Uepa tem a primeira aluna surda a defender tese de mestrado

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Pamela do Socorro Matos defendeu sua tese

Foi uma defesa de mestrado inédita na Universidade do Estado do Pará (Uepa). Gestos, sinais e expressões foram as ferramentas utilizadas pela mestranda Pamela do Socorro Matos, de 28 anos, primeira aluna surda a defender um mestrado no Pará. Em seu trabalho, ela explorou o universo da contação de história sem o uso da voz. Alunos e professores da Unidade de Ensino Especializado Professora Astério de Campos participaram da pesquisa, que problematizou aspectos da educação dos surdos no Pará.

Com o auxílio de uma intérprete, Pamela defendeu sua dissertação para a banca examinadora, formada pelo professor convidado Thomas Massao Fairchild, que leciona Língua Portuguesa na Universidade Federal do Pará (UFPA); a coordenadora do Mestrado em Educação, Ivanilde Apoluceno; a coordenadora do curso de Letras da Uepa, Socorro Cardoso; e o orientador da pesquisa, professor José de Anchieta.

Durante sua apresentação, Pamela usou principalmente a Língua Brasileira de Sinais (Libras), mas acrescentou também os gestos, um dos temas centrais da dissertação. A pesquisa traz um estudo mais específico sobre a linguagem utilizada pelo surdo ao narrar histórias. Surda desde os seis anos, Pamela percebeu que a Libras ainda é pouco difundida na comunidade surda, pois o acesso a ela ainda é limitado. “Eu só tive meu primeiro contato com a Libras aos 16 anos. Antes disso, utilizava uma comunicação baseada em gestos e mímica, que foi convencionada entre familiares e amigos. Porém, fora daquela comunidade, eu tinha muita dificuldade em me expressar”, contou.

A análise incluiu uma sessão de vídeo onde foi exibido um desenho animado. Após a sessão, Pamela pediu aos presentes que repetissem para ela a história do desenho e filmou as narrativas. Durante a avaliação dos vídeos, ela constatou que, até mesmo em pessoas com conhecimento de Libras, os gestos são parte fundamental – e dominante – da contação de história. Os gestos então foram classificados em grupos, criados por ela, para tentar entender melhor seu papel enquanto linguagem e suas possíveis aplicações na educação dos surdos. A falta de literatura científica sobre a comunicação dos surdos foi um dos percalços observados por ela.

A dissertação foi aprovada com louvor. “O trabalho é inédito não só pela temática, mas também pelas novas qualificações para a educação dos surdos. É uma dissertação que levanta diversos questionamentos, bem como novos caminhos de pesquisa”, resumiu Apoluceno. O professor Fairchild apontou outras questões que podem nortear a tese de doutorado da nova mestra. “Ela trouxe muitos insights interessantes sobre a comunicação das pessoas surdas. Ofereceu outro olhar, baseado na vivência dela. Fiquei bastante instigado”, avaliou.

A coordenadora do curso de Letras comentou o salto que a Uepa deu na questão da acessibilidade. “A Instituição vem trabalhando muito a inclusão. Quando a Pamela surgiu como candidata no mestrado, todos se mobilizaram para encarar esse desafio. Não foi fácil, mas tivemos um aprendizado mútuo. O sucesso dela é uma conquista importante para todos”, disse Cardoso. O orientador também não escondia o orgulho. “A capacidade descritiva dela é impressionante. Orientar a Pamela foi uma experiência fantástica e um aprendizado para mim. Mostra que o nosso Mestrado é aberto e queremos receber mais alunos com deficiência”, convidou Anchieta. Atualmente, há também uma aluna cega cursando o Mestrado em Educação.

Após o anúncio da nota de Pamela pela banca, a mãe dela, Celina Matos, fez questão de agradecer aos professores e aos muitos amigos e familiares presentes. “Assistindo a defesa do trabalho, passou um filme na minha cabeça. Lembrei-me de quando ela recebeu o diagnóstico de surdez, achei que era o fim. Mas recebemos muito apoio na escola que ela estudava. Ela prosseguiu nos estudos e hoje chegou aqui. Um título de mestre. Ela é a caçula de quatro irmãos, nenhum dos outros chegou tão longe. É muito orgulho para mim, que não tive estudo e sempre priorizei a educação dos meus filhos”, contou.

Pamela lembrou que o caminho até o mestrado não foi nada fácil. “Mas a dificuldade é boa, pois ela te motiva, te tira da zona de conforto e te faz descobrir que é possível ir mais longe. Acho que hoje sou uma referência para os surdos. Temos uma linguagem e uma cultura diferentes das dos ouvintes, mas somos capazes. O surdo precisa ser mais valorizado. Se não fosse surda, me pergunto se estaria aqui hoje”, disse ela, que já mostrou interesse em aprofundar sua dissertação em uma futura tese de doutorado. Pamela é a segunda paraense surda a receber o título. Uma professora da UFPA defendeu em 2015 seu mestrado na França.

Fonte: Agência Pará

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