Municípios paraenses devem R$ 5,9 bilhões para a Previdência
Somente duas cidades paraenses estão em dia com as contas de Previdência Social, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Um relatório divulgado pelo órgão apontou que, entre os 144 municípios paraenses, 142 apresentam dívidas que somam R$ 5,939 bilhões. O valor coloca o Pará em terceiro lugar no ranking dos Estados brasileiros que mais devem, atrás apenas da Bahia, com R$ 14,648 bilhões, e de São Paulo, com R$ 11,279 bilhões. A pesquisa foi desenvolvida com base em dados da Secretaria de Previdência, da Receita Federal do Brasil (RFB) e da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
Conforme explicado no relatório, o regime de Previdência Social é compulsório, ou seja, a contribuição é obrigatória aos trabalhadores, e a cobertura só é garantida em casos de incapacidade para o trabalho, idade avançada, tempo de contribuição, parto, adoção, prisão ou morte do segurado. De acordo com o contador Alex de Castro, o déficit público apresentado pelos municípios paraenses faz parte de um caminho hereditário e acumulativo de outras gestões, problemática que tem gerado falência pública a curto prazo.
“Para entender esse cenário, precisamos pensar em alguns pontos relevantes que influenciaram a situação. Um deles é a falta de investimento e incentivos para geração de emprego e renda, o que gera reflexo negativo na economia local, aliado aos reflexos da crise econômica no país, que diminuiu os recursos passados para os municípios”, comentou. No entanto, o mais agravante, segundo o especialista, é o excesso de contratações de pessoal. “Além de se tornar moeda de barganha eleitoral, há municípios em que a economia é gerada em torno do funcionalismo público. Isso leva à dependência econômica extrema”, disse. Também há a falta de expertise da administração pública, para Castro, no que se trata a gestão previdenciária, com falhas nas informações das obrigações municipais, o que ele acredita que ocasiona cobranças maiores para Previdência Social.
O aumento no número de pedidos de aposentadoria, por sua vez, também contribui para a dívida previdenciária dos municípios. De acordo com dados repassados pelo Ministério da Economia, foram registradas 235,4 mil solicitações de aposentadoria no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apenas em julho, um recorde para o ano. No mês anterior, foram 152,6 mil pedidos e, em janeiro, segundo maior resultado do ano, 183,2 mil. Para o governo, esse resultado é explicado pela digitalização dos serviços e pela votação da reforma da Previdência, aprovada em primeiro turno na Câmara Federal. Procurada pela reportagem, a equipe do INSS informou que o órgão enfrenta dificuldades na extração de dados regionais.
Crise previdenciária é nacional
Todos os problemas com a previdência nos municípios caracterizam uma crise no sistema nacional, que decorre de motivos como o envelhecimento gradativo da população, a redução do crescimento da população, a dificuldade de realizar mudanças ou ajustes nas regras de aposentadorias e mudanças no mercado de trabalho. Na avaliação do economista André Cutrim, a solução para tudo isso seria a adoção de uma reforma que fosse equilibrada e que mantivesse os direitos adquiridos pelos servidores estaduais.
Isso porque, segundo ele, o déficit da Previdência é causado pelo desequilíbrio financeiro do sistema previdenciário, quando a receita é menor que a despesa. Ou seja, parte da receita da seguridade social, ao invés de financiar as aposentadorias, é direcionada a outros fins ou utilizada como ativo financeiro disponível para outras fontes. “Isso transmite uma ideia vã de superávit primário alto, ao reduzir contabilmente a dívida líquida consolidada do Estado, que indica, falsamente, sustentabilidade nos indicadores”, destacou o especialista.
Outros fatores, ainda que menores, também afetam a situação dos municípios, tais como sonegação fiscal, irresponsabilidade tributária, fraudes e corrupção. Os impactos desses problemas na economia, de acordo com Cutrim, são o crescimento do endividamento, falta de recursos para a realização de investimentos em obras estruturantes e programas sociais e, principalmente, uma possibilidade significativa da economia entrar em colapso pelo não pagamento da Previdência Social.
Ainda de acordo com Castro, o Brasil tem aplicado, em média, 70% dos recursos públicos aos Estados e municípios. “Se não houver inclusão na reforma previdenciária, os gastos correntes com aposentadoria nos municípios só aumentarão e os investimentos em setor público diminuirão, ocasionando ainda mais endividamento dos municípios”, disse.
Equilíbrio nas contas ainda está distante
Falta de sistema de arrecadação própria; dificuldades no pagamento da Previdência; desequilíbrio na distribuição do ICMS, com recursos concentrados, principalmente, nas cidades com atividade mineradora ou hidrelétrica; e a responsabilidade de arcar com parte dos programas lançados pelo Governo Federal. Esses são apontados como alguns dos principais problemas que colocam grande parte dos municípios paraenses em dificuldade no equilíbrio de suas receitas. Na última semana, por exemplo, o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) divulgou que apenas 12, das 144 cidades paraenses, estavam regulares para o recebimento de recursos federais por meio de convênios. Isso significa que mais de 90% estão em situação irregular.
Os números foram obtidos a partir de consulta feita pelo TCM aos dados do portal eletrônico do Cadastro Único de Convênios (Cauc), serviço que reúne e disponibiliza informações acerca da situação de cumprimento de requisitos fiscais necessários à celebração de instrumentos para transferência de recursos do governo federal, pelos entes federativos, seus órgãos e entidades, e pelas organizações da sociedade civil.
“É a pura verdade o que o TCM apresenta, porque isso é fato. Existe uma transparência nas contas públicas, o TCM acompanha e fiscaliza esses municípios. Isso é histórico, não é uma coisa de hoje, os municípios têm enfrentado uma dificuldade grande no equilíbrio de suas receitas”, declarou Josenir Nascimento, secretário da Federação dos Municípios do Estado do Pará (Famep). Ele explica que, no Pará, a distribuição do ICMS é feita em função da Lei Complementar nº 63, que concentra recursos nos municípios que têm maior valor adicionado (corresponde às saídas, deduzidas as entradas ocorridas nos territórios de cada município). “Isso faz com que os municípios que tem concentração mineral e hidrelétrica concentrem um valor adicionado maior, mesmo que eles não arrecadem aquilo. Isso é um fato”, enfatizou.
Outro fator que, segundo ele, faz com que os municípios paraenses estejam nessa situação é a falta de sistema de arrecadação própria, que afeta grande parte das prefeituras paraenses. “Alguns não têm nem nota fiscal eletrônica. Para amenizar esse problema, a Famep disponibiliza de graça a esses municípios o sistema de arrecadação, porque o município precisa buscar receita própria”.
A maioria dos municípios paraenses, ainda de acordo com Josenir Nascimento, está com problemas no pagamento da Previdência. “Se não houver essa Reforma da Previdência e se não incluir os municípios eles vão continuar na mesma situação, atolados no caos. Alguns municípios têm previdência própria e conseguem escapar, mais ou menos”.
Outra situação apontada pelo secretário da Famep envolve os programas federais, que são subfinanciados pelo Governo Federal. “Um exemplo clássico é merenda escolar. O município gasta mais de dois reais por aluno, o Governo Federal paga 32 centavos, ou seja, cria um programa e subfinancia, mas quem paga a diferença é o Município”.
Apesar disso, ele enfatiza que o município não pode deixar de ter o programa da merenda escolar. “Isso é muito difícil para a Prefeitura, esses programas como merenda escolar, transporte escolar, Upas, creche, são todos subfinanciados. Ou seja, o município arca com 50% ou mais. Isso faz com que ele não tenha receita suficiente para fazer esse enfrentamento. Se não fossem os convênios, não conseguiria”.
Governo federal é flexível em algumas situações
O secretário da Federação dos Municípios do Estado do Pará (Famep), Josenir Nascimento, explica que os municípios têm sobrevivido por convênios graças a ajustes por parte do Governo Federal em alguns casos. “Por exemplo, teve essa que o orçamento foi aprovado e para a Região Amazônica não foi exigido o Cauc (Cadastro Único de Convênios), que era programa do PAC, então a maioria dos municípios fez convênios com o Governo Federal e assim vai escapando”, explicou. “Ás vezes, quando fica muito ruim, o Governo Federal acaba editando uma norma permitindo isso. Mas são medidas paliativas, o correto mesmo é o município ter receita”.
Segundo as informações divulgadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios, 91,66% dos municípios paraenses apresentam pendências junto ao Cauc, entre as obrigações de adimplência financeira, de prestação de contas de convênios já firmados, de informações de transparência de gastos públicos e de obrigações constitucionais ou legais. O Tribunal diz, ainda, que do total de municípios inadimplentes por estarem com documentações atrasadas, o principal motivo das pendências é a falta de encaminhamento do relatório de execução orçamentária, descumprimento com obrigações relacionadas à transparência pública, que atinge 110 cidades. O segundo motivo é a ausência de certidões relacionadas à dívida ativa e contribuições previdenciárias em 108 municípios.
“O TCM tem sido um grande parceiro, tem procurado ajudar, orientar e é parceiro nosso dessa situação que a gente vive, situação de penúria que estão não só os municípios paraenses, mas dos outros estados. Os órgãos de controle sabem o dia-a-dia dessas prefeituras e enxergam o quanto é difícil equilibrar as contas”, avalia Josenir.
Fonte: O Liberal