Licitação do Governo para o aluguel de veículos tem fortes indícios de ilegalidades

Jatene realizou uma licitação que lhe permitirá torrar, nos próximos 12 meses, até R$ 1 milhão por dia com aluguel de viaturas.

Há fortes indícios de que 5 das 9 das empresas que venceram a licitação para o aluguel de viaturas ao Sistema de Segurança Pública do Pará pertencem aos mesmos grupos econômicos de outras empresas que também participaram do certame. Além de serem de parentes diretos de concorrentes, essas 5 empresas, às vezes, até dividem com eles os mesmos endereços e possuem os mesmos diretores e representantes.

O edital licitatório proibiu a participação de “entidades empresariais que representem mais de uma empresa licitante ou que estejam reunidas em consórcio, sejam controladoras, coligadas ou subsidiárias entre si”. Além disso, todas as empresas que participaram da licitação assinaram um documento afirmando que a proposta de preço que apresentaram não era do conhecimento de qualquer concorrente. Outras duas empresas que venceram a licitação são de empresários investigados pelo Ministério Público, por suspeitas de irregularidades em contratos com o Poder Público. Ou seja: das 9 vencedoras, pelo menos 7 têm problemas.

Como o DIÁRIO mostrou, em reportagem do último 12 de novembro, o governador Simão Jatene realizou uma licitação que lhe permitirá torrar, nos próximos doze meses, até R$ 1 milhão por dia com o aluguel de viaturas para o Sistema de Segurança Pública do Pará. O certame ocorreu na modalidade “Pregão Eletrônico”, levou o número 11/2017 e foi concluído pela Secretaria de Segurança Pública (Segup) em 25 de outubro, com a adjudicação. Pela Ata de Registro de Preços, o limite de gastos com a locação de 7.666 carros e motos será de quase R$ 32,5 milhões por mês, ou até R$ 389,3 milhões por ano.

Nas últimas semanas, o DIÁRIO esteve nas sedes dessas empresas, tentou contato com seus diretores e analisou os documentos do certame, além de constituições societárias registradas na Junta Comercial do Pará (Jucepa) e informações da Receita Federal. A documentação deixa clara a ligação familiar e econômica entre pelo menos 5 das vencedoras da licitação e algumas de suas concorrentes.

PROBLEMAS

As visitas aos endereços dessas empresas mostraram problemas ainda mais preocupantes: em alguns casos, as “sedes” registradas na Receita Federal não passam de galpões, por vezes até em terrenos tomados pelo mato, e sem sinal de que ali funcione uma empresa – não há placas indicativas, cadeiras, mesas ou recepções-. Em um caso, a reportagem não conseguiu localizar o endereço registrado na Receita. Em outro, foi preciso percorrer a rua duas vezes para encontrar o número, escrito a tinta, em um prédio acanhado e parcialmente sem reboco, do qual vizinhos desconheciam sediar uma empresa.

Ao analisar a Ata do Pregão, a reportagem também identificou problemas. Pregões eletrônicos funcionam mais ou menos como leilões presenciais, com todos os interessados tendo conhecimento imediato, só que eletronicamente, dos valores dos lances oferecidos pelos concorrentes para cada “item” – no caso, lotes de veículos. A diferença é que ganha quem oferece o preço mais baixo, desde que não seja considerado impossível (o aluguel de uma pick-up a R$ 1,99 por dia, por exemplo). Mas, na licitação de Jatene, em pelo menos uma ocasião, uma empresa ofereceu um preço viável por um lote de veículos – e todas as concorrentes que vieram a seguir ofereceram preços até bem superiores, o que é suicídio em uma disputa assim. É como se desconhecessem o lance anterior. Ou fizessem uma oferta apenas para constar.

Na Ata, a reportagem também detectou que, em pelo menos 17 lotes, duas das concorrentes eram empresas pertencentes a parentes – mãe e filho. E 7 desses lotes foram ganhos por uma dessas empresas que concorreram, a bem dizer, “em par”. Mais: em pelo menos quatro ocasiões essas mesmíssimas duas empresas pareceram agir como “coelhos” – um termo que, na linguagem licitatória, designa empresas que oferecem lances cada vez mais baixos, para ganhar a disputa, mas desistem de levar o lote. Com isso, quem ganha é a concorrente que ficara em segundo lugar, só aguardando a desclassificação da outra. É como se fosse uma “parceria” (ilegal, aliás), em que o “coelho” vai na frente, baixando cada vez mais os preços, apenas para tirar todo mundo da disputa – menos, é claro, a “parceira” que o acompanhou de perto.

DONOS DE DUAS EMPRESAS SÃO ALVOS DO MP

Já as empresas cujos donos estão enrolados em investigações do Ministério Público são a CS Brasil Transporte de Passageiros (que poderá faturar até R$ 242 milhões por ano) e a Nacional Serviços de Locações de Veículos, cujos ganhos poderão atingir até R$ 16,2 milhões anuais. A CS Brasil pertence ao grupo Júlio Simões, e contra ela e outras empresas do grupo há processos ajuizados pelo Ministério Público em pelo menos três estados: Bahia, Rio de Janeiro e Goiás. Na Bahia, a acusação é de fraude licitatória na venda de 150 viaturas à Polícia Militar. Vinte e seis civis e militares (incluindo o ex-comandante da PM e o presidente da Júlio Simões) são acusados pelo MP de integrarem uma “organização criminosa”. No Rio, a acusação é de superfaturamento, na venda e manutenção de viaturas à PM. Em Goiás, a acusação é de superfaturamento em um contrato milionário de aluguel de viaturas policiais.

NACIONAL

Já a Nacional pertence ao empresário Marcelo Franco Marcelino de Oliveira, filho do empresário Marcos Marcelino, dono do grupo empresarial de mesmo nome. Marcelo também é dono da PELC Serviços de Informática Ltda, que está envolvida em um escândalo milionário no Departamento Estadual de Trânsito (Detran). A PELC é a líder do Consórcio Stratus, que já recebeu mais de R$ 55 milhões do Governo Estadual. A licitação e o contrato que a beneficiaram estão cercados por suspeitas de fraude e de superfaturamento e foram denunciados ao Ministério Público pelo Sindicato dos Trabalhadores de Trânsito do Pará, o Sindtran.

PARTICIPANTES DA DISPUTA

Foram licitados 57 lotes de veículos. Vinte empresas participaram da disputa, que teve 9 vencedores: CS Brasil Transporte de Passageiros, Locavel Serviços, TCAR Locação de Veículos, Zetta Frotas, Nacional Serviços de Locações de Veículos, Brasil Rent a Car, Norauto, Atlanta e Norte Locadora. Delas, os maiores indícios de grupo econômico são da Locavel e TCAR, que juntas poderão faturar até R$ 94,755 milhões por ano, com os lotes obtidos na licitação.

Elas pertencem à família Houat, e dividem filiais e até procuradores, no Pará e em outros estados. No entanto, também há indícios nesse sentido em relação à Norauto, cujos lotes poderão render até R$ 4,854 milhões por ano. Ela pertence aos empresários Carlos Benedito e Ana Paula Teixeira, que são pais do dono da R da Costa Teixeira Serviços – EPP, que também participou da licitação.

Na Receita Federal, a Norauto e a R da Costa têm o mesmo endereço: um conjunto de galpões, na avenida Bernardo Sayão, em Belém. Já a Brasil Rent a Car, que pertence ao casal Lucinerges e Josianny Rosa, participou do certame junto com a Igor Rusef Rosa &Cia Ltda -EPP, queé do filho deles.

PARENTESCO

A Brasil poderá faturar até R$ 7.339.884,00 por ano. E, em pelo menos 17 lotes, concorreu junto com a Igor Rusef. No caso da Norte Locadora, que pertence à empresária Andrea Mazzariol Baptista, ela participou do Pregão junto com a Braz&Braz Ltda, que pertence à Andrea, ao marido dela e ao filho do casal.

Para participar do Pregão, as empresas assinaram uma declaração afirmando que a proposta que apresentaram não seria informada ou discutida com qualquer outro concorrente. Mas é difícil acreditar que pais e filhos e maridos e esposas não tenham nem sequer comentado as propostas a uma licitação na qual estariam juntos e misturados.

OUTRO LADO

O DIÁRIO tentou contato telefônico com as empresas citadas nesta reportagem. Na Locavel, uma funcionária informou que nem José Emílio nem Leonardo Houat se encontravam e que não sabia dizer quando eles poderiam conversar com o jornal.

Na Norauto, Carlos Benedito Adão Teixeira confirmou que a empresa e a R da Costa Teixeira integram o mesmo grupo, mas garantiu que não fez nada de errado.“Não descumprimos a Lei. Só participamos de itens diferentes (do Pregão). Quando a Norauto participa de um item, a R da Costa não participa, porque a gente sabe que não é correto, é contra a Lei. E a gente até impugna quem faz isso” – afirmou Carlos Benedito. Ele também disse que os galpões onde funcionam as duas empresas pertencem à CATA “e cada um aluga o que quer”. Segundo ele, a R da Costa Teixeira “não está dentro da Norauto, nem a Norauto está dentro dela”.

Na Norte Locadora, duas funcionárias informaram que Andrea Mazzariol e o marido dela, Ricardo (que também é diretor da empresa)estavam viajando.

A reportagem também deixou recado no celular de Josianny Rusef, da Brasil Rent a Car, mas não houve retorno.

Fonte: Ana Célia Pinheiro/Diário do Pará

 

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