SOBRE A MINIRREFORMA ELEITORAL

Em 29 de Setembro de 2015, a Presidenta da República sancionou a lei 13.165/2015, alterando diversos dispositivos da legislação eleitoral, norma logo chamada de minirreforma eleitoral, supostamente, segundo sua ementa, com o objetivo de reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina. Na semana que seguiu à publicação do novel diploma, muito já foi dito e escrito a respeito, por vozes e penas muito mais autorizadas e qualificadas que a minha sobre o assunto, por isso vou apenas sintetizar em rápida análise as mudanças mais significativas no processo eleitoral e organização partidária.

O primeiro questionamento que emerge sobre a nova lei é se as alterações são realmente positivas. A resposta, no geral, me faz lembrar um antigo personagem do humorista Jô Soares que tinha como bordão, diante de uma afirmação de que o país estava melhor, responder que “sim… melhorou ‘pra’ pior”.Na minha modesta opinião, a minirreforma eleitoral se melhorou, foi para pior.

A norma em comento tem claro viés oportunista, servindo mais aos interesses pessoais dos políticos que aos objetivos maiores do Direito Eleitoral, diminuindo o alcance do debate político, privilegiando a participação das legendas maiores em detrimento da pluralidade de ideias e ideologias, e sem nenhuma dúvida foi lapidada de forma a favorecer a manutenção no Poder de quem já o detém, dificultando a rotatividade, um dos pilares da verdadeira democracia representativa.

O prazo para estar filiado a um partido político, que antes era de um ano, agora foi reduzido pela metade, devendo o pré-candidato ter o pedido de filiação ao partido pelo qual pretende concorrer deferido até seis meses antes da data marcada para a eleição, aumentando, portanto, o tempo para negociações de toda sorte. A convenção para escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre coligações, antes realizada entre 12 e 30 de junho do ano das eleições, agora deveocorrer no período de 20 de julho a 5 de agosto, encurtando o tempo de campanha, diminuindo, portanto, consideravelmente o período de debates e apresentação de propostas. Neste particular, já há severas críticas à redução do prazo de filiação, sob o argumento de que o princípio da anualidade, reflexo do texto do art. 16 da Constituição Federal, induz à interpretação de que, se a lei que modifica o processo eleitoral não pode ser aplicada à eleição que ocorra até um ano do início de sua vigência, é porque o processo eleitoral inaugura-se exatamente neste prazo, um ano antes das eleições, data em que não só o domicílio eleitoral, mas também a filiação partidária deve estar definida.

Agora, para vereador, cada partido ou coligação poderá registrar até o dobro do número de vagas na respectiva Câmara Municipal, nos municípios de até cem mil eleitores, e de uma vez e meia, naqueles cujo número de eleitores for maior que cem mil.

O pedido de registro de candidatura, que antes deveria ser feito até 5 de julho, agora será até 15 de agosto do ano das eleições, data a partir da qual será permitida propaganda eleitoral, encurtando em 45 dias o tempo de campanhae todos os pedidos, inclusive os impugnados e os respectivos recursos,devem estar julgados pelas instâncias ordinárias, e publicadas as decisões a eles relativas até 20 dias antes das eleições, prazo que antes era de 45 dias, restando saber se a Justiça Eleitoral terá condições de cumprir este prazo.Os candidatos a vereador devem ter 18 anos até a data do pedido de registro.

Na parte relativa à arrecadação e gastos de campanha, a nova lei excluiu os comitês financeiros, estabelecendo que o candidato a cargo eletivo está obrigado à inscrição no CNPJ e abertura de conta bancária, devendo fazer, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha usando recursos repassados pelo partido, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas. Somente após a abertura de conta bancária, cujo pedido deve ser atendido pelas instituições financeirasem até três dias, sendo-lhes vedado condicioná-la a depósito mínimo e à cobrança de taxas ou de outras despesas de manutenção, é que o candidato poderá arrecadar e realizar os gastos necessários à sua campanha. Enquanto as doações e contribuições de terceiros ficam limitadas a 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição, o limite para doação de recursos estimáveis em dinheiro de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador passa a ser de 80.000. Além disso, o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido na Lei para o cargo ao qual concorre, privilegiando de forma escancarada o candidato com maior poder econômico.

A grande sacada para fugir do controle das doações vem no § 12 do art. 28, da Lei 9.506, acrescido pela Lei 13.165/15: os valores transferidos pelos partidos políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas dos candidatos como transferência dos partidos e, na prestação de contas dos partidos, como transferência aos candidatos, sem individualização dos doadores. Em outras palavras, o partido receberá doações e repassará aos candidatos, sem que se saiba de quem o candidato recebeu.

A nova lei alterou algumas regras sobre propaganda eleitoral, vendando, por exemplo, a pintura de muros, e tratou especificamente da propaganda eleitoral antecipada, excluindo diversas situações antes vedadas pela jurisprudência, que pela extensão e importância merecem tratamento em artigo a parte.

Agora, a Lei 9.096/95, que dispõe sobre os partidos políticos passa a prever expressamente a perda de mandato do eleito que desfiliar, sem justa causa, do partido em que for eleito, estabelecendo como justa causa para desfiliação sem a perda do mandato a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, grave discriminação política pessoal e – a novidade – a mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional.

Alguns chamaram a esta janela de“o fim da ditadura dos partidos”. A expressão é não só infeliz do ponto de vista ético e moral que o Direito Eleitoral propõe por seus princípios e fins, mas absolutamente afrontosa aos mais basilares princípios da democracia representativa e dos mais altos valores de um Estado Democrático legítimo. Partidos políticos, no dizer de Marcus Vinícius Furtado Coêlho, “são reconhecidos por todas as nações democráticas como forças políticas que compõem a democracia, porque são os conectivos entre uma série de interesses e necessidades presentes no corpo social e o governo e por contribuírem para um processo eleitoral justo e transparente. Pode-se até afirmar que não há efetiva democracia sem a contribuição direta dos partidos políticos”.O Art. 17, § 1º da Carta Magna dota os partidos políticos de autonomia e determina que estabeleçam normas de fidelidade partidária. Deixa claro o texto constitucional que o partido, corpo coletivo que reúne pessoas em volta de uma mesma ideologia, está acima dos interesses e pretensões pessoais de seus membros. Filiam-se os eleitores à ideologia por ele defendida, na defesa dessa ideologia se elegem e por este princípio constitucional deveriam os detentores de mandato nele permanecer até o exaurimento do mandato. Utopia para Brasil de hoje? Sim, sem dúvida uma utopia. Infelizmente. E a obra legislativa que ora se comenta é a prova viva de que esta é uma realidade ainda distante. Mas se há algo de positivo nesta “janela”, é dar um freio na criação de novas siglas, sem significado objetivo nenhum, apenas mera conveniência de seus criadores e novos adeptos, na maioria das vezes.

A nova redação do art. 108 do Código Eleitoral afirma que o candidato a cargo proporcional, para ser eleito,deve obter votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, e o partido ou coligação preencherá tantas vagas quantas o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.

Andou bem a Presidenta em vetar o voto impresso. Além de representar um gasto estratosférico com aquisição de impressoras epapel térmico para as urnas, sua aprovação seria de duvidosa constitucionalidade, o eleitor mal-intencionado poderia alegar erro na impressão, gerar desnecessárias recontagens, sem falar na possibilidade da quebra do sigilo do voto.

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