Roque Leal: “Imposições da Semma podem acabar com o carnaval de rua”

Roque Leal diz que Cacique da Prainha foi prejudicado
Roque Leal diz que Cacique da Prainha foi prejudicado

Santarém, berço da mais pura arte, celeiro cultural de valor imensurável, terra de manifestações únicas no mundo contemporâneo. A fama da Pérola do Tapajós é reconhecida nos quatro cantos do mundo. Personagens ilustres e desconhecidos deram sua contribuição para a determinação de uma identidade cultural própria.
Dentre tantos artistas e promotores da cultura santarena, a Professora Romana Tavares Leal conquistou os corações e deixou para os santarenos um legado cultural que retrata a persistência, a coragem e a ousadia de uma mulher capaz de ultrapassar todos os obstáculos em nome do bem comum.
Próximo de mais um período carnavalesco, onde blocos de enredo e blocos de empolgação realizam os últimos acertos para ir à avenida, o responsável pelo Bloco Cacique da Prainha, Roque Tavares Leal, filho da professora Romana Leal, uma das pessoas que fundaram o Bloco que há três décadas anima os foliões santarenos, recebeu nossa equipe de reportagem para uma entrevista exclusiva.
Roque Leal fez um desabafo, e o socializou a dificuldade que está sendo manter o legado cultural deixado por sua mãe. Para ele, a cada ano que passa os problemas se intensificam, seja por falta de apoio do governo municipal, que não está priorizando o carnaval tradicional da cidade, até mesmo pela falta de compreensão da vizinhança da sede do Bloco, onde se realizam suas atividades, tais como ensaios, que não aceitam mais por causa do barulho.
De acordo com Roque Leal, este ano a preparação do Bloco está inviabilizada, devido a autorização expedida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), que restringiu as atividades do Bloco, que não pode realizar os ensaios cujo volume do som ultrapasse 50 decibéis. Acompanhe os detalhes na entrevista:
Jornal O Impacto: Neste momento que se aproxima mais um período carnavalesco, são muitos os desafios a superar. As restrições estabelecidas pela Semma prejudicam as atividades culturais do Bloco Cacique da Prainha?
Roque Leal: A licença que nos foi dada não satisfaz nossos anseios, até porque nós vamos ensaiar nos dias da semana das 19h00 até às 21h30m, e depois das 21h30m vai ter que parar todas as atividades. Para fazer as alegorias, nós temos até às 18h00. Como o carnaval, ele sempre é voluntariado, as pessoas vêm ajudar voluntariamente. Essas pessoas trabalham na folga noturna delas, ou seja, só podem ajudar a partir das 18h00, e como é que a gente vai poder fazer as alegorias, os carros e adereços até 18h00?, questiona.
Então, eu acho que a SEMMA tem que ter bom senso, quando der essas autorizações, para que a gente não venha correr o risco de até não obedecer a essas recomendações. E tem mais, a questão da altura do som, 50 decibéis, acho eu que é um barulho de ônibus, como eu posso colocar 18 treme terras, 18 caixinhas, mais 22 tamborins, mais 2 cantores e o cavaquinhista, com 50 decibéis, é impossível. O conhecimento técnico de carnaval deveria ser pelo técnico que expede autorização para nós fazermos os ensaios.
Jornal O Impacto: Parte do movimento cultural de Santarém estabelece que o Poder Público Municipal não prioriza a temática em nosso Município. Na sua visão, tem sido fácil fazer cultura em Santarém?
Roque Leal: Olha, eu já falei uma vez, que um povo só existe de verdade quando faz cultura e nela busca identidade. Que identidade cultural nos temos? Principalmente no carnaval? Eu conheço o carnaval desde 1980, junto com minha mãe ao iniciar o Cacique da Prainha. Eu me lembro que na época existia o Bloco Ases do Samba, tinha o Chapeuzinho Vermelho, Breguelhegue e muitos outros. Todos esses blocos sucumbiram pela falta de apoio, pelas perseguições que eles tinham por fazer barulho. As pessoas não entendiam isto, e hoje a gente fica neste saudosismo. Dos que existiam hoje apenas três sobrevivem.
As mesmas questões: Falta de apoio financeiro e falta de compreensão da vizinhança. Porque você colocar tudo isto preso em um local, para esse som não sair, é quase impossível. Porque não tem nenhum local em Santarém que faça eventos e ensaios, que o som possa ser confinado. São poucos os lugares que você consegue confinar muito som. E aqui, para uma bateria de carnaval, uma bateria de bloco, é impossível você confinar o som de uma bateria.

Jornal O Impacto: Com boa parte da vida dedicada ao carnaval santareno, com a experiência adquirida aos longos dos anos, como o senhor avalia a programação carnavalesca de 2016?
Roque Leal: A programação está deixando a gente meio com pé atrás. Ninguém sabe mesmo se vai ter carnaval, ninguém sabe de fato, se a Prefeitura vai mandar esse recurso para gente fazer o evento. Porque hoje, como você é impedido, em nosso caso, desde abril de 2015, quando nós faríamos uma festa do índio aqui na Oca, e nós fomos impedidos de fazer pela Semma, por motivos de reclamações da vizinhança, nós estamos sem fazer nenhum movimento, e hoje, nós fomos liberados para fazer o ensaio, não eventos para angariar recursos. Quando você tem recursos, você faz um belo carnaval. Hoje, qualquer coisa sem recursos, só na boa vontade, você não vai muito longe. E o Cacique da Prainha, graças a Deus, conseguiu apoio de alguns empreendedores que ainda acreditam no carnaval, e que a gente vai para a luta. A gente vai para fazer um espetáculo bom, onde as pessoas possam se divertir. O nosso enredo é sobre a classe de ensino, dos professores: “Professores, a arte de ensinar”, valorizando o professor, para que possamos fazer um belo carnaval.
Jornal O Impacto: Sua análise sobre a possibilidade de não haver disputa, de não existir um vencedor do carnaval santareno?
Roque Leal: O ser humano é por si só competitivo, ao nascer ele já faz um esforço danado. As coisas sem disputa, elas não te dão essa vontade de fazer o melhor. A disputa dá vontade em você de fazer o melhor. Imagina se os times não disputassem nada. Não teria precisão de treinar tanto o atleta. Tantos esquemas táticos para você melhorar teu time. É mais ou menos assim no carnaval. Quando não existe disputa, o interesse de quem participa diminui. Se não vai ter disputa, para que eu vou gastar tanto com adereços, só para mostrar que está belo.
A disputa te leva a melhorar a cada dia que passa, tanto na nossa vida, quanto nas coisas que a gente faz. Eu acho que a concorrência faz com que você a cada instante melhore o teu negócio, e isto não é diferente numa agremiação carnavalesca. Você quer sempre fazer o melhor. Eu não acredito muito no carnaval sem disputa.
Mas, se realmente não tiver, a gente vai tentar fazer da melhor maneira possível, como a gente tem feito desde 1980, para estar presente no carnaval santareno, fazendo com que Santarém tenha algo mais para apresentar aos turistas que vem aqui, à própria população que vai comparecer na orla, e para que a gente tenha essa identidade cultural, possamos dizer, nós temos um carnaval, nós temos os blocos de enredo e temos os blocos de empolgação. Nós temos uma identidade e que a cada instante se esvai, e a gente precisa tomar cuidado disto.
Jornal O Impacto: Se nada mudar na atual situação, o movimento cultural carnavalesco deixado em segundo plano, qual será o futuro do carnaval santareno?
Roque Leal: A meu ver, se a gestão pública não tomar a frente disto, e não incentivar, como outras cidades fazem, a tendência do carnaval santareno é, ou muda para outra modalidade ou acaba de uma vez. Para quem já teve tantos blocos de enredo, e hoje sobrarem três, para acabar está muito perto. Agora eu tenho um compromisso, eu tenho um legado para dar continuidade. Mas, infelizmente tudo se acaba, nós vamos nos acabar, porque o Cacique não pode acabar. Então, eu fiz a minha parte, aqui onde existe o Cacique da Prainha, é parte que me coube da herança da mamãe, que fez e deixou esse legado cultural para nossa cidade, e hoje, para manter o legado cultural da professora Romana Leal, este ano, com as proibições dadas pela Semma, com as reclamações da vizinhança, eu já tive que sair daqui, das terras da professora Romana, que deixou este legado, para fazer a Garça Faceira, com as senhoras da melhor idade, para Paróquia de São Sebastião. Eu já tive que sair daqui para Escola Haroldo Veloso, para fazer o legado deixado pela professora Romana Leal, que é o Velodinho. E já tivemos que sair daqui, para Escola Romana Leal, que leva o nome da professora Romana que deixou todos estes legados culturais para Santarém, nós já fomos para lá para fazer a Pastorinha, que minha avó fazia aqui em 1927, quando chegaram aqui neste local onde está o Cacique da Prainha.
Aqui onde nós estamos a Professora Romana vagava, preocupada com o seu legado. Talvez isto que tenha aguentado eu e minha família, outras pessoas que ajudam. Infelizmente, alguns netos da professora Romana são contra a continuação e a perpetuação deste legado. Isto é mais triste porque, quando o fogo é inimigo, você se defende, é muito fácil você se defender do fogo inimigo, mas quando o fogo passa a ser amigo, é mais difícil até de você comentar e se defender. Mas eu tenho a consciência tranquila que desde 1990, quando a professora Romana Leal faleceu, eu já estava à frente do Cacique, com muita dificuldade e com o apoio das pessoas que valorizam esse legado, nós mantivemos o Boco Cacique da Prainha, e as atividades culturais dela. Mas daqui para frente, com essas sérias proibições, eu não sei se vou ter mais vontade de fazer. Então, é uma incógnita, eu dizer que em 2017 o Cacique da Prainha irá para a avenida.
Talvez em outro lugar, porque além de minha mãe ter deixado esse legado, a professora Terezinha Sussuarana também fez parte disto, Renato Sussuarana também fez parte disto, e o Rui Ferreira fez parte disto. Eles estão vivos, somente a professora Romana que se foi. Quem sabe eles tomam conta do Cacique da Prainha longe daqui, onde havia uma preocupação muito grande da professora Romana em manter este pedaço de chão com as suas manifestações culturais, com seu legado, e era uma preocupação dela.
NOTA DA SEMMA: Em relação à matéria publicada na Tv IMPACTO sob o título: “SEMMA dá golpe final no já enfraquecido Carnaval Santareno”, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA) vem informar o que segue:
Que a SEMMA reconhece a importância do carnaval como manifestação cultural, entretanto, há legislação pertinente à temática de poluição sonora que não pode deixar de ser descumprida.
A SEMMA expediu autorização provisória referente ao protocolo 024/2016, relativa a emissões sonoras durante a realização do evento e ensaios, do bloco Cacique da Prainha. A referida autorização foi precedida de uma denúncia de moradores do entorno onde são realizados os ensaios, no sentido de que seja resguardado o direito ao silêncio, dentro dos horários estabelecidos na legislação ambiental.
Na busca de uma solução que atendesse aos interesses das partes demandadas, foram estabelecidos alguns critérios, que a SEMMA entende que viabilizem as atividades da agremiação carnavalesca e também o direito das pessoas que se sentem prejudicadas com a atividade.
O horário das 18:00 às 21h30 será para os ensaios. A fabricação de alegorias poderá ser feita de segunda a sexta-feira das 08h às 12h e das 14h às 18h, e aos sábados das 08h às 16h. O som deverá ter volume não superior a 50 decibéis, parâmetro que é também preconizado pela legislação ambiental vigente, quando se trata de área residencial, não havendo prerrogativas para atividades carnavalescas.
A autorização também recomenda a instalação de dois banheiros químicos por se tratar de eventos com mais de 100 pessoas, a correta destinação do lixo e encaminhamento de solicitação à SMT, caso os eventos sejam realizados em via pública e à SEMINFRA quando se tratar de obstrução de calçadas.
Portanto, a palavra golpe não deve ser usada em nenhum momento, pois todas as recomendações estão em conformidade com o artigo 15, da lei Ambiental Estadual n° 5.887, artigo 54, da Lei Federal de Crimes Ambientais n° 9.605/1998 e da Lei 17.894/2004 (Código Ambiental de Santarém).
As medidas adotadas são de ordem administrativa, cabendo ao requerente a opção de solicitação de nova análise ou encaminhamento de medidas judiciais que julgar cabíveis, o que até agora não aconteceu. Trata-se, portanto de um caso isolado do Bloco Cacique da Prainha.
Por fim cabe à SEMMA, fazer cumprir as atribuições de sua competência em assuntos correlatos à questão ambiental, proteção do meio ambiente e uso dos recursos naturais, objetivando o desenvolvimento sustentável e a qualidade ambiental.
Por: Edmundo Baía Júnior
Fonte: RG 15/O Impacto

Um comentário em “Roque Leal: “Imposições da Semma podem acabar com o carnaval de rua”

  • 22 de janeiro de 2016 em 10:02
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    O Poder público não deve incentivar Carnaval, a troco de que? Sujar as ruas, bebedeiras, acidentes…

    Resposta

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