Absurdo – Ossos de baleia ocupam lugar de imortais da Alas
“Santarém é uma cidade que tem identidade cultural muito forte na música, na pintura, no artesanato, na escultura e outros segmentos”
Anselmo Colares, presidente da Alas, cobra providências do poder público
A Academia de Letras e Artes de Santarém (ALAS) foi criada pela Lei de número 17.847/2004, proposta pelo então vereador Osvaldo de Andrade, aprovada pela Câmara Municipal de Santarém e sancionada em 18 de junho de 2004 pelo Prefeito Municipal, Joaquim de Lira Maia. |
O artigo primeiro da referida Lei deixa claro que ela faz parte da “estrutura administrativa do Município de Santarém”, e o artigo quinto estabelece: “O Poder Executivo Municipal fica autorizado a celebrar convênios de cooperação com os órgãos e entidades culturais e educacionais, para promover o funcionamento da ALAS”.
Falta muito, contudo, para que o texto da Lei se cumpra. Até mesmo uma sala que havia sido destinada ao funcionamento administrativo da ALAS Santarém no Centro Cultural João Fona, por Decreto Municipal, deixou de pertencer a Academia para dar lugar à ossada de uma baleia. O espaço continua sendo cedido para reuniões esporádicas, mas não como local de referência que possa abrigar materiais da entidade e sirva como endereço para o desenvolvimento das atividades administrativas.
Houve na época comentários irônicos pelo fato da ossada da baleia (que a rigor, nada tem a ver com Santarém) tenha recebido melhor acolhida que uma instituição que abriga nomes de reconhecida contribuição à cultura regional nas mais variadas manifestações artísticas. Fica aqui um registro e a esperança de que haja sensibilidade do Poder Público Municipal, representado pelos dois Entes que estão na base legal e histórica do nascimento da ALAS. Independente de quem assinou, trata-se de uma Lei. E mais que isso, da preservação e valorização de todo um legado que faz de Santarém uma cidade diferenciada e especial. O presidente da ALAS, professor Anselmo Colares, esteve no estúdio da TV Impacto e na redação do Jornal O Impacto, onde concedeu entrevista exclusiva e falou sobre esse assunto de suma importância.
Jornal O Impacto: Estamos sabendo que a ALAS está enfrentando um pequeno problema em termos de acomodação para funcionar. Qual é?
Anselmo Colares: Primeiramente eu agradeço o convite para estar aqui, que é sempre uma honra muito grande, inclusive estar conversando com um colega de atividade jornalística, Osvaldo de Andrade, Academia é constituída por um conjunto de personalidades, que por sua vez tomam o assento na Alas a partir da formação dos seus patronos. No caso, a nossa Academia tem 40 patronos, os nomes foram frutos de pesquisa e desenvolvimento de diversos segmentos culturais da sociedade, que chegaram à conclusão de 40 nomes. Até o levantamento foi muito maior do que isso, mas aí chegaram aos 40 que representavam nossas artes de modo geral, as personalidades ilustres da nossa história e a partir dessas 40 cadeiras foi, então, sendo constituído os 40 membros efetivos e vitalícios, e cada vez que morre um desses integrantes tem todo um processo para que o novo nome possa fazer parte. Inclusive, neste momento nós estamos com edital aberto. Só estou explicando um pouco a composição da Academia.
MAL-ESTAR E CONSTRANGIMENTO: De fato, houve um certo mal-estar, um constrangimento dos membros da Academia quando o Centro Cultural foi restaurado, inclusive participou efetivamente dessa restauração um dos nossos integrantes, que é o Renato Susuarana, uma pessoa que tem se dedicado a essa tarefa e à nossa região. Ele fez um trabalho muito interessante lá de revitalização e nós tínhamos conseguido uma sala lá dentro do Centro Cultural para funcionar administrativamente a Academia, para nossas reuniões, quando terminou o processo da restauração do Centro Cultural. A plaquinha ainda permanece lá com o nome da Academia, mas houve uma outra decisão, que eu não sei atribuir a quem.
“Ossada da baleia se tornou mais importante do que a ossada dos 40 patronos”
Jornal O Impacto: As informações é que no espaço que seria da Alas colocaram a ossada de uma baleia que foi achada morta no rio Tapajós. Procede?
Anselmo Colares: Até esses dias houve uma brincadeira, eu não me recordo bem, mas disseram assim: ´Poxa, olha que a ossada dessa baleia se tornou mais importante do que a ossada dos 40 patronos e mais alguns, porque já 12 integrantes que não estão mais ao nosso meio`. Brincadeira a parte, mas isso é sério, porque a Academia representa de qualquer forma uma expressão das nossas atividades, cabeças pensantes do nosso Município. A gente sempre fica um pouco constrangido com isso, porque não queremos esse enaltecimento, mas eu sei que temos colegas que integram nossa Academia que possuem uma trajetória riquíssima de contribuição para este Município. Não é à toa que Santarém é conhecida como a cidade que tem identidade cultural, são poucas cidade no Brasil que você sente isso. Eu já viajei demais por esse País, tem cidade que a gente circula e não consegue encontrar alguma coisa importante. Santarém tem isso muito forte, na nossa música, na pintura, no artesanato, na escultura e outros segmentos. Por isso a importância desta Academia que congrega essas diferentes artes e tem um respeito por essa nossa história, principalmente considerando que ela é decorrente de uma Lei.
Jornal O Impacto: Está havendo um desrespeito para o não cumprimento dessa Lei?
Anselmo Colares: A Lei, em seu artigo 5º, diz que o Poder Executivo Municipal fica autorizado a celebrar convênios de cooperação com os órgãos e entidades culturais e educacionais para promover o funcionamento da Alas. Quer dizer, dá essa autorização ao Poder Executivo Municipal e o 1º artigo dessa Lei diz que fica criada na estrutura administrativa do município de Santarém a Academia de Letras e Artes de Santarém. Bom, se fosse falta de regulamentar esse artigo eu não sei, mas de qualquer forma a Lei diz que ela faz parte da estrutura. A gente tem uma relação boa com nosso Secretário de Cultura, Luís Alberto Figueira; já estivemos com o próprio prefeito Nélio Aguiar, uma comitiva da Academia composta por mim, pelo Hélcio Amaral, Ednaldo Rodrigues e Padre Sidnei, quando tivemos um bom diálogo. Mas, concretamente, ainda estamos em busca de uma coisa mais efetiva. Por exemplo, agora mesmo no momento de inscrição das candidaturas para as vagas abertas, estamos contando com o apoio da administradora lá do Centro Cultural, pois eu pedi seu apoio e ela disse que as inscrições podem ser feitas lá, mas poderia estar sendo feita na sala da Academia, em seu espaço próprio, onde pudéssemos ter uma pessoa nossa para receber as inscrições, e enfim, para o nosso dia-a-dia da Academia.
APELO ÀS AUTORIDADES: É esse sentimento que reina em nós, membros da Academia. Nas vezes que nós já conversamos sobre esse assunto, sempre o tom foi esse, de acreditar que as pessoas que compõem nossos órgãos governamentais, Câmara e Prefeitura, que tenham essa sensibilidade artístico-cultural.
Jornal O Impacto: Já que nós estamos vivendo esse momento de muita polêmica em relação ao uso e aplicação do recurso da Lei Rouanet, seria uma sugestão aqui para o próprio Secretário de Cultura verificar uma brecha nessa Lei, e o Município através do Prefeito, também fazer um estudo e verificar a possibilidade dessa Lei ser usada em prol de algumas realizações que venham beneficiar não só a Academia de Artes e Letras, mas outros órgãos, entre os quais, o Instituto Histórico e Geográfico, que também parece que está na mesma situação, ou seja, tem seu espaço hoje, mas parece que só até final do ano.
Anselmo Colares: Exato. Hoje, 10 dos integrantes da Alas também integram o IHGTAP (Instituo Histórico Geográfico do Tapajós). O prédio que o IHGTAP utiliza fica no pé da escadaria que vai para o Frei Ambrósio, é aquele Casarão antigo que pertenceu à família do compositor Ruy Barata. Hoje ele está sendo alugado pela Prefeitura, mas o contrato se encerra em dezembro deste ano e não haverá renovação. Corre o risco de, além da Alas, o IHGTAP também ficar sem local. Por conta disso, nós, presidentes das duas instituições, estamos mantendo algumas conversas. Recentemente as duas entidades procuraram o comandante do 8º BEC e uma boa receptividade da parte dele, que inclusive nos franqueou, não me lembro agora o nome do termo, mas não chega a ser comodato, é um outro termo de cessão para 20 ou 30 anos para usarmos uma estrutura que já tem um prédio e que só precisa de um revigoramento, mas é um terreno que fica às margens da Rodovia Santarém-Cuiabá. É interessante, porque seria um prédio quase que próprio, onde teríamos o nosso cantinho até para realização de algumas outras atividades. Enquanto isso não acontece, paralelamente as duas entidades, para não ficar só na dependência pública, também podem promover algumas atividades de cunho artístico musical, com saraus músicas e outras coisas, com o objetivo de arrecadar fundos.
Jornal O Impacto: Vamos aproveitar a oportunidade e falar dessa lamentável e triste questão, que é a vacância, quando perdemos alguém. Ultimamente a Academia perdeu dois membros e vocês já estão no processo de recomposição, primeiro publicando o edital declarando a vacância da Academia das duas vagas; depois com o processo das inscrições que vão até janeiro de 2019.
Anselmo Colares: Tem um rito que está previsto no estatuto do nosso Regimento, que inicia com a realização da Sessão da Saudade, que já realizada no dia 3 de novembro. Nesse dia da Sessão da Saudade a gente anuncia o edital de vacância. Na sequência se publicou um edital, chamando os membros da Academia para uma assembleia geral, que vai aprovar a resolução que trata da eleição. Uma continuidade do que já vem sendo feito, só que desta vez temos uma inovação, porque a Academia é constituída por quatro tipos de sócios: têm o sócio efetivo, tem o sócio correspondente, o sócio honorário e o benemérito. O efetivo é daqueles 40 fixos, o vitalício corresponde aos 40 patronos, o correspondente é aquele sócio que reside fora do Estado do Pará, ou seja, fora da área de abrangência da Academia. Outro tipo de sócia é o honorário, que está sendo chamado agora pela primeira vez e é possível que as pessoas que se inscreverem possam como membro efetivo ou entrar como sócio honorário e benemérito. Esse é o próximo passo que queremos. Tem aquele sócio, integrado por pessoas que se disponham a dar uma contribuição financeira para instituição. Infelizmente essas coisas parecem que têm ficado raro. Eu vejo pelo Brasil afora, nas viagens que eu faço, algumas universidades ou outros grandes espaços, existe a doação de alguém, de um grande proprietário e aí você tem várias sedes de academias. É assim, alguém que tinha propriedades e deixou, mas parece que agora não se encontra mais. Ainda vou ver se consigo sensibilizar alguém para se tornar sócio benemérito de nossa Academia, mas nesse edital agora já está previsto o ingresso de sócios efetivos e sócios honorários. O que é o sócio honorário? É aquela pessoa que tem relevantes ações no nosso campo cultural, e como estou prevendo que vamos ter um número grande inscrições, vai ser possível a gente ter a presença de mais pessoas colaborando conosco e também seria interessante a gente ter uma maior diversificação nas artes. Nós estamos hoje com um grande número de músicos, que é uma das artes, mas estamos desfalcados no artesanato, pois depois da morte do seu Isauro ainda não ingressou outro dessa arte, que é forte na nossa cidade na parte da olaria e da cerâmica. Outra arte que ainda não tivemos o ingresso é a cinematográfica, embora já tenham pessoas que realizam essa atividade. Nós queremos diversificar mais a Academia, e se não entrar na categoria de membro efetivo entra na categoria de membro de sócio honorário. As inscrições estão abertas e se estendem até o dia 10 de janeiro de 2019. A eleição vai ser no dia 30 de janeiro. Quem pode se inscrever e pleitear fazer parte da Academia? Primeiro, pessoas que se dedicam nas artes clássicas ou outras artes e que tenham uma produção. Porque a pessoa pode gostar de arte, pode até se dedicar, mas ela não conseguiu ter uma produção, que no caso é requisito para fazer parte da Academia, que a pessoa se dedique e produza algo no campo das artes, bem como tenha nascido aqui nessa região para poder ser sócio efetivo, pois o sócio correspondente é quando a pessoa nasce fora do estado do Pará. Os nomes dessas pessoas serão apreciados por uma Comissão que vai fazer uma análise do currículo e elaborar um parecer, que deverá ser apreciado pelos membros da Academia no dia 31 de janeiro. Assim que é o ritual.
Por: Jefferson Miranda
Fonte: RG 15/O Impacto
Ciência X Cultura ! É tanto que não sobra espaço…