Dom Flávio: “Amazônia é tratada como se fosse uma colônia do Brasil”

Segundo o Bispo, os grandes projetos não são para desenvolver a região, são para desenvolver empresários de outras regiões do Brasil e do mundo

Dom Flávio Giovenale deixará a Diocese de Santarém no dia 11 de Dezembro

No período em que se comemoram as festas da padroeira de Santarém, Nossa Senhora da Conceição, onde no domingo (25/11) aconteceu o Círio de número 100, com presença marcante de cerca de 150 mil pessoas, segundo o Corpo dos Bombeiros Militares, o Bispo da Diocese de Santarém, Dom Flávio Giovenale revelou ao O Impacto as expectativas para as festividades que ocorrerão até o dia 8 de dezembro.

O líder da igreja católica, também fala sobre a sua nova missão no estado do Acre, bem como faz avaliação dos seis anos que esteve à frente da Diocese de Santarém.

Para ele, a realidade amazônica tem de ser levada em consideração no debate de diversos temas, principalmente naqueles que afetam diretamente a vida das populações. Os desafios nas atividades das instituições presentes na região, têm de ser encarados de forma integrada.

Jornal O Impacto: Dom Flávio, na sua visão, hoje, qual é o maior desafio da Amazônia?

Dom Flávio: Da Amazônia encontrar o caminho do desenvolvimento dentro da realidade amazônica. Porque a história mostra que todos os projetos que vieram de fora fracassaram. É só vê Fordlândia e Belterra, feito com grande capacidade, com grandes técnicos, mas que não conhecem a realidade amazônica, conheciam a realidade do Sul do Brasil e do Texas nos Estados Unidos. Gente altamente qualificada que fracassou, porque não conhecia a realidade da Amazônia. Agora, estão querendo impor um projeto baseado nos grandes projetos, que é a Hidrelétrica de Belo Monte. Temos este projeto da hidrelétrica Tapajós/São Luís acima de Itaituba, que vai influenciar em Alter do Chão, a nossa galinha dos ovos de ouro; bem como um cartão de visita que nós temos, que é o encontro das águas em frente de Santarém. Estudos mostram que vai ser bloqueada a força do rio Tapajós e o rio Amazonas vai entrar. O encontro das águas vai acontecer, mas muitos quilômetros da frente da cidade. Temos que ver um desenvolvimento que seja próprio para a região, porque a Amazônia não pode ficar parada como se todo mundo tivesse que viver como nossos avôs. Não é justo, precisamos sim de desenvolvimento que, inclui a estrada, inclui a comunicação, inclui internet etc, mas não podemos continuar a ser mandados por fora e a Amazônia ser vista pelo Brasil e pelo mundo como se fosse um enorme depósito, em que se vem para tirar. Você vê Santarém com 300 mil habitantes, nós estamos em termos de energia elétrica e de internet como se fosse um gato, porque vai bem até Rurópolis, mas de lá para cá a coisa muda, se uma árvore cair ficamos sem energia. Quem pagou as multas do dia 30 de abril, que foi o último dia para apresentar o imposto de renda? No dia 29 à noite caiu a internet, voltou só no dia 2 de maio. Quem pagou as multas de todos aqueles que estavam fazendo a declaração do imposto de renda e não puderam fazer: Culpa deles, por deixar para última hora? Não! Se o limite é meia-noite do dia 30 de abril, ele estava dentro do prazo legal e foi impossibilitado porque a regra diz que a internet deu problema em cima daquelas torres de alta tensão, mas de Rurópolis para cá vem ao longo da estrada nos postes de luz. Então, somos tratados como se fôssemos Colônia do Brasil, para não nos deixar desenvolver, porque esses projetos não são para desenvolver a Amazônia, são para desenvolver grandes empresários de outras regiões do Brasil e do mundo, explorando a Amazônia, sem levar em conta que na Amazônia tem 17 milhões de habitantes. Temos de ter maior consciência, não sermos muito ingênuos dizendo: ´Viva os grandes projetos!’. Grandes projetos vão beneficiar pouca gente, porque se eles querem agronegócio, se querem as usinas hidrelétricas, claramente que vão usar a tecnologia de ponta; quer dizer, poucos equipamentos e muito eficientes, com pouca gente. Então, a maioria fica ali olhando. Isso inclui escolas para qualificar. Por exemplo, a UFOPA, UEPA, UNAMA e IESPES, elas têm muito o quer dizer, por exemplo, para construção, curso de engenharia, quais são os materiais e qual é arquitetura própria para as casas e os prédios da Amazônia, que não tenhamos de gastar um bocado de energia elétrica só para resfriar. No Sul eles já usaram o quê? As janelas menores pois lá tem o problema do frio mas aqui como é que vamos ter? É inútil pegar só os projetos do sul quando se faz o prédio que será que o mesmo prédio que se faz em nossa região do Brasil mesmo material, mas então quer dizer que é repeteco. Então o desafio maior é o desenvolvimento amazônico para os amazônidas; que venha também gente de fora investir tendo lucro, está certo! Mas tendo lucro com a gente, não pisando em cima.

Jornal O Impacto: Um exemplo muito claro que está repercutindo nos quatro cantos do Pará, é a revolta contra a empresa que hoje fornece energia elétrica. Qual sua visão?

Dom Flávio: Sim. Dizem: ´Fora a Celpa!’ Mas se não mudar a lei, entrará outra empresa com os mesmos critérios. Então, temos de mudar, porque as fornecedoras de energia elétrica têm suas tabelas aprovadas pelo Aneel a partir do número de postes, que é necessário para levar energia elétrica. Nós estamos lascados, porque para chegar para cada casa não temos pouca população, é muito espaço. Em São Paulo esse critério funciona muito bem, porque tem muita gente em pouco espaço. O estado do Rio de Janeiro cabe 12 vezes no Pará, com muito mais população do que o Pará. Só o município do Rio tem mais população do que o estado todo do Pará. Quer dizer, é uma densidade tal por critério de poste. Está ótimo para aquela situação, mas para nós pode vir a Celpa, pode vir outra concessionária, que vai ser a mesma coisa. Sou de acordo a protestar, mas dizer simplesmente: ´Fora Celpa!` não vai dá em nada. Temos de mudar a legislação, senão, entre um e sai outro e não vai resolver.

CÍRIO DA DESPEDIDA

Jornal O Impacto: Fale sobre esse grande evento, que é o Círio de nº 100 da padroeira dos católicos santarenos.

Dom Flávio: Que o Círio possa alcançar seu objetivo, que é homenagear Nossa Senhora, como a primeira discípula que nos leva a Jesus. Na prática, Ela nos pega pela mão, acompanha nosso dia-a-dia, e nesse dia do Círio foi a vez de retribuir. Nós caminhamos com Ela, com sua imagem, de maneira que podemos dizer: ´Nós queremos caminhar com a Senhora rumo a Cristo, que Ele é o nosso Senhor, Salvador e a esperança`. Foi um Círio muito bonito, foi preparado com mais carinho, mais competência durante o ano todo, pois começamos em fevereiro, onde todo dia 8 de cada mês tivemos atividades especiais. Depois no dia a dia aquele trabalho de formiguinha, para que o evento acontecesse bem. A Romaria Fluvial mudou o horário e aconteceu pela manhã, com apoio muito grande da Marinha do Brasil. Tudo correu bem e espero que nos próximos anos esta tradição melhore ainda mais.

Jornal O Impacto: Dom Flávio, diante de um acontecimento tão importante para o povo católico, que é o centésimo Círio, também acontece em um momento diferenciado, que é sua despedida da Diocese de Santarém. Queremos que você faça uma avaliação de tudo que o senhor passou durante sua estada em Santarém?

Dom Flávio: Sabe que cada um contribui. O apóstolo São Paulo diz: um planta; outro rega; e o terceiro colhe, e o mesmo que regou plantou, quem colheu também plantou e regou. Então, eu também tive a satisfação de ser o sucessor de Dom Thiago, Dom Lino, Dom Esmeraldo, portanto, os três grandes que eu conheci pessoalmente e cada um deu sua contribuição muito específica. Dom Thiago e Dom Lino por muitos anos. Eu procurei continuar, em 6 anos foram mais de 10 paróquias que foram criadas. Não é porque Dom Flávio incrementou, pois já estava todo o processo na mesma ordenação que aconteceu a realização da Assembleia Diocesana, houve uma continuação no apostolado dos leigos, envolvimento deles nas várias atividades e para mim foram seis anos que passaram rápido. Isto é um bom sinal, porque o tempo não passa quando a coisa é chata, no hospital o tempo demora que só. Em um baile, numa festa, passa rápido, quando você olha no relógio já são três da manhã, porque é uma coisa gostosa. Então, foram seis anos que eu praticamente nem vi passar. Eu me senti extremamente amado, extremamente acolhido aqui e agora vamos para frente.

Jornal O Impacto: É unanimidade a fala sobre seu carisma, você é muito próximo do povo católico. Queremos saber, como era o Dom Flávio antes de Santarém e como ele está indo?

Dom Flávio: Dom Flávio antes de Santarém, tinha um pouquinho mais de cabelo e um pouco mais de dente. Mas, brincadeira à parte, certamente a experiência de Santarém me ajudou muito a crescer e até planejar melhor a Diocese mais organizada, que eu peguei. Eu trabalhei como Padre em Belém, como Padre em Manaus, conheci também por uns meses Porto Velho onde fui lá substituir um outro Padre, mas em termos de organização pastoral, Santarém é a Diocese que é mais  organizada. Tem toda uma história dentro da evangelização da Amazônia, os encontros dos bispos na Amazônia e Santarém, foram encontros programáticos, tanto em 1972 que faz parte da história da Igreja Católica na Amazônia como também este de 2012, que foi na passagem entre Dom Esmeraldo e a minha chegada, em julho de 2012. Então, Santarém me ajudou a amadurecer na questão de planejamento, de colaboração e até de sonhos de projetar, de não ter medo de avançar. Eu levo essa bagagem de entusiasmo, para mim foram seis anos de entusiasmos fora de série.

Jornal O Impacto: Dom Flávio, para finalizarmos nossa entrevista, informe aos nossos leitores para qual Diocese o senhor foi transferido.

 Dom Flávio: Vou para a Diocese de Cruzeiro do Sul, a Diocese mais ocidental, onde o Brasil começa, no estado do Acre. São duas dioceses, inclusive são 12 municípios, 8 no estado do Acre e 4 no estado do Amazonas, porque a igreja dividiu as dioceses a partir das bacias dos rios, no Alto Juruá, que tem a base maior em Cruzeiro do Sul, mas depois se desenvolve  também no Amazonas, em direção ao rio Solimões.

TRANSFERIDO DE SANTARÉM PARA O ACRE

Jornal O Impacto: Ainda no mês de setembro, os católicos santarenos foram surpreendidos com a notícia da transferência de Dom Flávio. Na época foi informado que o Papa Francisco, acolhendo o pedido de renúncia apresentado por dom Mosé João Pontelo, por motivo de idade, nomeou Dom Flávio Giovenale como bispo da diocese de Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre, transferindo-o de Santarém, no Estado do Pará, que ficará sede vacante até a nomeação de seu novo bispo.

Dom Flávio Giovenale: Dom Flávio nasceu na Itália, em Murello, província de Cúneo, em 5 de junho de 1954. Chegou no Brasil em 13 de setembro de 1974, em Belém. Estudou Filosofia em Lorena (SP), nos anos de 1975 a 1976. Também em São Paulo estudou Teologia, no Instituto Teológico Pio XI, de 1978 a 1981. Nos anos 1984 a 1985 esteve em Roma, na Universidade Salesiana, onde recebeu o mestrado em espiritualidade.

De volta ao Brasil em 1986, desenvolveu cinco anos de trabalho pastoral em Manaus, no Bairro do Aleixo como Pároco, Diretor das Obras Sociais e Diretor do Seminário.  Foi eleito Conselheiro Administrador da Província Salesiana e Manaus, Encarregado das Obras Sociais e Fundador do Projeto “União pela vida”. Em 1997, o papa João Paulo II o nomeou bispo de Abaetetuba, no Pará.

Foi secretário (1999-2003), vice-presidente (2003-2004) e presidente (2004-2007) do regional Norte 2 da CNBB. Antes, trabalhou na Pastoral Vocacional no Pará entre 1982 e 1983. Também exerceu os postos de Reitor do Seminário Menor em Manaus, de 1986 a 1989; Reitor do Seminário Maior em Manaus, de 1990 a 1991; Ecônomo da Província, de 1992 a 1997 e também Procurador Missionário para o Brasil, de 1994 a 1997. Em setembro de 2012 foi nomeado bispo da diocese de Santarém, no Pará.

Por: Jefferson Miranda

Fonte: RG 15/O Impacto

2 comentários em “Dom Flávio: “Amazônia é tratada como se fosse uma colônia do Brasil”

  • 1 de dezembro de 2018 em 12:52
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    joseué nota 10 pra vc.. é isso mesmo .
    e mais estes padres são ongs que carecem ser investigadas.

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  • 30 de novembro de 2018 em 09:43
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    Fordlândia entrou em bancarrota por causa do plantio da seringueira muito próximas, o que facilitou a propagação da praga que a afeta, enquanto as sementes levadas pelos ingleses- da região de Santarém- para a Malásia não enfrentaram a mesma praga, lá inexistente. A produção da borracha pelos ingleses inundou o mercado mundial com produto mais barato, causando o empobrecimento e derrocada de Manaus e Belém. Quanto a falta de indústrias na região, atualmente elas são espantadas pela míope visão dos socialistas, atuando em ONGs sempre contra o capitalismo, usando como escudo a desculpa da preservação ambiental e a cultura indígena, cujos índios cada vez mais migram para as cidades, daí exigindo luz elétrica, empregos, conforto ! E os socialistas? Ficam de longe, fazendo cara de paisagem, enquanto garantem suas mamatas nas ONG, nos empregos públicos !

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