Ministra Cármen Lúcia diz que foro privilegiado não pode ficar como está
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, disse nesta sexta-feira que “já passou da hora” de se discutir o foro privilegiado de políticos. Ao participar do evento “E agora, Brasil?”, promovido pelo GLOBO em parceria com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), a ministra afirmou que o tema já era um assunto que se discutia quando ela ainda estava na faculdade.
– Não é que chegou a hora (de discutir o foro privilegiado). Esse era um assunto que, quando eu era aluna na faculdade, a gente já discutia. É preciso que se saiba o que fazer e como fazer. Tem que ser discutido, não pode ficar como está. Isso (o foro) quebra a igualdade em alguns casos de maneira flagrante – afirmou a ministra.
Antes do evento, Cármen Lúcia comentou sobre o recebimento da lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que, com base nas delações de executivos da Odebrecht, encaminhou o pedido de abertura de 83 inquéritos no STF. Embora ela diga que não teve acesso à quantidade de solicitação de investigações, a ministra disse que “é, sim, um número grande”:
– Ainda não sabemos, estamos ainda autuando, para saber qual é o número exato de novos processos que ficarão no Supremo, porque há pedido também de encaminhamento para outras instâncias. É sim um número grande, considerando que o número de inquéritos e ações penais no Supremo, se eu tomar a totalidade dos processos que lá estão, é menor do que a média (em outros tribunais). Até porque a função principal do Supremo não é esta, é de fazer controle de constitucionalidade, de julgar casos de matéria constitucional. Essa é uma matéria que só chega ao Supremo por causa do chamado foro especial ou privilegiado. Quanto a isso nós vamos também ter que refazer as instâncias administrativas do Supremo para dar a rapidez que a sociedade espera e vamos fazer isso.
‘NÃO ESTAMOS SATISFEITOS’
Ainda em entrevista a jornalistas antes do evento, ministra pontuou que todo o escândalo da Lava-Jato pode levar a um processo de transformação da sociedade. Nesta quarta-feira, a operação completa três anos.
– Todas as vezes em que há uma crise no sentido da instabilidade das instituições como vinham funcionando para uma modificação é sempre uma oportunidade muito grande de a sociedade tomar ciência de que o Estado é ele, Brasil, não é o servidor público, o agente público – afirmou a ministra. – Se não houver manifestação, há um certo comodismo por parte das instituições, especialmente nas instâncias burocráticas. Então, eu acredito que vai haver uma possibilidade de transformação a partir de uma experiência penosa, traumática, difícil, ruim para todo mundo. O brasileiro não está feliz, acho que nenhum ser humanos consciente, responsável no mundo está. Sou servidora pública no Brasil, cidadã brasileira, nós não estamos satisfeitos. Não é apenas o cidadão que é não servidor, que não é juiz, que não está satisfeito. Eu também não estou. Eu queria que tivesse um judiciário tão rápido que a pessoa tivesse a plena satisfação.
CAIXA DOIS
A presidente do STF foi questionada pelos jornalistas sobre a possibilidade de anistia ao caixa dois por parte do Congresso Nacional:
– Não existe essa história de caixa um, ou caixa dois, ou caixa três. Se vier de dinheiro ilícito, constitui-se em ilícitos previstos na legislação penal. E tudo que for ilícito e crime tem que ser apurado e punido.
Ela comentou ainda sobre a possibilidade de o STF atuar caso a anistia ao caixa dois passe no Congresso Nacional:
– Eu espero que todo mundo tenha prudência para saber que, num Estado de direito, o direito é para ser respeitado. E não acho que alguém hoje desconheça a necessidade de, depois de tanta luta para chegarmos a um Estado democrático de direito, como foi no Brasil, quase 30 anos depois de uma Constituição em vigor, com uma legislação penal e eleitoral posta de maneira clara, queira tergiversar e simplesmente se escusar de cumprir aquilo que for apurado e considerado ilícito. Até porque o direito existe para que a sociedade viva em paz. Todo mundo cumprindo e respondendo por aquilo que foi feito errado. Se houver algum tipo de tentativa nesse sentido, o Poder Judiciário vai ter de atuar.