MPF questiona órgão do Ministério da Saúde sobre atendimento à saúde indígena em Oriximiná
Pacientes e acompanhantes têm que improvisar barracos que oferecem proteção precária e uma série de riscos à saúde e à vida.
O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou ofício ao Distrito Sanitário Especial Indígena Guamá-Tocantins (Dsei GuaToc), uma das unidades gestoras descentralizadas do subsistema de atenção à saúde indígena do Ministério da Saúde, para solicitar manifestação do Dsei sobre uma série de precariedades detectadas pelo MPF na Casa de Saúde Indígena (Casai) e no Polo Base de atendimento à saúde indígena em Oriximiná, no noroeste do Pará.
O ofício foi encaminhado nesta segunda-feira, 11 de setembro, e aponta irregularidades encontradas pelo MPF no final de julho em inspeção que avaliou a infraestrutura dos imóveis e itens e serviços disponíveis.
O MPF encontrou falhas graves na infraestrutura dos prédios, no serviço nas aldeias, insuficiência das equipes de atendimento, riscos de atraso na execução do plano distrital de saúde indígena, entre outros pontos críticos.
Infraestrutura dos prédios – Há superlotação da área da Casai destinada a abrigar pacientes e acompanhantes, o que leva os indígenas a terem que improvisar acomodações em estruturas em lona. Doentes, gestantes e acompanhantes são obrigados a permanecer em ambientes altamente nocivos à saúde, sob chuvas e altas temperaturas, rodeados por carotes de gasolina, com risco de explosão, e sem qualquer iluminação durante a noite. Não há bebedouros: os pacientes e acompanhantes bebem água diretamente de um poço.
No Polo Base, a inspeção verificou presença de morcegos e mofo próximos à farmácia onde são armazenados os medicamentos, assim como uma fossa com vazamento a céu aberto.
Além de urgência na construção do novo prédio, o MPF cobra um plano de obras adequado, que garanta o bem-estar dos usuários e acompanhantes enquanto os novos prédios são construídos, e que o projeto de engenharia seja elaborado com participação dos indígenas atendidos, para que as novas construções respeitem suas formas de organização social e familiar.
Nova opção só no papel – O procurador da República Camões Boaventura e o assessor jurídico Rodrigo Oliveira, que fizeram a vistoria, alertam que, apesar de o plano distrital de saúde indígena 2016-2019 prever a construção de uma nova sede para a Casai e Polo Base, esse projeto pode não sair do papel.
“Até o momento (fins de 2017) não houve licitação, não há projeto básico, nem sequer um calendário do processo e das obras, desconsiderando a urgência da situação. Sendo assim, se não houver uma intervenção, as obras sofrerão um enorme atraso e não serão finalizadas até o final de 2019, fato que continuará agravando o atendimento de saúde aos indígenas”.
Recursos humanos – Sobre os recursos humanos disponíveis para o atendimento a indígenas, a situação mais grave, segundo o MPF e indígenas e funcionários entrevistados pelo MPF, é a ausência de enfermeiro plantonista durante o período noturno.
O único atendente à noite é um técnico de enfermagem que só tem a possibilidade de acompanhar os doentes até o hospital municipal. Caso uma outra emergência surja durante essa saída do técnico, essa eventual segunda emergência fica sem atendimento, e a administração de medicamentos também fica descoberta.
Também foi detectada a necessidade de contratação de tradutor que trabalhe no período noturno. Do modo como está atualmente, as mulheres indígenas que não são fluentes em português dependem de que um indígena (geralmente homem) se disponha a realizar a tradução simultânea, para conseguirem se comunicar com a administração e equipe de saúde.
A administração da unidade apontou, ainda, a necessidade de contratação de funcionário de serviços gerais para cobrir o período noturno.
Serviço nas aldeias – O Polo Base e a Casa de Saúde Indígena de Oriximiná prestam atendimento a cerca de 2,4 mil indígenas que ocupam vinte e uma aldeias distribuídas entre os rios Mapuera, Cachorro e Trombetas, localizados no interior das Terras Indígenas Trombetas-Mapuera, Nhamundá-Mapuera e Katxuyana-Tunayana, além de os indígenas que vivem na centro urbano de Oriximiná.
São atendidas as seguintes etnias: Wai Wai, Tiriyó, Katxuyana, Tunayana, Kahyana, Katuena, Mawayana, Tikiyana, Xereu, Hixkaryana, Katuena, Aparai e Wayana.
Com cerca de 1,2 mil indígenas, a aldeia Mapuera possui um posto de saúde improvisado, e é a única das aldeias atendidas que possui equipe de saúde fixa, durante todo o mês. O plano distrital de saúde indígena 2016-2019 prevê a construção de um posto de saúde com maior estrutura no local.
As outras 23 aldeias são atendidas por equipes temporárias, e indígenas denunciam que muitas vezes o tempo de permanência das equipes nessas aldeias é insuficiente para a realização de atendimentos efetivos. A administração do Polo Base estima ser necessária a contratação de mais quatro enfermeiros, nove técnicos em enfermagem e dois odontólogos para atender satisfatoriamente todas as aldeias.
Nove aldeias não contam com agente indígena de saúde. Nessas áreas não há quem administre e regule os medicamentos, que ficam à livre disposição dos indígenas. A administração do Polo Base informou à equipe do MPF que já requisitou ao Dsei contratações de novos agentes.
Pelo fato de a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde restringir os medicamentos disponíveis nas aldeias a medicamentos para atenção básica à saúde, não são fornecidos medicamentos simples de urgência e emergência. A existência desses itens poderia evitar o deslocamento de indígenas para a cidade.
Também faltam embarcações oficiais para transportar pacientes, e o transporte aéreo é proibido depois das 15 horas. A impossibilidade do transporte por embarcações a motor ou por transporte aéreo noturno podem ter contribuído para o agravamento ou o falecimento de doentes, relataram os indígenas.
Outro agravante é a falta de um sistema de comunicação que funcione em todas as aldeias. Nem todas as aldeias têm rádio, e estão quebrados todos os telefones da aldeia Mapuera, que contava com esses aparelhos.
Atendimento às gestantes – Segundo informações apresentadas à equipe do MPF por funcionários e indígenas entrevistados, não é feito nenhum parto nas aldeias. Todos os partos são realizados exclusivamente na cidade de Oriximiná, na maternidade São Domingos Sá.
Os indígenas querem que o parto seja feito no hospital, e gestante entrevistada declarou que estava na Casai porque tinha medo de parir na aldeia.
O procurador da República Camões Boaventura destaca que por mais de uma vez questionou gestantes, lactantes e acompanhantes, se, caso houvesse preparo das equipes e/ou resgate das práticas tradicionais de parto, eles se sentiram à vontade para parir na aldeia. As respostas foram unânimes de que sim, relata o membro do MPF.
Além da deterioração dos papéis tradicionais das parteiras, a prática de realizar os partos fora das aldeias tem provocado a superlotação da Casai e mantido famílias inteiras – a gestante e acompanhantes – por longos períodos na cidade, distante das suas moradias. Esses períodos chegam a durar até oito meses, em decorrência do pré-natal e do parto.
Fonte: MPF