Um paraíso chamado Brastuga
O Tempores! O Mores! – Que tempos! Que costumes! Proferidas por Cícero a mais de dois milênios no Senado de Roma, essas exclamações do discurso de acusação a Catilina eternizaram-se porque sintetizam o repúdio à moralidade. Valho-me desse legado à humanidade para trazer o passado ao presente e assim expressar com eloquência minha indignação. Brastuga é uma aglutinação, um neologismo que simboliza a amoralidade que grassa em todos os níveis da administração pública deste País. Ao fazer paradigma entre duas sociedades tão díspares e distantes no tempo e no espaço posso parecer bizarro e impertinente, entretanto os fatos mostram que ambas têm uma característica muito comum – são (Paraísos do ilícito). “Deus é brasileiro”! Será? O mito edênico o exalta como nosso compatriota, mas diante do cotidiano de nossa obscena realidade seria muito mais coerente exaltarmos o Satanás. Só o Diabo para arquitetar tamanha ignominia ao nosso gentílico trazendo em verdadeira migração transcendental as reencarnações dos mais finórios ladravazes do Caribe setecentista. Nesta encarnação, despojados de armas e, navegando em Jatinhos, os piratas do século XXI trocaram Port Royal por Brasília, tornando-se mestres no ofício de roubar ao substituírem o terror e antigas Cartas de Corso por prepostos políticos, propinas e, editais de licitações fraudulentas. O introito metafórico/satírico é eufemismo à gravidade da realidade que vivenciamos, sobretudo à vergonha de sermos o País que literalmente assumiu o lugar das Tortugas do século XVIII – Valhacouto da ladroagem institucionalizada. O depoimento do diretor da PETROBRAS, Paulo Roberto Costa, no SENADO FEDERAL causou-me perplexidade, me fez lembrar Catilina pela impavidez e serenidade de sua postura, própria aos que não deve. Ao afirmar “Não é só na PETROBRAS, acontece na construção de hidrelétricas, portos, metrôs, etc.” explica a naturalidade com que expos as entranhas podres do submundo do governo. A mente humana encerra opostos. Um é domínio da razão, o outro, dos instintos, uma dicotomia que configura o grande dilema do homem “Ser ou não ser”, exigindo de cada um de nós constante abnegação e caráter para que a razão se sobreponha aos nossos impulsos negativos. O antropocentrismo nos coloca como centro e medida do universo, entretanto a história da humanidade mostra nosso lado sombrio, revela A Besta Fera latente no homem, sobretudo que não somos tão superiores como nos julgamos ser. Apesar de Interferirmos na natureza vencendo limites que literalmente nos alça ao Olimpo, o resultado da ação antrópica tem sido muito mais, desastroso, prenunciando um caos sem precedentes como consequência de nossa insensatez, uma herança caótica da vida. Segundo Edgard Morin, somos uma unidade de contrários, homo sapiens e homo demens e, a nossa demência não é ocasional configura uma desordem originária. Pela ótica cristã; justos e pecadores, enquanto filhos e herdeiros do pecado original. O embate interior entre o homo Sapiens – sábio, justo, solidário, cooperativo, ético, e o homo Demens – obscuro, obsceno, egocêntrico, mesquinho, aético é quem vai determinar qual dos homos prevalecerá. Não somos produto do meio, porém a ambiência que nos permeia contribui para formação de nossas idiossincrasias influenciando no nosso pensar/agir. “Todo mundo Rouba – Só não rouba quem não pode”. São aforismos de domínio popular que subentendem a desonestidade como algo normal, imprescindível ao exercício do poder. A corrupção sempre existiu, entretanto atingiu níveis que exige como enfatizava Norberto Bobbio, “O governo das Leis, em lugar do governo dos homens”. Pretender extinguí-la é utopia. A desonestidade faz parte do nosso psiquismo, além disso, não podemos ignorar que vivemos sob a égide do pragmatismo capitalista em que os fins justificam os meios. Essa matriz ideológica magnificando o consumo e o individualismo leva ao paroxismo a lógica do Ter como precondição a Ser, cristalizando no subconsciente das pessoas a “esperteza”, em outras palavras, a ilicitude latente em cada ser humano, levando a honestidade a ser concebida como obstáculo aos objetivos fins, enfim, asneira, vã filosofia. Em um SISTEMA afinado por este diapasão quem o contraria não se estabelece é excluído. Esta é a razão maior da corrupção estar tão banalizada, especialmente na administração pública aonde desviar deixou de ser exceção, para tornar-se regra. Vivenciamos um apocalipse moral, entretanto não podemos ser fatalistas, admitir a improbidade como algo normal, indelével e imprescindível ao exercício do poder. Somos o ápice do processo da evolução biológica e é a consciência que nos diferencia dos demais espécimes vivos, faz predominar em nós a porção sapiens, única forma de darmos sentido à nossa existência imprimindo no processo civilizatório valores que consolidem a dignidade, a solidariedade, a ética, enfim, a moralidade como base edificadora do HOMEM, por extensão, da sociedade. Há quase quinze anos venho numa luta inócua por justiça porque diante das forças ciclópicas do submundo do Poder sou mera figura quixotesca. Aproveito o ensejo do estouro da operação (Lava Jato) para mais uma vez dar publicidade à minha causa. A corrupção e o abuso de poder prospera porque geramos condições para alimentar suas raízes. A população embora vítima maior é coparticipe do Sistema que a corrompe e explora. As eleições são provas fáticas desse obscurantismo, dessa demência coletiva. Verdadeiros bandidos são eleitos para dar sustentabilidade aos batalhões de áulicos cujo ofício sempre foi manipular e sugar na vaca de divinas tetas (ERÁRIO), fato que exige mudanças que dêm mais celeridade e severidade às Leis que tratam dos crimes contra o patrimônio público porque a banalização do ilícito degrada toda a sociedade. Nosso pensamento jurídico ainda preserva muitos arcaísmos, filigranas que abrem brechas que se constituem em valhacoutos para ladroagem institucionalizada. A prevalência dessas excrescências jurídicas deixa a população descrente na legalidade e, na Justiça. Todavia não podemos perder a esperança nos HOMENS DE BEM e na JUSTIÇA, enquanto sustentáculos do Estado Democrático de Direito, porque se há verdadeiros monumentos vivos à indecência, também há homens que em essência são a dignidade e a justiça. A decência nós impõe o dever da não omissão, por isso mais uma vez trago a público minha luta não só por razões de foro íntimo, mas, por entender que ao transpor a fronteira do individual minha história se insere no contexto de uma vergonhosa realidade nacional que nos denigre não deixando de ser uma causa pública porque representa uma afronta à cidadania. Em uma sociedade obscurecida pela vesânia que leva o ilícito ao paroxismo, aonde a priori todos são corruptíveis ser reintegrado para mim é uma questão de honra. Reitero minha gratidão a todos os que se solidarizam a mim nesta luta por justiça. Sem qualquer conotação à heroicidade afinal cumpro apenas com o meu dever, embora prevalecendo a injustiça não me considero derrotado, minha alma é e será sempre altaneira porque tenho os louros da honra. Tal qual Fênix rediviva ressurjo das cinzas sem arrependimentos e, muito mais convicto dos meus valores. Oxalá minha postura possa contribuir para que as pessoas reflitam, assim fortalecendo o propósito de cristalizarmos no inconsciente coletivo os princípios da transparência, da honradez da solidariedade e da justiça como bases da edificação do homem.
Fonte: RG 15/O Impacto