Dilma diz que acusações são ‘virtuais’ e que não sabia que Cunha era ‘corrupto’ e Temer ‘fraco’
No encontro com a BBC Brasil na última quarta-feira, 360 dias depois da Câmara dos Deputados aprovar o processo que levou a seu impeachment, Dilma se referia às acusações de Marcelo Odebrecht na operação Lava Jato, usadas no fim do mês passado como argumento para o pedido de cassação de sua chapa de 2014, junto ao agora presidente Michel Temer.
Se a chapa for cassada, em julgamento ainda sem previsão para ocorrer, tanto Dilma quanto Temer podem perder seus direitos políticos.
“Esses milhões (em caixa 2) só estão na virtualidade da fala do Dr. Marcelo Odebrecht, não estão em nenhuma realidade”, diz. “É uma acusação muito característica das que fazem a mim. Que tipo de acusação?”, ela mesma pergunta. E se responde: “Ah, ela sabia.”
Na manhã do dia seguinte à divulgação da chamada “lista de Fachin”, que ordenou investigações contra oito ministros, 63 congressistas e três governadores citados nas delações da Odebrecht, a ex-presidente se recusa a comentar os pedidos de abertura de novos inquéritos envolvendo seu nome (ao lado dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva).
“Eu me nego a comentar qualquer coisa, sobre qualquer pessoa que foi mencionada na lista, porque não acho correto. Não vou compactuar com o fórum de julgamento da imprensa antes de o julgamento ser realizado.”
Durante a entrevista, que alterna momentos de irritação e sorrisos, a reportagem consegue completar apenas 14 de 29 tentativas de perguntas a Dilma.
Após quase uma hora, depois de afirmar que não sabia que Eduardo Cunha era corrupto e declarar, sobre o aborto, que “não é papel da Presidência discutir propostas do movimento de mulheres”, Dilma faz nova interrupção e uma referência, bem-humorada, ao juiz Sergio Moro, que dera entrevista à BBC Brasil dois dias antes.
Na ocasião, passados cinco minutos, Moro disse que a reportagem teria “só mais uma pergunta, depois encerra”.
“Agora eu não estou dando uma de nenhum juiz que você entrevistou”, diz. “Eu quero que você encerre, porque eu estou aqui há uma hora já.”
‘Acusações virtuais’
Segundo a imprensa nacional, o Ministério Público Eleitoral acusa a campanha de Dilma por suposto recebimento de R$ 112 milhões da Odebrecht – R$ 45 milhões em caixa 2, R$ 17 milhões em “caixa 3” e R$ 50 milhões em propina.
À BBC Brasil, Dilma nega irregularidades. “Você tem hoje uma acusação virtual, dizendo que tinha uma conta corrente virtual, conta corrente virtual essa que, por todos os dados que ele (Marcelo Odebrecht) mesmo diz, incluindo os registros formais, vamos dizer, no TSE, não se verificam”, afirma.
Dilma continua: “Em que pese que há pessoas avaliando que receber dinheiro em contas secretas, na Suíça, não é tão grave, quero dizer o seguinte: nunca recebi contas no exterior, não tem um único delator que possa dizer que me deu qualquer quantia, de que forma seja. Não recebi por meio de parente, por meio de terceiras pessoas. A acusação contra mim sempre vai ser: ‘Ah, ela sabia’. Por que sabia? ‘Por que tinha que saber’.”
No último dia 4, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) suspendeu o julgamento que pede a cassação da chapa presidencial eleita em 2014, formada por Dilma Rousseff e Michel Temer.
O tribunal decidiu por unanimidade reabrir a fase de produção de provas para ouvir novas testemunhas. Com isso, o processo pode levar semanas para ser retomado.
O ministro relator do caso, Herman Benjamin, concordou com a decisão, embora antes tenha negado pedidos semelhantes da defesa de Dilma.
“Eu quero muito ver essa acusação. Quero ver porque vou desconstitui-la”, diz. “Acho que os mecanismos pelos quais a Odebrecht faz a delação, principalmente o senhor Marcelo, têm por objetivo montar a sua defesa, o que é absolutamente normal, a pessoa não tem que se incriminar”, diz a ex-presidente.
Lista de Fachin
A reportagem tenta perguntar sobre a menção a Dilma na lista do ministro Fachin, do Supremo Tribunal Federal.
Dilma aparece em dois pedidos de abertura de inquéritos encaminhados pelo STF a tribunais de primeira e segunda instância.
Nem ela, nem Lula (com cinco inquéritos), nem FHC (com um) têm foro privilegiado, o que significa que terão seus casos avaliados pela Justiça comum.
Os objetos de investigação contra os ex-presidentes não foram divulgados.
BBC Brasil : “Ontem, a lista do…”
Dilma Rousseff : “Eu não falo sobre o que foi dito ontem, eu não sei. A hora em que eu chegar lá e ler tudo, eu te digo. Antes disso eu não falo, não.”
BBC Brasil : “O nome da senhora apareceu na lista do STF, ao lado de FHC…”
Dilma Rousseff : “Querido, você está absolutamente equivocado. Meu nome, nem o do FHC, nem o do Lula apareceu ontem na lista porque nós não temos foro privilegiado.”
BBC Brasil : “Eu ia completar a minha pergunta…”, responde a reportagem.
Dilma Rousseff : “Mas não apareceu ainda”, replica Dilma, criticando que classifica como “assassinato de reputações” promovido pela imprensa antes de julgamentos na Justiça.
Para a ex-presidente, a imprensa tenta se colocar no lugar de tribunais ao expor conteúdos sigilosos obtidos por meio de fontes e vazamentos. Ela afirma que veículos de comunicação seriam irresponsáveis ao divulgar informações que, posteriormente, podem não ser confirmadas.
“A mídia não é instância de julgamento quando se trata de crime. Não é possível. A mídia pode até relatar. Agora, eu não concordo em comentar isso mesmo que seja de adversários políticos meus”, afirma a ex-presidente, questionada se a presença de políticos como o senador Aécio Neves e o chanceler Aloysio Nunes Ferreira, ambos do PSDB, não enfraquece seu discurso de seletividade da Lava Jato.
No Senado, 6 dos 11 parlamentares tucanos apareceram na lista, incluindo o também ex-candidato à presidência José Serra.
Dilma se nega a comentar o destino dos rivais políticos.
“Eu sou contra o ‘vazamento seletivo’, mas também sou contra o ‘vazamento'”, diz.
Protocolo e aborto
Em uma turnê de palestras pelo mundo, que incluiu paradas em países como Argentina, Uruguai, Suíça e pelo menos cinco universidades americanas, Dilma se apresenta como uma política de esquerda, dedicada a evitar que o “neoliberalismo voltasse a reger a economia”.
A reportagem pergunta se Dilma sente que seu discurso está mais à esquerda desde que saiu do poder – a própria CUT (Central Única dos Trabalhadores), ligada historicamente ao PT, criticava medidas de austeridade em seu governo.
“Eu não”, responde Dilma. “Essa sensação se deve ao fato de hoje eu não ter as restrições que um presidente tem que ter protocolarmente.”
Ela conta que prefere manter algumas das limitações, como dar opiniões sobre chefes de Estado.
Afirma que “um presidente nem sempre defende só as suas crenças”, e diz que foi obrigada, “em alguns momentos, a defender posições que impliquem na melhor situação possível para a população”.
A BBC Brasil pergunta se esse é o caso, por exemplo, do aborto. Em 2014, seu governo recuou após pressões da bancada evangélica e revogou uma portaria que regulava procedimentos a serem tomados pelo Serviço Único de Saúde (SUS) em casos de aborto legal.
“Acho que um presidente não pode interferir no Brasil em certas questões. Não acho que a questão do aborto seja uma questão de política presidencial. Acho que se o movimento de mulheres conquistar e galvanizar um conjunto de pessoas, o presidente pode manifestar-se a respeito. Porque também isso é uma transferência de reivindicações do movimento para a presidência da República. Não é papel da presidência da República discutir propostas do movimento de mulheres”, diz.
Ela prossegue, sete anos após se declarar contrária ao aborto nas eleições de 2010. “Pessoalmente, eu sou a favor do direito das mulheres decidirem sobre seus corpos. Agora, como presidente da República, isso não tem cabimento.”
Eduardo Cunha e Michel Temer
A entrevista é realizada na sala do apartamento de um professor da universidade de Brown, onde Dilma discursara dois dias antes. Durante a conversa, seus assessores articulavam um encontro entre a ex-presidente e Bernie Sanders, socialista americano que perdeu as prévias da corrida eleitoral pelo partido Democrata para Hillary Clinton, mais tarde derrotada por Donald Trump.
À reportagem, a ex-presidente afirma que não sabia que Eduardo Cunha – seu aliado nas eleições de 2010 e 2014, antes se tornar pivô do impeachment – era corrupto, até o Ministério Público acusá-lo de desvios e de possuir contas no exterior.
“Eduardo Cunha se transformou na pessoa que a senhora descreve apenas quando ele rompeu com a senhora?”, pergunta a BBC Brasil.
Hoje, Dilma costuma se referir a Cunha como “gângster”, “golpista” e “conspirador”.
“Ele já era assim. O fato de tirar foto com ele não significa que eu endosso ele, não. Não sei qual era o nível de apoio que ele me dava. A relação dele comigo sempre foi, eu te diria, distante, não foi próxima. Isso é público e notório”, diz.
A reportagem insiste: “Em que momento Cunha se tornou um problema? Só quando ele rompeu com a senhora? Ele já não era corrupto?”.
“Isso eu não sei, pô”, responde Dilma.
“Eu sei que o Eduardo Cunha é corrupto porque o MP publicou a ficha dele. Ninguém achava que ele tinha tantas contas na Suíça. Ninguém achava isso. Até porque o MP teve dificuldade de abrir as contas, né?”
Ainda sobre ex-aliados políticos, a BBC Brasil também pergunta por que ter um “fraco” – como Dilma tem se referido publicamente ao antigo companheiro de chapa Michel Temer – como vice.
“Porque você vai descobrindo que a pessoa é fraca ao longo da vida”, responde, afirmando que a escolha foi feita pelo PMDB, membro da então coligação petista, e não por ela.
Fonte: BBC Brasil