Impossibilidade de paralisação do desembaraço aduaneiro em razão de divergência na classificação fiscal
Primeiramente cumpre destacar que a interrupção/paralisação do desembaraço aduaneiro só pode ocorrer em casos onde houver suspeita/indicio de eventual infração punível com pena de perdimento.
No entanto na prática não é bem assim. Isso porque a Receita Federal do Brasil tem retido mercadorias de forma ilegal devido à divergência entre a classificação fiscal adotada pelos importadores e a considerada correta pela Receita Federal.
E ao invés de liberar a mercadoria e fiscalizar a eventual divergência de classificação, a Receita Federal impede o regular desembaraço e condiciona o desembaraço à prestação a garantia.
No entanto, devem os Importadores combater tal prática ilegal e buscarem a devida tutela jurisdicional para a continuidade do desembaraço aduaneiro e reconhecimento da ilegalidade da retenção das mercadorias em razão de suposta divergência na classificação fiscal.
Isso porque, o procedimento adotado pelo Fisco retendo bens, em virtude de divergência na classificação fiscal configura meio coercitivo para a exigência dos impostos e multas, prática é vedado nos termos do enunciado n. º 323 da Súmula do STF.
É bem de ver que a Administração possui diversos mecanismos para a cobrança do suposto débito tributário, revelando-se ilegal a retenção das mercadorias, não se tratando de hipótese em que as mercadorias estão sujeitas a pena de perdimento.
A corroborar o entendimento jurisprudencial acerca da indevida retenção, senão vejamos:
TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. DIVERGÊNCIA QUANTO À CLASSIFICAÇÃO FISCAL DE MERCADORIA. RETENÇÃO INDEVIDA. EXIGÊNCIA DE TRIBUTOS. PARALISAÇÃO DO DESPACHO ADUANEIRO. ILEGALIDADE CONFIGURADA.
1. A retenção de mercadoria importada se deu em razão de divergência entre a classificação fiscal dos jogos de videogame no conceito de software.
2. As autoridades fiscais, na esteira da decisão proferida pela Suprema Corte, no RE 176.626/SP, posteriormente reiterada no RE 199.464-9/SP, vem entendendo que o software sob medida, elaborado sob encomenda do usuário final, constitui um serviço tipificado na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Por outro lado, a aquisição de software de prateleira, elaborado para comercialização genérica, é tratada como uma aquisição de mercadoria.
3. A apreensão de bens pela autoridade é justificável, quando houver indícios de equívoco na classificação tarifária. Incabível, no entanto, a manutenção da apreensão em virtude de divergência na classificação fiscal adotada, como meio para a exigência dos impostos correspondentes. 4. Encontrando-se a mercadoria corretamente descrita e com todos os elementos necessários à sua identificação e ao enquadramento tarifário existente, há a possibilidade de sua alteração pelo Fisco, independentemente, lavrando-se o respectivo auto para a exigência dos tributos eventualmente devidos. Estes questionamentos não podem obstar a liberação do bem, se tornará ilegal e passível de correção judicial, se for o caso.
5. Considerando que não restou demonstrada nos autos qualquer ilegalidade na importação dos bens, deve ser mantida a sentença que determinou a liberação das mercadorias.
6. Apelação e remessa oficial não providas.
(AMS 00066235120114036119, DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, TRF3 – TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/05/2015).
Importante distinguir bem as situações, eis que o fato das mercadorias serem liberadas não impede a eventual imposição das multas e cobrança das diferenças devidas caso haja a devida comprovação da divergência na classificação fiscal.
O que não pode ocorrer, nos termos da jurisprudência levantada e da súmula 323 do STF, é a apreensão das mercadorias como meio coercitivo para o pagamento de tributos, quando a conduta não enlevar a pena de perdimento.
Dessa forma, exigir caução/garantia para a continuidade do despacho aduaneiro significa exigência de dupla causa suspensiva, assim como desrespeito à previsão contida no artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional, sendo certo que, a partir da lavratura do Auto de Infração, a autoridade aduaneira já deu andamento aos procedimentos necessários para ser ressarcida do valor que entende como devido.
Ademais, objetivando-se tão somente que não seja exigido o pagamento (ou caução/garantia) dos tributos tido como devidos em decorrência de reclassificação tributária promovida pelo Fisco, a qual sequer se mostra definitiva, em vista da discussão na via administrativa, reputa-se ilegítima a exigência de caução para fins de liberação da mercadoria retida por divergência de classificação fiscal.
(*) O autor é advogado, sócio do Escritório Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados, Especialista em Direito Tributário pela Unisul, Pós Graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, MBA em Gestão de Tributos pela Unicep, Presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB. augusto@fauvelmoraes.com.br