Voto do relator mantém rito de Cunha em processo que pode afastar Dilma
O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou, para às 14h de quinta-feira, a sessão em que vai definir o rito do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff após o voto do ministro Edson Fachin. Relator do processo, Fachin manteve o rito adotado por Eduardo Cunha. Seu voto teve cinco reveses para a presidente. Ele disse que o Senado não pode barrar a instauração do procedimento; confirmou a votação secreta para a formação da comissão na Câmara; negou o pedido de afastamento do deputado Eduardo Cunha da comissão; argumentou a favor do afastamento de Dilma quando a Câmara autorizar o processo e enviar ao Senado; e rejeitou a ausência de defesa prévia de Dilma.
Durante duas horas e 14 minutos, Fachin leu seu voto, cuja íntegra ultrapassa 100 páginas, no plenário do STF. O relator indeferiu a maior parte dos pedidos do PCdoB, autor da ação sobre o rito do procedimento. Por cerca de uma hora, Fachin apresentou o embasamento jurídico de sua decisão. Em seguida, deu início ao voto.
Com o objetivo de determinar o rito a ser seguido pelo Congresso, Fachin negou a possibilidade de o Senado rejeitar a autorização da Câmara para instauração do processo contra a presidente. Ele afirmou que a Câmara dos Deputados deve julgar a admissibilidade do processo, e o Senado deve cuidar do processo e julgamento. Assim, quando a acusação for admitida na Câmara, o Senado deve, necessariamente, abrir o processo. Somente a partir desse momento, acontecerá o eventual afastamento de Dilma.
O relator votou ainda pelo indeferimento do pedido do PCdoB, sobre a ausência de defesa prévia de Dilma. A ação proposta pelo partido alegava que Dilma não teve a oportunidade de se posicionar antes da admissibilidade do processo pela Câmara. Segundo Fachin, a presidente deve ter direito à defesa ampla, não na fase atual, mas antes da aprovação do parecer da comissão especial do impeachment na Câmara.
O relator opinou também a favor da manutenção da comissão eleita na Câmara dos Deputados em votação secreta. Segundo Fachin, a votação secreta, com duas chapas, foi legítima. Mas, segundo o ministro, a votação final, no plenário da Câmara, deve ser realizada por meio de voto aberto.
O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PDMB-RJ), também foi tema do voto de Fachin. O relator rejeitou o pedido de afastamento de Cunha da comissão. Na ação, o PCdoB alegava parcialidade do deputado, que se diz desafeto da presidente, mas Fachin argumentou que “entraves políticos são naturais em processo jurídico-político”.
Fachin argumentou que os regimentos da Câmara e do Senado servem apenas para a organização interna das Casas. O relator apontou que o STF deve fazer uma “filtragem constitucional”, à luz da Constituição de 1988 e da lei de 1950. No voto, ele afirmou ainda que o tema impeachment “é da mais alta magnitude” e que o Supremo” deve agir como guardião da Constituição”. Alegou que a natureza do processo de impeachment como jurídico-politico, passível de controle judicial. E lembrou que o Congresso não editou lei sobre os crimes de responsabilidade, mesmo após o pedido de impeachment do ex-presidente José Sarney e do processo contra o ex-presidente Fernando Collor.
PARLAMENTARES SE MANIFESTAM
Vários parlamentares – favoráveis ou contrários ao afastamento dela – acompanham o julgamento no plenário da corte, entre eles, o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), o mais antigo integrante da Câmara, com 11 mandatos. Caberá a Miro falar em nome da Câmara.
— Farei a defesa da Câmara, da Constituição, do regimento — disse Miro, sem querer adiantar o teor da sua sustentação oral.
O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) também já está no plenário. Segundo ele, o mais importante será definir o “juiz natural”, ou seja, o papel da Câmara e do Senado. A Constituição estabelece que o presidente da República deve ser afastado das suas funções após a instauração do processo pelo Senado. O impeachment começa na Câmara, responsável por autorizar a instauração do processo quando há pelo menos dois terços dos votos dos deputados (342 de 513). Uma vez instaurado, cabe ao Senado julgar o presidente e dar uma decisão final sobre o caso. Está em discussão se o Senado pode barrar o processo vindo da Câmara, ou se deve apenas formalizar o que veio da outra casa legislativa. Os deputados da oposição defendem que o Senado não tem esse poder.
— O mais importante é definir o juiz natural — disse Adams.
O deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA) argumentou que, independentemente do rito definido pelo STF, o seu partido sairá vitorioso. O PCdoB é contrário ao impeachment e é o autor da ação que pediu a definição das regras do processo. O partido defende regras que, nas circunstâncias atuais, tornam mais difícil o processo de impeachment.
— A impressão que tenho é de que o PCdoB sai vitorioso. Não atuamos como advogados de ninguém — disse o deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA), acrescentando:
— O mais importantes é que as regras do jogo sejam definidas.
O PSOL é oposição, mas é contrário ao impeachment e tem posição parecida à do PCdoB. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) também se encontra no plenário do STF. Ele é contra, por exemplo, a votação realizada na semana passada, em que o plenário da Câmara, por voto secreto, elegeu uma maioria oposicionista para integrar a comissão de impeachment. O PSOL diz que isso deveria ter ocorrido por voto aberto.
Também presente ao Supremo, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) afirma que não há motivo para mudar a forma como os deputados elegeram a chapa oposicionista para julgar o impeachment de Dilma. Segundo ele, ao votar nos colegas, os deputados estão na mesma posição que um eleitor que vota em um deputado e, por isso, o voto deve ser secreto.
— Espero que o STF não reinvente a roda. Em 1992, o impeachment foi orientado por um rito. Não vejo espaço para modificação disso. Em Direito, quanto menos você mexer num assunto, melhor — disse Onyx.
Entre outros, também estão presentes os deputados Henrique Fontana (PT-RS), Mendonça Filho (DEM-PE) e Raul Jungmann (PPS-PE).
Ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo acredita que a escolha por voto secreto na eleição da comissão que vai analisar o impeachment na Câmara dos Deputados é uma nulidade, o que seria suficiente para não dar continuidade ao processo. Falando em nome dos 16 governadores que manifestaram apoio à presidente Dilma Rousseff na semana passada, Lembo tem feito declarações contra o impeachment.
— O impedimento de um presidente é uma coisa muito séria. Não pode ser tratado como uma banalidade ou um processo corriqueiro. O crime do chefe do Executivo tem que ser claro. Se passarmos um processo como esse, temos o grande risco de transformar o impeachment em algo corriqueiro, o que tornaria o país ingovernável. Imagine se a cada mês, um governador ou um prefeito sofrer um processo desses? — questionou Lembo.
O deputado Henrique Fontana (PT-RS) criticou a forma como o processo de impeachment tem sido conduzido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e disse esperar que o Supremo decida pelo voto aberto na eleição da comissão de deputados.
— Espero que o STF decida por um processo justo e republicano, e não da forma como vem sendo conduzido, pela mão de ferro por Cunha.
No julgamento, o relator, o ministro Edson Fachin, teve 15 minutos para ler um relatório do caso. Em seguida, tiveram 15 minutos cada: PCdoB, Senado, Câmara, AGU e Procuradoria Geral da República. Em seguida, houve meia hora para todos os “amici curiae”. Trata-se de quem não é parte diretamente envolvida, mas, na avaliação da corte, tem representatividade para falar. Foram ouvidos sete partidos – PSDB, PT, DEM, PSOL, PP, Rede e Solidariedade – mais a União Nacional dos Estudantes (UNE). Só depois disso, Fachin começou a ler seu voto.
‘INSTRUMENTO EXCEPCIONALÍSSIMO’
O advogado do PCdoB, Cláudio Pereira de Souza Neto, defendeu a manutenção do rito de impeachment aplicado em 1992 ao ex-presidente Fernando Collor, mas com algumas alterações. Ele também afirmou que não pode haver a banalização dos processos de impeachment.
— Quanto mais grave a consequência da decisão, mais rigoroso, mais cuidadoso e mais garantista deve ser o procedimento — argumentou o advogado do PCdoB, acrescentando:
— O processo de impeachment não pode se converter em mecanismo de luta entre os partidos, entre grupos partidários, entre facções. Mas o processo de impeachment deve ser instrumento excepcionalíssimo da política constitucional. Não se confunde portanto o processo de impeachment com a moção de desconfiança, próprio do sistema parlamentarista. A banalização do processo de impeachment tende a gerar instabilidade política, instabilidade econômica, em detrimento dos interesses mais caros do povo.
Assim como ocorreu há 23 anos, ele defendeu que o Senado tenha de apreciar a eventual decisão da Câmara de instaurar o processo de impeachment, e não apenas formalizando o que veio da outra casas legislativa. Isso é importante porque o afastamento do presidente ocorre só depois de instaurado o processo. Na prática, isso abre espaço para que o Senado barre o impeachment, caso haja uma decisão favorável na Câmara.
Diferentemente de 1992, o advogado do PCdoB defende que seja necessária a aprovação de dois terços dos senadores (54 de 81), para a instauração do processo. A maioria qualificada é exigida na Câmara. Mas a Procuradoria Geral da República (PGR), por exemplo, entende que, no Senado, basta maioria simples.
Cláudio Pereira também pediu que a presidente Dilma Rousseff tenha direito à defesa prévia. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou o pedido de impeachment sem ter feito isso, dando prosseguimento ao processo.
— A manifestação do presidente da Câmara dos Deputados possui um fortíssimo teor decisório. Em primeiro lugar, é uma decisão que examina a presença de justa causa para que dê processamento da denúncia. Mas além disso, seleciona os fatos pelos quais está recebendo a denúncia.
VOTO ABERTO EM DELIBERAÇÕES
O deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) defendeu o voto secreto para a eleição da comissão da Câmara dos Deputados que dá início ao processo de impeachment. Segundo ele, a defesa da presidente só deve ser feita no Senado, após a comissão montada na Câmara aceitar o pedido de impeachment.
Para ele, a Câmara deve manter o voto secreto em votações internas, como a da comissão, mas fazer o voto aberto em deliberações, quando há interesse dos eleitores em saber como os deputados se posicionam. O deputado defendeu a possibilidade de qualquer cidadão entrar com um pedido de impeachment:
— Algumas denúncias chegaram à Câmara. Janaína, Reale, Bicudo, e tantas outras pessoas, de tantas lutas, pela liberdade, pela democracia, será que são conspiradores, golpistas? Não são. Não assinaria a petição deles, mas eles têm o direito de denunciar o presidente da República.
Miro fez comparações do atual momento político do Brasil com o impedimento de Fernando Collor de Mello, em 1992. Segundo ele, as condições dos dois presidentes são “completamento diferentes”.
Falando em nome da Câmara dos Deputados, Miro Teixeira foi o segundo a falar e não poupou críticas ao presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ):
— O presidente da Câmara está denunciado neste tribunal, é suspeito em vários inquéritos, teve suas casas devassadas ontem legalmente pela PF, mas aqui estou representando a Câmara dos Deputados. As suspeitas são de crimes, graves, de conta na Suíça.
O advogado do PT, Flávio Caetano, também atacou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Adversário do governo, foi Cunha quem deu início ao processo de impeachment. Caetano lembrou que o deputado, investigado na Operação Lava-Jato, vem tomando ações para retardar o processo aberto contra ele no Conselho de Ética da Câmara.
— O que se observa hoje, na Câmara dos Deputados, infelizmente é o governo de um homem só. É um vale tudo antidemocrático, de fazer corar o rei francês Luís XIV, do “Estado sou eu”. Um presidente que reage contra suas investigações, dos ilícitos que praticou. E de outro lado impõe à presidente da República uma investigação sumária, com chantagem explícita, sem permitir que o acusado se defenda ou profira qualquer palavra. Um presidente que dá voz ativa a denunciantes e que impõe um silêncio à presidente da República, eleita e reeleita com 54,5 milhões de votos — disse Caetano.
‘CASCATAS DE IMPEDIMENTOS’
O ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, falou no Plenário como advogado do PSD no processo. Ao GLOBO, ele disse que representa também os 16 governadores que assinaram documento de apoio à presidente Dilma Rousseff na semana passada. Em breve discurso, Lembo defendeu o voto aberto para eleger a comissão especial da Câmara que avalia o pedido de impeachment. Ele ainda pediu que os ministros do Supremo tenham equilíbrio e bom senso para evitar o que considera violações da legislação no processo.
— Esse é um momento difícil que me faz lembrar a Velha República, das urnas tomadas, das atas falsificadas. Se esse processo continuar desta forma, teremos uma cascata de impedimentos a nível estadual e municipal.
O advogado Fabrício Juliano Mendes Medeiros, que representa o DEM, argumentou que os deputados devem fazer o voto público quando estão decidindo algo que impacta a população, mas que podem ter voto secreto quando estão fazendo eleições internas.
— Em nenhum momento se verifica necessidade de que os integrantes da comissão especial sejam escolhidos por indicação dos líderes de cada partido.
O advogado provocou risos no plenário ao cometer um deslize no final de sua participação. Ao citar o jurista norte-americano Louis Brandeis, que disse que “a luz do Sol é o melhor desinfetante”, ele disse que “o detergente é o melhor desinfetante”.
Representando o PSOL, o advogado André Maimoni disse que, embora o partido faça oposição ao governo federal em alguns momentos, não pode “concordar com os abusos e irregularidades deste processo, cometidos pelo sr. Eduardo Cunha”.
Maimoni sustentou que a lei de impeachment, de 1950, ficou desatualizada e chega a contradizer a Constituição de 1988, que dá direito à ampla defesa de qualquer acusado. Ele concordou com o pedido feito pelo PCdoB, que propõe que a presidente Dilma deveria ter apresentado sua defesa antes que Cunha aceitasse a denúncia de crime de responsabilidade.
Para o advogado, o rito usado durante o processo de impedimento de Collor também não deve ser adotado:
— Não dá para adotar procedimento de Collor agora, As mudanças foram substanciais. Supremo pode corrigir a insegurança jurídica que existe neste caso e impedir as ilegalidades que tem passado na Câmara.
O advogado da Rede, Eduardo Mendonça, defendeu a manutenção das regras do impeachment de 1992, quando Fernando Collor foi afastado da Presidência da República, ou a aplicação de um rito novo. Segundo ele, o que não se pode fazer é pegar o rito de 23 anos atrás e acrescentar alterações pontuais.
— Se esse procedimento esteve posto, foi aplicado e funcionou, e o país teve 23 anos para mudá-lo e não mudou, a hora de mudar é agora? A Rede entende que aquele procedimento que serviu ao país, ruim, mas que serviu ao país, foi considerado constitucional naquele momento, deve ser mantido pela seriedade, pela previsibilidade das regras do jogo. Mas faço a ressalva de que as duas posições são plausíveis à luz da Constituição. Não nos parece plausível é misturar regimes, pegar 1992 com acréscimos que se faça aqui ou ali. Ou bem se faz uma interpretação à luz da Constituição do zero, ou bem se aplica o rito que já foi aplicado — disse o advogado da Rede.
O advogado da União Nacional dos Estudantes (UNE), Pedro Dallari, disse que, no sistema político brasileiro, a regra é a garantia do mandato. Ele lembrou o papel da UNE em 1992, mas afirmou que aquela era uma situação excepcional.
— A União Nacional dos Estudantes teve um processo de liderança no processo que culminou com o afastamento de presidente comprovadamente corrupto — disse Dallari, concluindo:
— Ali havia situação excepcional. Na história política e constitucional brasileira, a regra é da garantia dos mandatos, da preservação do mandato presidencial.
Fonte: O Globo