Narciso Sena: “Cosanpa não tem investimento, planejamento e gestão”
Diretor do Sindicato dos Urbanitários alerta sobre o aumento da tarifa de água
Devido à polêmica com relação ao fornecimento de água em Santarém, feito pela Cosanpa, onde constantemente as residências são desprovidas do líquido precioso, causando cosntrangimento e revolta na população, bem como ao projeto de lei da prefeitura aprovado pela Câmara Municipal para privatizar esse serviço, a TV Impacto e o Jornal O Impacto entrevistaram Narciso Sena, diretor do Sindicato dos Urbanitários Regional, em Santarém. Narciso faz um apanhado sobre o serviço da Cosanpa e alerta o consumidor sobre o que virá. Veja a entrevista na íntegra:
Jornal O Impacto: Fale sobre a possível privatização do serviço de água, com a saída da Cosanpa de Santarém.
Narciso Sena: Agradeço a oportunidade que o Jornal e a TV Impacto estão nos dando. Com realação à questão de saneamento, sobre a provável saída da prestação dos serviços da Cosanpa no Município, o governo municipal tem anunciado em romper o contratro com o estado do Pará, ou seja, com a Cosanpa. Inclusive já teve aprovado o projeto na Câmara Municipal que autoriza criar uma empresa de saneamento no Município. O que nos preocupa é que a empresa que vem para o Município, não vem com a finalidade de ela mesmo executar o serviço. O secretário Daniel Simões e o prefeito Nélio disserram que o Municiípio cria uma empresa de saneamento municipal, mas essa empresa iria contratar uma outra empresa, através de licitação, para executar o serviço de abastecimento de água. O que preocupa a gente, é que nenhum empresário vai investir ou entrar em alguma prestação de serviço se não for com o objetivo de obter lucro. O empresário vive disso, eu vendo um serviço e quero arrecadar por ele, que seja rentável. Hoje, nós sabemos que a Cosanpa não presta um bom serviço. Aliás, quem mais brigou e quem denunciou as mazelas dos serviços da Cosanpa, foi a própria entidade. Temos várias ações no MPE e MPF em relação à prestação do serviço que é feito. Nós entendemos que a água é um bem essencial à população. Ninguém sobrevive sem água, podemos viver sem energia elétrica. A água é um direito público universal e alienável.
Jornal O Impacto. Tempos atrás se falou que o governo do Estado estaria sucateando a Cosanpa para poder motivar uma privatização da empresa, assim como aconteceu com a Celpa. Esse pocedimento que é feito pelo Município não seria uma forma para privatizar?
Narciso Sena: Isso é o que vem acontecendo com o governo, na esfera municipal, estadual e federal. Hoje, quanto menos tivermos a presença do Estado na prestação do serviço, melhor fica para o privado. O Estado se exime naquilo que era sua obrigação, oferecer um bom serviço de saneamento, de saúde, educação, etc. O Estado começa a se retirar e entrega para o setor privado. Recentemente o Prefeito aprovou um projeto de lei que terceiriza a administração da saúde municipal e já lançou o edital. Ou seja, retira a presença do Estado, no caso, o Município, se exime dessa reponsabilidade e entrega o serviço a terceiros. Ele entende que isso é a melhor forma de administrar. Eu não sei afirmar se é ou não, pois quando o Prefeito apresentou o projeto o Município gasta R$ 2 milhões e meio com o Hospital Municipal e agora vai gastar R$ 5 milhõies com o privado. Eu não entendo qual a grande vantagem que teve. A mesma coisa aconteceu com a Cosanpa, onde ao longo dos anos a Cosanpa vem sofrendo com a falta de investimento. Eu sempre afirmo, nenhum setor público funciona se não tiver três situações: investimento, planejamento e gestão. Sem isso, pode ser o melhor órgão que for, não vai funcionar. Nós não temos investimento, não temos planejamento e muito menos gestão. Não tenho nada contra os gestores da Cosanpa, mas se você for conferir ao longo dos últimos 20 anos, quem assume a direção dessa empresa, tanto aqui em Santarém como no Estado, é só indicado político. Não tem ninguém da empresa que seja de carreira, engenheiro. Vai fazer 10 anos que estou em Santarém, e já esteve na direção da Cosanpa um coronel reformado da PM, um aposentado do Banco do Brasil, um empresário da noite e que hoje é Vereador, tivemos um que mandaram de Belém e que não conhecia a região, tivemos gente do Incra e agora temos um sociólogo. Eu pergunto: quantos desses entendem de saneamento, para poder trabalhar nessa área? Nenhum!
Jornal O Impacto: Tem uma questão que se fala sempre, que é a Cosanpa tem um déficit, ou seja, não arrecada para sua sobrevivência e quem injeta para cobrir essa despesa é o governo do Estado. Nesse caso, vocês têm como entender de que uma empresa que tem o monopólio vai conseguir acabar com a inadimplência?
Narciso Sena: Esse é o grande desafio do saneamento. Você trabalhar, conseguindo arrecadar em cima disso. Nenhum órgão ou empresa pública vive para ter lucratividade. A Cosanpa precisa ter arrecadação suficiente para reinvestir o dinheiro e prestar cada vez melhor um serviço de qualidade. Nunca pára de crescer a demanda por água. A população cresce e consequentemente aumenta a demanda de água. Não tem empresário da área privada que entre para não ter lucro. Ele só vai atuar onde tiver arrecadação. Esqueça qualquer empresário que vá atuar na periferia ou comunidade que tenha microssistema, que não dê lucro. Eu afirmo com toda certeza, esse empresário não vai atuar.
Jornal O Impacto: Qual a posição do Sindicato com relação a isso? Vocês pretendem fazer algum movimento ou ação de esclarecimento à sociedade?
Narciso Sena: O Sindicato dos Urbanitários ao longo dos anos tem feito ações nesse sentido, de alertar a sociedade de que a água é um bem essencial à vida. Em fevereiro do ano passado nós fizemos o primeiro seminário sobre saneamento básico como política pública em Santarém, no auditório da Ufopa. Neste ano novamente nós vamos fazer outras ações referente a isso. Estamos tentando contato com os vereadores, para realizarmos uma audiência pública na Câmara Municipal, quando traremos alguém para falar sobre a questão do desafio do saneamento e a universalização do serviço. Bem como outras ações que já estamos fazendo em Belém e traremos para Santarém, principalmente na questão de alertar a população sobre a questão e importância do saneamento, como política pública.
Jornal O Impacto: Outra questão que podemos abordar é sobre a experiência da municipalização do serviço de abstecimento de água, inclusive em Manaus não deu certo essa experiência.
Narciso Sena: Recentemente, o SINIS, que monitora nacionalmente o serviço de saneamento de água no Brasil, em divulgação do ranking nacional, nas 100 maiores cidades, Manaus é a 99ª cidade com péssimo serviço, ficando atrás de Santarém, Belém e Ananindeua. O serviço em Manaus, que foi implantado há 20 anos até agora não funcionou. Manaus não conseguiu expandir um metro sequer de rede de saneamento e tratamento de esgoto. Recentemente, verifiquei que o preço da tarifa de água em Manaus custa 5 vezes mais que a tarifa de água daqui de Santarém. Se você for em Manaus e beber um copo de água da torneira, você não vai conseguir, pois a água não presta. Recentemente em uma entrevista, o secretário Daniel Simões disse que o povo santareno tem costume de pagar mais de 100 reais de água, porque paga trinta e pouco reais de tarifa, mas gasta cento e pouco reais comprando água mineral. Eu queria poder ter cento e pouco reais para gastar em água mineral, mesmo assim não pagaria. Pois na nossa cidade, quero que você me aponte qual é a água mineral que temos aqui que preste. Em recente pesquisa da UFPA nenhuma água mineral era apta para o consumo humano. Por incrível que pareça, a água fornecida pela Cosanpa em Belém, estava dentro dos padrões para o consumo humano.
Jornal O Impacto: Nós temos duas Estações de Tratamento construídas pelo Governo Federal, uma no bairro Mapiri e outra no bairro Uruará. O povo de Santarém está aguardando anciosamente que as residências sejam interligadas com serviço de esgoto tratado, sendo que muitas pessoas perguntam se o consumidor vai pagar por isso e se já existem residências interligadas a essas duas ETEs?
Narcsiso Sena: Só existe o básico, o Residencial Salvação, que é ligado à rede de esgoto e o Atacadão, quando inagurou na Fernando Guilhon e exigiu para poder se instalar aqui que fosse interligado a um rede coletora de esgoto. O restante da cidade não está interligada e nós temos uma malha de esgotamento sanitário espalhada pelo Mapiri, Esperança, etc. Quando a residência for interligada ao sistema do esgoto tratado, vai aumentar mais uma taxa. A população não sabe disso. Quando você consome água, digamos que a sua água está tarifada em 15 metros cúbicos com o valor de tarifa da Cosanpa em R$ 1,72, ou seja, é a tarifa mais barata do País por metro cúbico de água. Um consumo de 20 metros cúbicos de água você é cobrado R$ 32,00 de tarida de água, que é a média cobrada da população. Digamos que você consumiu os 20 metros cúbicos de água, aí vem a tarifa de esgoto. Mas vou pagar quanto de esgoto? Pela tarifa da Cosanpa, salvo engano, será de 60% sobre a tarifa da água. Tem outra coisa, pela Lei 11.445, se por caso a rede de tronco coletor de esgoto passar pela frente de sua casa, você tem que se interligar ao sistema.
FIQUE POR DENTRO: Em entrevista coletiva que aconteceu no dia 20 de novembro de 2017, na sede do Executivo municipal, o prefeito Nélio Aguiar anunciou que deve rescindir o contrato com a Cosanpa. Todos são sabedores que o problema de falta de água em Santarém já está passando dos limites. Durante a coletiva, Nélio Aguiar informou que já conversou com o governador do Estado e com o presidente da Cosanpa, sobre a decisão de romper o contrato. Segundo informações, pelo menos 4 empresas já demonstraram interesse em participar de uma possível licitação.
Além do prefeito Nélio Aguiar, participaram da coletiva o vice-prefeito José Maria Tapajós; o presidente da Câmara Municipal, Antônio Rocha, secretário Daniel Simões e promotora de justiça Maria Raimunda.
“PRIVATIZAR A COSANPA É ABRIR MÃO DA MAIOR RESERVA DE ÁGUA DOCE DO MUNDO”: Essa frase foi dita em janeiro do ano passado, em entrevista exclusiva à nossa reportagem, pelo professor e pesquisador Antônio Carlos Tancredi, natural do município de Juruti, do Pará. Tancredi trabalhou como professor e pesquisador em importantes instituições científicas brasileiras, como por exemplo, Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará (Idesp) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), possui doutorado em Geologia e Geoquímica (Hidrogeologia) pela Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em estudos hidrogeológicos regionais na ilha de Marajó e em pesquisas hidrogeológicas detalhadas para água mineral na região metropolitana de Belém, Marabá e Santarém (PA), Macapá (AP), São Luís (MA) e Manaus (AM).
Os precários serviços prestados pela Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) aos moradores de Santarém e demais municípios a qual detém a concessão pública de água e esgoto, está sendo utilizado como principal argumento para a privatização da estatal. Para a maioria da população, que sofre as consequências negativas da falta de saneamento, a venda da Companhia para iniciativa privada representa a oportunidade de dias melhores.
Em contrapartida, os trabalhadores da estatal dizem que o processo de precarização estabeleceu-se de forma planejada pelo governo estadual, a fim de fortalecer a justificativa para concretizar a desestatização. Citam por exemplo, que a presidência da Cosanpa sempre foi ocupada por indicação política, e nunca um servidor de carreira da estatal esteve à frente da gestão.
Atinente a esse debate, o professor e pesquisador Antônio Tancredi, nas páginas do Jornal O Impacto, traz à tona um aspecto muito relevante. De acordo com ele, a privatização da Cosanpa deve ser tratada de forma cuidadosa, não somente observando o aspecto financeiro. Para o especialista, o que está em jogo é a utilização indevida do Aquífero Alter do Chão, uma das maiores reservas subterrâneas de água doce do planeta.
“O Aquífero Alter do Chão tem um potencial muito grande para ser privatizado, primeiro que a água subterrânea é um bem comum que é indispensável a qualquer atividade; a água subterrânea além de ser um importante recurso é fundamental para o meio ambiente e sua renovação. No caso de uma empresa particular explorar as águas subterrâneas, ela provavelmente visaria mais lucro e menos proteção”, diz o pesquisador.
Sem a devida atenção, a privatização da estatal pode abrir espaço para que grandes multinacionais do ramo, como por exemplo, as francesas Suez e Veolia, que já operam no Brasil, tenham acesso a um dos maiores patrimônios de recursos naturais do País, e do planeta.
Segundo Antônio Tancredi, antes de qualquer ação do homem que possa intervir drasticamente no Aquífero Alter do Chão, que ele afirma ser “o aquífero mais importante do mundo”, o estudioso orienta que tudo seja realizado com o devido planejamento. No início da década de 90, ele esteve em Santarém, realizando estudos acerca do manancial.
“Meu trabalho principal foi o estudo de águas subterrâneas da região de Santarém, de maneira geral o principal aquífero dessa região é a formação Alter do Chão. Nesse estudo foi avaliado o potencial de águas subterrâneas incluindo qualidade da água, vulnerabilidade, reserva e custo de exploração, é um estudo muito amplo. Todos os itens foram desenvolvidos, a qualidade da água daqui é muito boa, não necessita de tratamento algum para distribuição; em relação à vulnerabilidade da água subterrânea os lençóis são bem protegidos e têm grande produtividade; os custos são relativamente baixos devido à grande produtividade do aquífero; a reserva de água nessa região apresentou o valor de 86,78 bilhões de metros cúbicos numa área de 900 quilômetros quadrados. Os estudos comparativos do custo da água subterrânea com o custo da água superficial evidenciaram que o custo da água subterrânea representa 42,5% do custo da água superficial de Manaus, por exemplo. O custo de água subterrânea é sempre mais baixo porque ela se encontra naturalmente protegida, as reservas dessa água são relativamente grandes e menos afetadas pelas sazonalidades; os custos de captação em relação à água superficial são menores por dispensarem a construção de obras como barragens, adutoras, e estações de tratamento; o prazo para a construção de um poço é de uma a duas semanas, enquanto que uma grande obra para água superficial leva muitos meses e às vezes muitos anos. Outro fator interessante é que a construção de um poço pode ser escalonada, à medida que aumenta o consumo podem ser feitos outros poços de captação subterrânea; a água subterrânea é acessível no meio urbano, rural e não ocupa grandes áreas como barragens e outras obras de água superficial”, explica Tancredi.
Por: Edmundo Baía Júnior
Fonte: RG 15/O Impacto