidades, vai sair na frente”, afirma.
Fonte: Diário do Comércio
Foto: Reprodução