Votação sobre cassação de Eduardo Cunha é adiada na Câmara
O deputado Marcos Rogério (DEM-RO), relator do processo de cassação do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pediu nesta terça-feira (7) “mais tempo” para fazer as considerações finais de seu voto pela cassação do peemedebista e conseguiu adiar para esta quarta-feira (8) a decisão do Conselho de Ética sobre o caso.
O peemedebista é acusado, no processo por quebra de decoro parlamentar, de manter contas secretas no exterior e de ter mentido sobre a existência delas em depoimento à CPI da Petrobras no ano passado. Ele nega e afirma ser o beneficiário de fundos geridos por trustes (entidades jurídicas formadas para administrar bens e recursos).
O relatório de Marcos Rogério dizia que trustes e offshores foram usados pelo presidente afastado da Câmara para “ocultar” patrimônio mantido fora do país e para receber propina de contratos da Petrobras. No parecer, o deputado diz que Cunha constituiu trustes no exterior para viabilizar a “prática de crimes”.
Durante a sessão desta terça, o deputado João Carlos Bacelar (PR-BA) apresentou uma proposta de voto alternativo ao parecer de Marcos Rogério. Bacelar sugeriu que Eduardo Cunha seja punido com a suspensão do mandato por três meses.
Na prática, a proposta de Bacelar não tem qualquer eficácia em termos de sanção, já que Cunha está suspenso por tempo indeterminado do mandato por decisão do Supremo Tribunal Federal.
O voto alternativo só será considerado se o relatório de Marcos Rogério for rejeitado e se o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), indicar Bacelar para ser o relator do “voto vencedor”.
A discussão sobre o parecer de Rogério teve início às 9h37 e mais de 20 deputados discursaram. Após as falas dos parlamentares, o presidente do Conselho de Ética, deputado José Carlos Araújo (DEM-BA) deu a palavra a Marcos Rogério, para que fizesse as considerações finais.
Rogério, então, argumentou que, diante da “extensão” do voto em separado de Bacelar, precisaria de mais um dia para apresentar as últimas considerações. “Em se tratando de um voto da extensão do voto do deputado Bacelar eu não poderia fazer uma análise açodada. E eu me comprometeria a entregar minha complementação de voto nesta quarta-feira”, afirmou o relator.
O presidente do Conselho de Ética acolheu o pedido de imediato e encerrou a sessão. O deputado Carlos Marun (PMDB-MS), aliado de Cunha, chegou a protestar. “Nós não concordamos”, disse. Mas José Carlos Araújo ignorou e remarcou para esta quarta a votação do processo de Cunha.
Após a sessão, Marcos Rogério comentou a sua decisão de pedir mais tempo para analisar o voto em separado apresentado por um aliado de Cunha.
“Eu vou analisar, podendo concordar integralmente, em parte ou discordar totalmente, mas, quando há voto em separado ou sugestões, o Código de Ética dá prazo para o relator fazer essa análise”, justificou Marcos Rogério, acrescentando que tem um ponto no voto do deputado Bacelar que deve concordar, mas sem antecipar qual.
Quando deixava o plenário, Marcos Rogério passou por Carlos Marun, que o provocou: “O relator não tem confiança no seu voto”. O relator rebateu: “Eu respeito o voto do seu correligionário”.
Após deixar o plenário, Marun disse que pretende chegar cedo na reunião desta quarta para ser o primeiro suplente a marcar presença e, assim, garantir que, na ausência de um titular, consiga votar no lugar dele. “Amanhã estarei aqui mais uma vez tentando registrar presença, porque estou tão convicto do que estou defendendo que faço questão de votar”, afirmou.
Questionado se via uma manobra na estratégia do relator de adiar a votação, Marun foi irônico: “Sustento há muito tempo que o relatório não é esse primor que muitos defendem. Hoje, isso ficou comprovado com a dúvida que o deputado Marcos Rogerio tem em relação ao seu próprio relatório. A não ser que ele tenha mentido que tenha essa dúvida, coisa que eu não acredito que aconteceu”.
Deputada Tia Eron
A estratégia dos adversários do presidente afastado da Câmarax é usar esse tempo para convencer a deputada Tia Eron (PRB-BA), titular do Conselho de Ética, a votar ou evitar que um suplente favorável a Cunha vote. O voto dela é considerada voto decisivo, já que o placar no colegiado está apertado.
Tia Eron se ausentou durante toda reunião e quem votaria no lugar seria o deputado Carlos Marun, voto declarado em favor de Cunha. Na ausência de titular, quem vota é o suplente do mesmo bloco que primeiro registrar presença. Carlos Marun foi o primeiro a registrar presença nesta terça.
A ausência da deputada foi alvo de críticas durante a reunião de Conselho de Ética e parlamentares contrários a Cunha fizeram apelos para que ela comparecesse.“Isso é uma vergonha. O problema de julgar os pares é que ninguém tem vontade de fazê-lo. O problema é que é necessário. Somos homens públicos”, criticou o deputado Ivan Valente (PSOL-RJ).
O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) pressionou, em discurso no plenário do colegiado, pela presença de Tia Eron na sessão de votação. “Atenção, tia Eron. Esteja onde estiver nesse planeta ou em outro. O único voto que tenta fazer uma pálida defesa de Eduardo Cunha reconhece que ele mentiu”, disse.
O deputado Nelson Marchezan (PSDB-RS) também ironizou a ausência de Tia Eron na reunião. “A sensação aqui é que a deputada Tia Eron foi abduzida. Infelizmente a base do governo no Conselho de Ética está prestando um desserviço ao presidente Michel Temer ao não seguir com aquilo que é óbvio, que é cassar o mandato do deputado Eduardo Cunha por tudo aquilo que foi exposto. Lamento pelo povo brasileiro”, afirmou.
Discursos contra e a favor
Durante a sessão, deputados contrários e favoráveis à cassação de Cunha se revezaram em discursos sobre o processo por quebra de decoro parlamentar.
O deputado Nelson Marquezan Júnior (PSDB-RS) mencionou o pedido de prisão de Cunha feito pelo procurador-geral e cobrou que o Conselho de Ética desse uma “resposta” à sociedade cassando o peemedebista.
“O pedido de prisão tem uma simbologia muito especial para a sociedade brasileira. Dá uma ideia de oxigenação. Dá uma ideia de que as instituições estão cumprindo seu papel e tentando punir aqueles que historicamente representam o que a sociedade rejeita na política. Tudo o que a sociedade quer ver como símbolo de justiça, que é esses personagens da história da corrupção presos. É papel dessa casa responder ao regimento, ao Conselho de Ética, aos que colocaram cada um de nós aqui”, disse.
Deputados petistas também pediram a cassação. “Não tem como não aprovar esse relatório que pede a cassação. Hoje o procurador-geral pede a prisão. Eu já tenho dito que a Justiça brasileira tem dado muita colher de chá ao presidente Eduardo Cunha”, disse Zé Geraldo (PT-PA).
Já o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), um dos principais aliados de Cunha, argumentou que não foram encontradas contas no exterior que estejam em nome do presidente afastado.
“Em nenhum momento ele [Marcos Rogério] diz que o trust é uma conta. Marcos Rogério tenta desviar o obstáculo da inexistência de prova com uma situação que eu condeno. Ele revoga o princípio da presunção da inocência e cria o princípio da presunção da culpa”, argumentou Carlos Marun, ao defender a rejeição do parecer do relator.
O deputado Laerte Bessa (PR-DF) disse que não ficou comprovado que Cunha mentiu sobre as contas na Suíça e disse que o presidente afastado fez um “favor” ao país ao abrir processo de impeachment de Dilma Rousseff.
“Eduardo Cunha fez um grande favor ao povo brasileiro, que foi encaminhar o impeachment da maior estelionatária que o Brasil já teve. Não está comprovado que ele mentiu [sobre as contas na Suíça].”
Manobra na CCJ
Mesmo antes do resultado no Conselho de Ética, aliados de Cunha já atuam para evitar a perda do mandato no plenário da Câmara. Eles elaboraram uma consulta encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sobre os procedimentos de votação que visa impedir que o plenário decrete a perda do mandato do peemedebista.
Nesta segunda-feira (6), o deputado Arthur Lira (PP-AL), próximo a Cunha, apresentou parecer que pode salvar o presidente afastado da cassação. Ele defende que, no caso de processos disciplinares, o plenário vote um projeto de resolução e não o parecer do conselho.
A diferença é que, no primeiro caso, o projeto de resolução admite emendas, que podem alterar o seu conteúdo. No segundo caso, não. Lira também opinou que as emendas não poderão ser prejudiciais ao investigado.
Diante disso, na hipótese de chegar ao plenário um parecer desfavorável a Cunha, como ocorrerá caso o relatório de Marcos Rogério seja aprovado, aliados poderão tentar aprovar emendas alterando partes do seu conteúdo, como a punição. A estratégia é aprovar em plenário uma pena mais branda que a cassação do mandato.
Por outro lado, sendo levado ao plenário um relatório mais brando, adversários de Cunha não poderiam propor mudanças que o prejudicassem. O parecer de Lira deverá ser analisado pela CCJ na tarde desta terça.
Fonte: G1