MPs querem fim da discriminação da Semed/Santarém contra professores indígenas

Em um documento conjunto de 12 páginas, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) acusam a Prefeitura de Santarém de perpetuar uma “discriminação étnica e salarial” contra os professores indígenas, que são a espinha dorsal da educação diferenciada em seus territórios.

A Recomendação Conjunta nº 1/2025, expedida em 13 de junho, exige que a gestão municipal reconheça esses educadores como professores de pleno direito, com a mesma remuneração e garantias dos demais docentes da rede.

A investigação, que uniu os inquéritos civis do MPF (nº 1.23.002.000368/2025-64) e do MPT (nº 000025.2024.08.003/7-35), expõe uma política que, na prática, cria duas classes de professores. De um lado, os docentes da grade curricular comum. De outro, os mestres responsáveis por transmitir a Língua Materna (Nheengatu e Munduruku) e o Notório Saber tradicional, que são sistematicamente contratados como “monitores” ou “instrutores”.

As consequências dessa política são devastadoras apontam os MPs. Relatos colhidos durante o evento “Judiciário Fraterno” na comunidade Vila Gorete revelam a precariedade da situação. Uma professora indígena declarou: “Sou professora de Notório Saber, mas a Secretaria nos denomina de ‘instrutores’. Não temos suporte de ensino ou apoio pedagógico, precisamos construir nosso próprio plano de ensino sozinhos (…) Recebo um salário mínimo”.

Outro caso emblemático, documentado no processo, descreve como uma professora indígena, após obter um diploma de ensino superior, foi informada pela Secretaria Municipal de Educação (SEMED) que não poderia mais lecionar Saberes Indígenas sendo paga como professora, pois isso “não seria possível”, forçando-a a abandonar o ensino cultural para o qual é mais qualificada.

A defesa da prefeitura e a resposta dos Procuradores

Confrontada pelo MPF, a SEMED justificou sua política em um ofício (nº 118/2025/PGM), argumentando que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) exige formação superior em licenciatura plena para o exercício do magistério. Segundo a secretaria, apenas profissionais com esse diploma podem ser designados “professores”. Aqueles que detêm o conhecimento tradicional, reconhecido por suas comunidades, mas sem a titulação formal, seriam apenas “monitores”, exercendo “funções de apoio pedagógico”.

Os procuradores Vítor Vieira Alves (MPF) e Eduardo Sidney Serra Filho (MPT), no entanto, desconstroem esse argumento. Eles apontam que a própria LDB, no mesmo artigo invocado pela SEMED, admite a formação em nível médio para a educação infantil e anos iniciais. Mais importante, eles ressaltam que todo o arcabouço legal brasileiro, da Constituição à Convenção 169 da OIT, passando por resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE), aponta para a direção oposta.

A peça central da argumentação do MPF e do MPT é a Resolução CNE nº 5/2012, que estabelece as diretrizes para a Educação Escolar Indígena. O documento cita textualmente o artigo 21 da norma, que determina que a profissionalização dos professores indígenas é um “compromisso ético e político do Estado” e prevê explicitamente:

  • A criação da categoria professor indígena como carreira específica do magistério público (inciso II).
  • A garantia de isonomia salarial com os professores não indígenas (inciso III).

Para os procuradores, ao ignorar essa resolução, a Prefeitura de Santarém não apenas comete uma ilegalidade, mas também ataca o coração da diversidade cultural garantida pela Constituição.

“É desnecessário aguardar a aprovação de uma matriz curricular para a contratação dos professores de Língua Materna e Notório Saber como tais, pois o ensino cultural e a valorização da diversidade étnica são previstas constitucionalmente”, afirma o documento.

O ultimato

Diante do que consideram uma violação sistemática de direitos, o MPF e o MPT determinaram que a Prefeitura, na pessoa do prefeito José Maria Tapajós, e a SEMED, representada pela secretária Maria José Maia da Silva, adotem medidas urgentes:

Reconhecimento imediato: Contratar todos os profissionais que lecionam Língua Materna e Notório Saber como Professores, aplicando-lhes o mesmo regime jurídico, salarial e de carreira dos demais docentes.

Formação estruturada: Criar, com caráter obrigatório e participação comunitária, processos de Formação Continuada e de Progressão para Formação Superior para esses educadores, buscando parcerias com a UFOPA e a UEPA.

Segundo apurou a reportagem de O Impacto, a gestão municipal tem até 3 de setembro de 2025 para responder por escrito, comprovando o cumprimento das medidas. Além disso, a SEMED foi notificada a entregar, até 16 de julho de 2025, planilhas detalhadas com os nomes, salários e formas de contratação de todos os professores (indígenas e não indígenas) e monitores, para que a disparidade seja oficialmente quantificada.

Uma audiência de conciliação foi agendada para 25 de agosto de 2025, na sede do MPF, reunindo todas as partes envolvidas, incluindo o Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA).

A recomendação deixa claro: “a omissão na adoção das medidas recomendadas implicará o manejo de todas as medidas administrativas e ações judiciais cabíveis”.

A mensagem é inequívoca: a paciência dos órgãos de fiscalização se esgotou, e o reconhecimento da dignidade dos mestres indígenas não é mais negociável.

O Impacto

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