Escritor santareno lança livro sobre Belterra
O Instituto Cultural Boanerges Sena (ICBS) fará o lançamento do livro “Choro por ti, Belterra!”, de autoria do escritor e jornalista santareno Nicodemos Sena, em evento que acontecerá na quarta-feira (26), às 20h00, na sede do ICBS, localizado na Travessa 15 de Agosto, 1248, Santarém-Pará (entre Av. Borges Leal e Av. Álvaro Adolfo), com entrada franca.
A OBRA: Em 19 episódios, Nicodemos Sena reconstitui o dia em que fez a viagem de retorno às origens, em companhia de seu pai, depois de um percurso de algumas horas pela rodovia Santarém-Cuiabá, até entrar numa estradinha de terra que leva à Estrada Um e, enfim, às ruínas da cidadezinha de Belterra, que na década de 1940 fora dirigida pela Ford Motor Company, empresa do magnata norte-americano Henry Ford (1863-1947), que, em plena Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tentaria fazer da extração da borracha uma atividade lucrativa, fornecendo os pneumáticos necessários para movimentar os veículos militares.
Não se pode dizer que se trata de um romance nem tampouco de um conto que se tenha derramado por causa de uma prosa poética. Não é também uma simples reportagem, pois não constitui a mera literalização dos acontecimentos de um dia na estrada. Neste caso, cada encontro no caminho com esporádicos moradores perdidos naquelas paragens do Brasil profundo serve como motivo para um ou mais comentários, como aquele episódio em que o cronista se depara, em meio ao tórrido calor do meio-dia amazônico, dentro de um casebre em que não havia água encanada e muito menos tratada, com uma menina que não parava de manipular a tela de um telefone celular.
É, isso sim, um texto híbrido que se assume como uma crônica repassada de lirismo, uma narração das vicissitudes vividas pelo narrador em companhia do pai, que faz, com a ajuda do filho, uma viagem de retorno à infância para reencontrar todos os fantasmas que ainda assolam seus pensamentos.
Ou ainda uma narrativa poética que, ao reunir musicalidade e metaforização, faz com que o narrador desfie o novelo da memória, em tom de conversa com o leitor em que não dispensa nem mesmo citações de autores, como o português Fernando Pessoa (1888-1935), o colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), o mexicano Juan Rulfo (1917-1986) e o norte-americano William Faulkner (1897-1962). Como se sabe, o que une esses autores de nacionalidades tão distintas é a construção metafórica de um lugar mítico, que existe só na alma do próprio autor, como “o rio da minha aldeia” do heterônimo pessoano Alberto Caeiro.
Em resumo, o texto dialoga com o mito do eterno retorno, ao praticar a intertextualidade com discursos canônicos, reconstruindo, dessa forma, metáforas da precária condição humana.
Autor de livros que já se tornaram referências obrigatórias dentro da Literatura Brasileira, como os romances A Espera do Nunca Mais (1999), A Noite é dos Pássaros (2003) e A Mulher, o Homem e o Cão (2009), trilogia que constitui uma saga amazônica, Nicodemos Sena mostra em Choro por ti, Belterra!que pode ser também considerado um cronista da estirpe de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Rubem Braga (1913-1990) ou Fernando Sabino (1923-2004).
A diferença é que, em vez da fugacidade dos registros do cotidiano das ruas do Rio de Janeiro que se leem nas crônicas daqueles grandes mestres, o que o leitor descobrirá nestes episódios é não só a Amazônia que é vista ainda como exuberante paraíso tropical, mas também aquela que governantes corruptos permitiram que continuasse a ser destruída, tomada por aventureiros “gananciosos e cruéis, os quais, sem escrúpulos, saqueiam e depredam os bens da terra, auxiliados por ‘mucamas’ e ‘mordomos’ (degenerados filhos da terra) que, a troco de migalhas e posições, passaram-se para o lado dos inimigos”. (Texto das orelhas do livro, de autoria de Adelto Gonçalves, escritor, jornalista, doutor em Literatura Portuguesa pela USP-Universidade de São Paulo)
O AUTOR: Nicodemos (Neves) Sena nasceu no município de Santarém, em 08.07.1958, e passou a infância entre índios e caboclos do Rio Maró, região de fronteira entre os estados do Pará e Amazonas (Amazônia brasileira), experiência que marcaria para sempre a sensibilidade do escritor identificado com a terra e os povos da Amazônia. Em 1977, vem para São Paulo e aí se forma em jornalismo, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), e em direito, pela Universidade de São Paulo (USP).
Repórter e redator em órgãos da imprensa de São Paulo, retorna ao Pará, em 2000, assumindo o posto de diretor de redação de “A Província do Pará”.
Faz a sua estreia literária em 1999, com o romance A Espera do Nunca Mais, uma saga amazônica de 876 páginas.
No Pará, proclamou o historiador, folclorista e crítico Vicente Salles:
“Com A Espera do Nunca Mais, pela primeira vez temos, na ficção, o caboclo como agente da história, o índio que se destribalizou, que vive entre dois universos que se opõem e se excluem.” (“O caboclo como agente da história”. A PROVÍNCIA DO PARÁ, Belém, PA, 15 mar. 2000)
No Rio de Janeiro, escreveu a poeta e crítica Olga Savary: “É uma alegria quando nos deparamos com um livro como A Espera do Nunca Mais, esta extraordinária saga amazônica, narrada com sedução, seriedade, poesia. Forma e estilo são impecáveis nessa estreia, que nem estreia parece, de tão madura. Uma lição de literatura e de brasilidade.” (“Amazonense faz boa ficção com ‘anos de chumbo’ e choques entre culturas”. O GLOBO, Caderno Prosa & Verso, Rio de Janeiro, RJ, 3 mar.2001)
Em São Paulo, escreveu o jornalista, professor e crítico Oscar D’Ambrosio: “A Espera do Nunca Mais desafia e devora o leitor desde o início. Feito sucuriju, abre sua bocarra e obriga a penetrar num universo denso. Não adianta resistir. Uma vez dentro da boca deste livro-serpente, o destino é conhecer os seus interstícios plenos de um fazer artístico solidamente urdido, elaborado com mãos de mestre.” (“Uma extensa e densa aula de Amazônia”. JORNAL DA TARDE, Caderno de Sábado, São Paulo, SP, 20 maio 2000)
Em 2000, A Espera do Nunca Mais conquista o Prêmio Lima Barreto/Brasil 500 Anos, da União Brasileira de Escritores (UBE/Rio de Janeiro), ocasião em que conhece pessoalmente o escritor e crítico Antonio Olinto, da Academia Brasileira de Letras, que sobre A Espera do Nunca Mais escreveu:
“Eis um romance que invade a literatura brasileira com a força de um fenômeno da natureza. Trata-se de uma saga amazônica chamada A Espera do Nunca Mais. Seu autor, Nicodemos Sena, tem o domínio da narrativa de ação e o talento de criar gente. Seus personagens representam a Amazônia com sua largueza e sua mistura, caboclo e floresta unidos num ecossistema geográfico-humano que retrata a nossa mais desconhecidamente forte região em que o Brasil se firma e se revela. É romance que deve ser lido. Nele, realidade e lenda se juntam com naturalidade. As palavras formam um estilo ínsito à grandeza das paisagens que descreve.” (JORNAL DE LETRAS, Rio de Janeiro, RJ, jan. 2001)
Em 2002, Nicodemos Sena aparece no Dossier Amazónico publicado na revista literária portuguesa “Construções Portuárias” (nº01), no qual foi incluído um trecho do inédito A Noite é dos Pássaros, ao lado de importantes escritores da Amazônia, entre os quais Haroldo Maranhão, Max Martins, João de Jesus Paes Loureiro, Vicente Franz Cecim, Age de Carvalho, Jorge Henrique Bastos, Antônio Moura, Paulo Plínio Abreu, Benedicto Monteiro, Rosângela Darwich e Benedito Nunes.
De 3 de abril a 31 de julho de 2003, A Noite é dos Pássaros é publicado em forma de folhetim, em dezoito episódios semanais, no jornal “O Estado do Tapajós” (Santarém do Pará) e na revista eletrônica portuguesa “TriploV”. Ainda em 2003,A Noite é dos Pássarosé publicado em formato livro (Ed. Cejup). No mesmo ano, fragmento de A Noite é dos Pássaros é publicado nas revistas “Palavra em Mutaçãonº02” e “Storm-Magazine”, ambas de Portugal.
Ainda em 2003, A Noite é dos Pássaros conquista o prêmio Lúcio Cardoso, da Academia Mineira de Letras, e, em 2004, Menção Honrosa no prêmio José Lins do Rego, da União Brasileira de Escritores (UBE/Rio de Janeiro).
Nicodemos Sena é nome reconhecido dentro e fora da Amazônia, tornando-se verbete na “Enciclopédia de Literatura Brasileira”, direção de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa (edição conjunta da Global Editora, Fundação Biblioteca Nacional, DNL, Academia Brasileira de Letras, 2ª edição, 2001). Carlos Nejar, da Academia Brasileira de Letras, incluiu Nicodemos Sena em sua História da Literatura Brasileira — da Carta de Caminha aos Contemporâneos, entre os “grandes nomes na ficção surgidos no Brasil após a década de 1970” (Cap. 35, pág. 900, Fundação Biblioteca Nacional, RJ).
Nicodemos Sena é um dos 81 escritores analisados pela professora Nelly Novaes Coelho, titular de Literatura da Universidade de São Paulo (USP), no livro Escritores brasileiros do século XX — um testamento crítico (LetraSelvagem, SP, 2013).
Pelo estilo vigoroso e temática inspirada na vida das populações marginalizadas da Amazônia (indígenas e caboclos), Nicodemos Sena já foi comparado a grandes ficcionistas brasileiros, como Graciliano Ramos, João Ubaldo Ribeiro, Mário de Andrade e Érico Veríssimo, e a importantes ficcionistas latino-americanos, como o paraguaio Augusto Roa Bastos e o peruano José MaríaArguedas.
O terceiro romance de Nicodemos Sena, A Mulher, o Homem e o Cão (2009), foi incluído entre as “78 DICAS” do Guia da FOLHA, suplemento cultural do jornal “Folha de São Paulo” (29.05.2009).
Tendo nascido na Amazônia, região “periférica” em relação aos centros nervosos do capitalismo globalizado (Estados Unidos da América, Europa e, em termos de Brasil, o Sul-Sudeste do país), conviveu desde cedo com as injustiças praticadas pelas oligarquias locais contra indígenas e caboclos, do que resultou um sentimento de revolta, inicialmente vago e finalmente insuportável, que o compeliu a lançar-se contra os “homens injustos” e o Deus que parecia não se compadecer do sofrimento dos pobres.
Na cosmopolita e conflagrada São Paulo, em seu primeiro emprego na indústria têxtil no bairro do Ipiranga, conheceu gente desenraizada e “fora do lugar” como ele, fugitiva da seca do Nordeste ou da polícia, mas disposta a trabalhar e perseguir os seus ideais. No cortiço onde se recolhia após o trabalho diário e a escola noturna, conheceu “seres da noite” semelhantes aos que, mais tarde, povoariam os seus romances. Seres que se movem nas sombras (na selva amazônica ou na “selva” de asfalto) e não deixam rastro; variada e difusa fauna humana de mamelucos, cafuzos e brancos pobres, que, premidos pela necessidade e circunstâncias, veem-se convertidos em ladrões, prostitutas e, entre estes, um ou outro operário que não desiste de sonhar com o “futuro”.
Com tal bagagem existencial, filosófica e humana, extraída da Vida, e mais a vontade indomável de se elevar por meio do conhecimento e dos livros, Nicodemos Sena logrou entrar, em 1979, para o curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde, municiado pela literatura marxista-leninista, engaja-se no movimento estudantil e dos trabalhadores contra a miséria e a opressão impostas pelo grande capital em sua forma mais atroz (a ditadura militar implantada em 1964).
Em 1981/1982, participa da campanha de criação do Partido dos Trabalhadores (PT). Em 1993, ao resolver levar a sério sua vocação de escritor, desliga-se do PT e passa a defender uma literatura “universal, sim, compreensível a todos os homens do mundo, mas que não renegue as marcas da cultura brasileira”, como afirmou numa entrevista.
Como diretor da União Brasileira de Escritores (UBE/SP) participa, em 2011, da organização do Congresso Brasileiro de Escritores realizado em Ribeirão Preto (SP).
Fonte: RG 15/O Impacto e ICBS
Henri Ford resolveu cultivar seringa em Fordlândia, 1930, devido a dependência de suas fábricas de carros para os pneus fornecidos pelos ingleses, que possuiam plantações de seringa na Malásia, originadas de bio-pirataria de sementes levadas da região de Santarém para serem cultivadas no jardim botânico de Londres.A necessidade de borracha para a 2ª Guerra Mundial é outra história, envolve os “Soldados da Borracha”, esforço do governo brasileiro pra suprir as necessidades dos aliados, uma vez que tropas japonesas haviam ocupado a Malásia,cortando o suprimento de borracha oriunda daquele país !