Por unanimidade, Sexta Turma do STJ decide libertar ex-presidente Michel Temer
Decisão liminar (provisória) também beneficiou coronel Lima, amigo do ex-presidente. Os dois são réus em ação penal que investiga desvios na construção da usina de Angra 3.
Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu liminarmente (provisoriamente) conceder habeas corpus e libertar o ex-presidente Michel Temer, preso na sede do Comando de Policiamento de Choque, da Polícia Militar, em São Paulo.
Os quatro ministros que votaram (Antônio Saldanha, Laurita Vaz, Rogério Schietti e Néfi Cordeiro) se manifestaram favoravelmente à libertação de Temer e do coronel João Baptista Lima Filho, ex-assessor e amigo pessoal do ex-presidente – outro integrante da turma, o ministro Sebastião Reis Junior se declarou impedido e não participou da sessão.
Com a decisão, Temer e Lima permanecem em liberdade pelo menos até o julgamento definitivo do mérito do habeas corpus, pela própria Sexta Turma, em data ainda não definida.
Os ministros que votaram na sessão desta terça se manifestaram pela substituição da prisão pelas seguintes medidas cautelares:
- proibição de manter contato com outros investigados;
- proibição de mudança de endereço e de se ausentar do país;
- entregar o passaporte;
- bloqueio dos bens até o limite de sua responsabilidade;
- não contato com pessoas jurídicas relacionadas ao processo;
- proibição de exercer funções de direção em órgãos partidários.
Temer e Lima são réus por corrupção, lavagem de dinheiro e peculato em uma ação penal que tramita no Rio de Janeiro e apura supostos desvios na construção da Usina Angra 3, operada pela Eletronuclear.
Os votos dos ministros
Antônio Saldanha – “Conquanto fundamentada, carece a prisão preventiva de necessidade”, afirmou ao votar o relator, ministro Antônio Saldanha.
Para Saldanha, “há de se exigir assim que o decreto de prisão preventiva venha sempre motivado e não fundado em meras conjecturas”.
O relator considerou que não há elementos que indiquem que Temer e Lima podem prejudicar as investigações. E afirmou que, por isso, os dois podem responder ao processo em liberdade.
Em seu voto, Saldanha destacou que os fatos sobre ambos são antigos e que Temer não tem mais cargo público para prejudicar o andamento da apuração.
“Frisa-se que além de razoavelmente antigos os fatos, o prestígio político não mais persiste, visto que o paciente Michel Temer deixou a Presidência da República no início desse ano e não exerce atualmente cargo público de destaque ou relevância nacional”, disse.
Saldanha considerou ainda que a “justa causa” que motivou o decreto de prisão preventiva de Temer e Lima foi formada especialmente pelas declaração de um delator premiado, o que não seria suficiente.
“A simples declaração acusatória, de pretenso colaborador da justiça, não pode ter ainda nenhum efeito de restrição sobre os direitos do acusado”, afirmou o ministro.
“Essa restrição cautelar à liberdade ainda requer a presença de prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria. Ocorre que a declaração do agente colaborador, por ocasião de celebração do acordo, não constitui tecnicamente esse requisito, não é prova e nem sequer um indício”, declarou Saldanha.
Laurita Vaz – Em seu voto, a ministra Laurita Vaz disse que a Corte deve se manter “firme” no combate à corrupção, mas que isso não pode se tornar uma caça às bruxas.
“Sem dúvida, não há outro caminho. O Brasil precisa ser passado a limpo e o Poder Judiciário possui importante papel nessa luta com isenção e austeridade. No entanto essa luta não pode ser transformar em caças as bruxas”, disse Laurita.
A ministra ressaltou que “para se considerar necessária prisão para garantia da ordem pública, a potencial ação delituosa deve denotar risco atual, não sendo bastante indicar supostas fraudes, já há muito concluídas sem nenhuma possibilidade de repetição de crimes na mesma espécie”. Segundo ela, “a despeito da gravidade, a existência de autoria, não há razão para impor prisão preventiva”, afirmou Laurita.
Rogério Schietti – O ministro Rogério Schietti deu o terceiro voto favorável à soltura de Temer. O magistrado afirmou que em nenhum momento a autoridade judiciária fez menção a fatos atribuídos a Temer que estariam voltados a atrapalhar as investigações.
“Penso que a análise da gravidade do crime, bem como as condições pessoais do paciente, autorizam (…) a conclusão ainda que provisória, porque estamos a julgar uma liminar, de suficiência de medidas alternativas à prisão preventiva”, afirmou Schietti.
O ministro destacou em seu voto que Temer tem 78 anos, é professor universitário e ex-presidente da República.
“O réu possui residência fixa, não há notícia de tentativa de fuga. Nos outros processos, não foi decretada prisão em cautelar, nem mesmo em janeiro deste ano, em processo que se poderia fazer isso, no Supremo Tribunal Federal, por fatos mais recentes. Demonstrou, mesmo após a decretação da prisão, respeito às instituições. Não interferiu, apresentou-se espontaneamente em juízo, e vem-se mantendo sereno e colaborativo nos processos”, disse Schietti.
O ministro sustentou que Temer está afastado das suas funções e não possui as mesmas facilidades para interferir na administração pública. “[A liberdade] não representa atestado de inocência ou chancela judicial pelas eventuais ilicitudes que tenha cometido”, declarou o ministro.
Nefi Cordeiro – O presidente da Turma, Néfi Cordeiro, foi o último a votar e também se manifestou pela soltura de Temer e Lima. Ele afirmou que colocar um réu em liberdade durante o processo não é impunidade, mas garantia.
Para Cordeiro, não se pode prender hoje, porque o risco de cometer delitos é antigo. O ministro lembrou que os últimos fatos imputados a ao ex-presidente no processo são de 2015. “Quatro anos após, sem mais desempenho de função pública não se justifica riscos de reiteração”, afirmou.
“Pelo mais relevante fato criminoso, merecerá aquele que vier a ser condenado a mais gravosa pena. Mas isso não lhe impede de responder ao processo em liberdade, com presunção de inocência”, declarou Néfi.
Segundo o ministro, “não se pode durante o processo prender pela gravidade abstrata do crime. Não se pode prender porque os fatos são revoltantes, porque o acusado é estrangeiro, rico ou influente. Não se pode durante o processo prender como resposta a desejos sociais”.
Quais são as investigações?
Temer é suspeito de liderar uma organização criminosa que, segundo o Ministério Público, teria negociado propina nas obras da usina nuclear de Angra 3, operada pela Eletronuclear. Lima e o o ex-presidente é acusado de ter cometido os crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.
A Operação Descontaminação teve como base a delação premiada de José Antunes Sobrinho, dono da empresa Engevix.
O empresário disse à PF que pagou R$ 1 milhão em propina, a pedido do coronel Lima, do ex-ministro Moreira Franco e com o conhecimento de Temer.
Segundo o MPF, propinas ao grupo de Temer somaram R$ 1,8 bilhão e incluem diversos crimes cometidos em órgãos públicos e empresas estatais.
O que argumentam as defesas?
A defesa de Temer afirma que o ex-presidente nunca praticou nenhum dos crimes narrados e que as acusações insistem em versões fantasiosas, como a de que Temer teria ingerência nos negócios realizados por empresa que nunca lhe pertenceu.
“Michel Temer não recebeu nenhum tipo de vantagem indevida, seja originária de contratação da Eletronuclear, seja originária de qualquer outra operação envolvendo órgãos públicos. Por isso, nunca poderia ter praticado lavagem de dinheiro ilícito, que nunca lhe foi destinado”, sustentam os advogados.
Cristiano Benzota, advogado de coronel Lima, classifica a ordem de prisão como “desnecessária e desarrazoada”.
“Chama a atenção o fato de a própria Procuradoria Geral da República ter opinado pela desnecessidade da prisão preventiva e requerido apenas a instauração de inquéritos”, afirmou Benzota.
Segundo o advogado, “não houve obstrução da justiça e coação de testemunhas; os investigados têm endereços certos e mais uma vez foram encontrados nos respectivos endereços”.
Fonte: G1 Brasília