Milton Corrêa Ed. 1242
OPINIÃO: MAPARAJUBA FIRMEZA, UM ESTRATEGISTA DA CABANAGEM
Por: Manuel Dutra*
Os relatos históricos comprometidos ideologicamente com os vencedores da guerra da Cabanagem supervalorizam as causas do conflito como tendo sido resultado, apenas, de intrigas palacianas em que se debatiam as forças partidárias de então no centro de poder da Província, Belém. Só ultimamente pesquisadores vêm esmiuçando o grave episódio, na busca de suas raízes mais profundas, entre as principais, a posse da terra, vetada à população não branca.
A Cabanagem foi tão ou mais intensa no interior da Província, onde portugueses e seus descendentes mantinham, sob brutal exclusão, os estratos populacionais não brancos. Por isso, foi também no interior que se deram os mais duros confrontos causadores da monumental mortandade daquela guerra que se iniciou em 1835.
Um dos pontos interioranos que mais se destacaram na resistência às forças imperiais foi Cuipiranga, ou Ecuipiranga, como se denominava o vilarejo situado diante da baía formada pelos rios Arapiuns e Tapajós, hoje pertencente ao município de Santarém. Quem resgata a importância desse bastião é o historiador amazonense Arthur Cezar Ferreira Reis.
Segundo Reis, o padre Antônio Manuel Sanches de Brito, destacado legalista, assim escreveu ao comando militar, em Santarém, vila já retomada aos cabanos: “Aquela posição (Ecuipiranga) é mais difícil de combater que as suas redondezas, pelo Amazonas; é absolutamente impossível, pelas alturas do barranco onde os revoltosos tinham ninhos de armas”.
Quem visita Cuipiranga hoje percebe que houve uma inteligência destacada na montagem do bastião. Os cabanos instalaram postos de onde podiam ter o domínio visual completo de qualquer navio que se aproximasse, tanto pela parte do Rio Preto, como chamavam, então, o Tapajós, como pelos fundos da vila, nos barrancos do rio Amazonas.
O historiador João Veiga dos Santos, em seu livro Cabanagem em Santarém, afirma que “a famosa fortaleza de Ecuipiranga, o terrível espantalho dos legalistas, era comandada pelo notável líder cabano Miguel Apolinário Maparajuba”, que, segundo Veiga dos Santos, havia acrescentado a seu nome a alcunha Firmeza.
Diz, ainda, que “Maparajuba Firmeza era homem dotado de natural vivacidade e de tal e qual coragem”, forjado na luta e muito acatado pelos cabanos. Afirma também que “a figura de Maparajuba se projeta no cenário cabano da vila como homem esclarecido, preocupado com o bem-estar de todos, destruindo aquela imagem negativa do cabano como um facínora”, conforme afirmam muitos historiadores, imagem que vem sendo revista por pesquisadores contemporâneos.
A estratégia de Maparajuba Firmeza incluía viagens noturnas a Santarém, onde os cabanos aliciavam mestiços, negros e índios para a sua causa, inclusive para roubarem armas e munição do quartel da força legalista. Há dados que comprovam que os cabanos conseguiram aliciar um número impreciso de soldados das forças imperiais, obviamente, militares de patente inferior, pertencentes às mesmas classes oprimidas pelos brancos.
Antes da retomada de Santarém, os cabanos, apossados da principal vila do interior do Pará, provocaram a fuga de todas as autoridades, desde o juiz da comarca até o comandante local do destacamento da Guarda Nacional. Os revoltosos também adotaram medidas extremas, como revela Veiga dos Santos, matando tantos portugueses e descendentes quantos puderam, inclusive o grande comerciante local Miguel Pinto Guimarães, pai do futuro barão de Santarém, de mesmo nome.
Henry Bates, naturalista inglês que passou pela região anos mais tarde, anotou, embora exagerando, o que ouviu sobre a Cabanagem no Pará, que “todos os portugueses e aqueles que os defendiam foram brutalmente massacrados na guerra entre índios e brancos”. Nem foram “todos” os portugueses mortos nem a guerra era simplesmente entre índios e brancos.
Em diversas tentativas, os revoltosos repeliram os ataques dos soldados do governo. Santarém foi retomada no dia 4 de outubro de 1836, por uma tropa oficial de 105 soldados bem armados, mandados de Belém em três potentes escunas. No entanto Ecuipiranga continuou a resistir e somente foi dominada no dia 12 de julho de 1837. Pilhas de mortos ficaram nas cercanias da vila, sendo enterradas em valas comuns.
*Manuel Dutra – professor da Faculdade de Comunicação, jornalista, doutor em Ciências Socioambientais/NAEA/UFPA.