ARTIGO – A COBRANÇA DAS TAXAS DE ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO PELOS MUNICÍPIOS APÓS A EDIÇÃO DA MP 881/2019
Por MARO ANDERSON MARTINS PEREIRA*
Desde a edição da Medida Provisória 881/2019 – que acaba de ser convertida em lei ordinária, com a sanção pelo Presidente da República da lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, a qual instituiu a chamada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica –, vários artigos foram escritos acerca do tema, sendo que muita tinta foi gasta por aqueles que se esforçaram para tentar explicar (ou mesmo compreender) as mudanças trazidas por esse novo regramento legal.
No entanto, quase nada foi dito com relação à cobrança ou não de taxas pelos Municípios diante da ausência de necessidade de liberação de licença para atividades consideradas de baixo risco, que foi justamente uma das principais regras introduzidas pela MP 881 voltadas ao processo de abertura e ao funcionamento das empresas.
Nesse sentido, algumas reflexões podem surgir. Detenhamo-nos nestas duas: A nova regra introduzida pela MP 881 não fere a autonomia dos Municípios, sendo, portanto, inconstitucional? Seria legítima a exigência da taxa relativa ao alvará de funcionamento mesmo quando não há necessidade da concessão da licença municipal para funcionar?
Apesar de reconhecer que há forte argumentação feita por autoridades no assunto no sentido da inconstitucionalidade da norma, entendo que a União, longe de invadir a competência dos demais entes federativos, outra coisa não fez que não legislar sobre normas gerais de direito econômico, valendo-se da previsão contida no § 1º e no caput do art. 24 da Carta Republicana, vinculando as três esferas de governo (federal, estadual e municipal), num típico federalismo à brasileira, diferente do modelo clássico conhecido em outras nações.
Também não se sustenta a alegação de inconstitucionalidade do novel diploma legal sob o argumento de que a União, ao impor a dispensa de licenças para a abertura de empresas ou o funcionamento de atividades econômicas de baixo risco, acabou por limitar a competência tributária dos Municípios quanto à cobrança de taxas em função do poder de polícia dos órgãos municipais de fiscalização e licenciamento.
Contra esse pensamento, podemos invocar o entendimento exarado no parecer do deputado federal Jerônimo Goergen, relator da MP 881, que, ao analisar a compatibilidade e a adequação orçamentária e financeira da proposta, justificou que a medida, ao “assegurar aos particulares maior liberdade, poupa o Estado de despender, seus parcos recursos, com atos públicos de liberação de atividades de baixo risco. Sua aplicação leva, assim, até mesmo à economia de recursos públicos.”
O entendimento do relator – com o qual concordamos –coaduna-se com a natureza contraprestacional apresentada pelas taxas, que – ao contrário dos impostos – somente dão ensejo à cobrança se existir uma atuação estatal (prestação de serviço público ou poder de polícia) em prol do sujeito passivo da exação, como ocorre no caso da expedição do alvará de funcionamento anual às empresas, que remuneram (contraprestação) a municipalidade pelo dispêndio sofrido por esta com a emissão do documento.
Ademais, nos termos do art. 3º, § 1º (incisos I a III) da mencionada lei nº 13.874/2019, cabe aos próprios Municípios a definição das atividades que devam ser consideradas como sendo de baixo risco, ficando tal tarefa a cargo da União somente na hipótese de ausência de norma municipal nesse sentido.
Logo, em não havendo justo pressuposto para a realização do ato público (concessão da licença), devido o baixo risco da atividade econômica, não haverá justificativa para a exigência da correspondente taxa, pois a atividade estatal é uma conditio sine qua non para a cobrança do tributo.
Também se mostra improcedente a afirmação de que a introdução de normas gerais de direito econômico por meio de lei editada pela União, criando regra que dispense a emissão de licença para atividades de baixo risco, viola o Texto Maior por limitar a competência tributária dos Municípios.
Ora, como é consabido, o direito tributário é um direito de sobreposição, na medida em que utiliza conceitos e institutos dos outros ramos da ciência jurídica, como o direito civil, o direito empresarial e o direito econômico.
Assim sendo, não há problemas de ordem jurídica em limitar a competência tributária municipal com a veiculação de normas gerais de direito econômico (art. 24, I e § 1º, CF/88), dada a natureza sobreposta do direito tributário em relação aos demais campos da ciência jurídica. Se assim o fosse, o legislador civil igualmente estaria, por exemplo, proibido de alterar o conceito de propriedade ou a definição de imóvel, visto que isso poderia implicar tanto na restrição como na ampliação da competência tributária dos entes que arrecadam os impostos como o IPTU, o ITR ou o ITBI.
Com efeito, o critério constitucional que norteia a distribuição da competência tributária atinente às taxas está diretamente relacionado às atribuições político-administrativas dos entes federativos, de forma que, se determinada atividade não estiver compreendida no âmbito das funções estatais – como é o caso das atividades classificadas como de baixo risco, que não mais se sujeitam ao controle dos órgãos públicos –, não haverá justo motivo para a cobrança de exação, pois não houve atuação por parte do Estado.
Nesse sentido, dispõe o Código Tributário Nacional:
Art. 80. Para efeito de instituição e cobrança de taxas, consideram-se compreendidas no âmbito das atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, aquelas que, segundo a Constituição Federal, as Constituições dos Estados, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e a legislação com elas compatível, competem a cada uma dessas pessoas de direito público.
Por todo o exposto, pode-se concluir pela constitucionalidade da lei nº 13.874/2019, na parte em que esta cria regras para que os entes estatais (incluindo aí os municípios) estejam impedidos de exigir licenças para a abertura e o funcionamento de atividades consideradas de baixo risco, ficando proibida, também e consequentemente, a cobrança de quaisquer taxas relativas à vistoria, fiscalização ou licenciamento dessas atividades.
Santarém – Setembro de 2019
*Auditor-Fiscal do Município de Santarém (PA)
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA)
Especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera/Uniderp
RG 15 / O Impacto
Muito bom – este artigo.
O texto acima desconfigurou um pouco na postagem.
Lei 13.874
Art. 3º § 2º § A fiscalização do exercício do direito de que trata o inciso I do caput deste artigo será realizada posteriormente, de ofício ou como consequência de denúncia encaminhada à autoridade competente.
Data venia, discordo, não fez é o que a leitura total da lei 13.874/2019 traduz.
Alega o texto que não haverá mais a atuação estatal. Incorre em equívoco neste ponto, haverá sim, pois o próprio texto da lei prevê que a verificação dos requisitos de enquadramento na atividade de baixo risco (e como vimos são muitos requisitos previstos na própria lei) serão aferidos posteriormente, de ofício ou sob denúncia.
Ora bolas, se as atividades de baixo risco, poderão sofrer denuncia de terceiros, tal denúncia será realizado ao poder público municipal, que deverá ter aparato disponível para realizar tal fiscalização, tal atendimento da denúncia.
E portanto, tendo o aparato disponível para o munus público, a jurisprudência autoriza a cobrança da taxa.
TEmos o hábito de achar que pagamos pela taxa de alvará, para retirar o álvara. Mas o que legitima o poder público municipal a lançar as taxas são o efetivo poder de polícia administrativa, e este, a meu ver, pode e deve continuar, nem que seja preventivamente.
Veja-se uma mercearia, é baixo risco, mas tenho risco sanitário, deverá sim a VISA aferir se as melhores práticas estão sendo observadas.
Fizemos parecer acerca do tema.
As atividades econômicas de baixo risco e as exigências de inscrição cadastral mobiliária,
alvará de licença e funcionamento, taxa de licença e localização e taxa de fiscalização sanitária
1 Introdução
Com a Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, pretende o Governo Federal proteger a livre iniciativa e o livre desempenho do ofício do particular, dispondo sobre a atuação do Estado enquanto agente normativo e regulador (art. 1º, caput e 2º, III), simplificando o registro e a legalização do exercente de atividade econômica e estabelecendo direitos e garantias (arts. 3º e 4º).
Tais normas devem ser observadas na aplicação e interpretação dos seguintes ramos jurídicos: civil, empresarial, econômico, urbanístico e trabalhista, bem como no que se refere à ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente (art. 1º, § 1º).
Vemos, pois, o caráter específico e taxativo da legislação em destaque: dentre as exigências que até então formavam o procedimento de registro e licenciamento da pessoa física/jurídica, somente algumas (as atinentes aos ramos jurídicos e matérias elencados no § 1º do art. 1º) são atingidas pela simplificação instituída via Lei nº 13.874/19.
A reforçar essa taxatividade, temos o § 3º do art. 1º, o qual expressamente exclui do campo de aplicação da lei os temas afetos a direito tributário e direito financeiro1.
Tendo em vista a importância do regramento em tela e o impacto do mesmo sobre o procedimento de inscrição e cadastro estabelecido pelo Poder Público Municipal, elaboramos este trabalho, com o objetivo de verificar se, a partir da vigência da lei ordinária em tela, são legítimas as exigências de inscrição no cadastro mobiliário, obtenção do alvará de licença e funcionamento e recolhimento da taxa de licença e localização e da taxa de fiscalização sanitária antes do exercício da atividade econômica classificada como de baixo risco.
Este é o caminho delineado no presente: partindo do texto legal, empregamos as técnicas de interpretação jurídica e, junto com o exame da norma regulamentadora, construímos o raciocínio no sentido de se entender o cabimento ou não, de forma prévia, de cada uma das exigências citadas no parágrafo anterior.
2 A determinação do artigo 3º, I, da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019
Assim estabelece o inciso I do art. 3º da lei ordinária em estudo:
Art. 3º. São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal2:
I – desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de liberação da atividade econômica. (grifos nossos)
Interessante que essa norma, aparentemente simples e de fácil leitura e entendimento, requer exatamente o contrário. Apenas um trabalho cauteloso e acurado de interpretação e análise possibilita a extração do verdadeiro sentido e alcance do que determina o enunciado.
Para facilitar a compreensão, vamos abordar primeiramente duas expressões-chave do texto legal: “atividade econômica de baixo risco” e “liberação da atividade econômica”.
3 Atividade econômica de baixo risco
A classificação como “atividade econômica de baixo risco”, segundo o § 1º do art. 3º da Lei nº 13.874/19 depende de legislação específica estadual, distrital ou municipal (inciso I, in fine). Não havendo essa normatização pelo Estado/Distrito Federal/Município, compete tal mister ao Poder Executivo federal (inciso I, primeira parte). Por fim, e se omissos o Estado, o Distrito Federal, o Município e também o Executivo da União, a matéria pode ser objeto de resolução do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM (inciso II).
Nesse aspecto, foi editada pelo Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM a Resolução nº 51, de 11 de junho de 20193, cuja aplicação nacional foi reforçada por meio do Ofício SEI nº 17429/2019/ME, do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI).
Antes, porém, de aprofundamento na resolução em destaque, uma breve análise do conceito de “liberação da atividade econômica”.
4 Liberação da atividade econômica
Ao contrário de “baixo risco”, a definição de “liberação da atividade econômica” está na própria Lei nº 13.874/19:
Art. 1º […]
§ 6º. Para fins do disposto nesta Lei, consideram-se atos públicos de liberação a licença, a autorização, a concessão, a inscrição, a permissão, o alvará, o cadastro, o credenciamento, o estudo, o plano, o registro e os demais atos exigidos, sob qualquer denominação, por órgão ou entidade da administração pública na aplicação de legislação, como condição para o exercício de atividade econômica, inclusive o início, a continuação e o fim para a instalação, a construção, a operação, a produção, o funcionamento, o uso, o exercício ou a realização, no âmbito público ou privado, de atividade, serviço, estabelecimento, profissão, instalação, operação, produto, equipamento, veículo, edificação e outros. (grifo nosso)
Importante perceber que a lei ordinária desenha o direito à “liberdade econômica” a partir da delimitação do papel estatal de regulador do mercado: primeiro trata dos atos dos órgãos públicos (art. 1º, § 6º); depois consagra o direito ao exercício de atividade econômica de baixo risco independentemente de atos públicos de liberação (art. 3º, I).
Ou seja: a necessidade de se simplificar e melhor adequar o tratamento conferido pelos entes federados àquele que pretende exercer seu ofício surge como produto da observância e do estudo do rito então adotado.
E se o tratamento da questão parte dos deveres e obrigações do particular (“exigências a serem cumpridas”) para então atingir os direitos do mesmo4 – e tendo em vista que nenhum direito é absoluto -, a primeira e importante conclusão é: não veio a Lei nº 13.874/19 abolir toda e qualquer exigência burocrática, mas tão somente simplificar o processo de inscrição do particular cujo ofício não vai trazer à sociedade mais e maiores riscos do que os comuns a todo empreendimento/à respectiva categoria de atividades.
Nesse sentido, o parágrafo único do art. 1º da Resolução CGSIM nº 51/19:
Art. 1º. […]
Parágrafo único. A dispensa de atos públicos de liberação da atividade econômica não exime as pessoas naturais e jurídicas do dever de se observar as demais obrigações estabelecidas pela legislação. (grifos nossos)
Especificamente quanto ao alcance de “atos públicos de liberação da atividade econômica” (e da simplificação estabelecida pela lei ordinária em análise), o disposto pela resolução do CGSIM ao conceituar o termo “licenciamento”:
Art. 8º A Resolução nº 22, de 22 de junho de 2010, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2º. […]
XII – licenciamento: o procedimento administrativo em que o órgão regulador avalia e verifica o preenchimento de requisitos de segurança sanitária, controle ambiental, prevenção contra incêndios e demais requisitos previstos na legislação para autorizar o funcionamento de empresário individual, de EIRELI, de sociedade empresária ou de sociedade simples, excepcionado o procedimento vinculado à concessão de uso de espaço público. O licenciamento é posterior à emissão do parecer de viabilidade, registro empresarial e inscrições tributárias. (grifos nossos)
Logo, quando o art. 3º, I, da Lei nº 13.874/19 determina que a atividade econômica de baixo risco pode ser desenvolvida independentemente de atos públicos de liberação, o comando legal é: se de “baixo risco” o mister, não podem a União, o Estado, o Município exigir, para o exercício daquele, obrigações que se enquadrem na definição de “licenciamento”.
Em outras palavras: não pode a Administração Pública, como condição para o desempenho do ofício, exigir inscrições/registros em órgãos reguladores ou cadastros dos quais, a princípio, dependeriam a regularidade desse trabalho.
Neste ponto, fazemos três alertas: exigências tributárias e financeiras não são excluídas pelas normas da lei ordinária e da resolução em estudo5; continua imprescindível o licenciamento profissional nos casos em que assim estabelecido por lei federal (salvo se ato normativo da própria entidade ou conselho de classe dispor o contrário)6; e licenciamento não se confunde com parecer de viabilidade, registro empresarial e inscrições tributárias7.
Ainda, e conforme a Lei nº 13.874/19, não pode o ente federado criar embaraço ao desenvolvimento da atividade de baixo risco, nem impedir que o estabelecimento venha a funcionar.
5 A classificação das atividades econômicas segundo a Resolução CGSIM nº 51, de 11 de junho de 2019
Diante do art. 3º, § 1º, II, da Lei nº 13.874/19, debruçou o Comitê para Gestão da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM sobre a tarefa de delimitar as “atividades econômicas de baixo risco”, pelo que, editando a Resolução nº 51/198, trouxe os conceitos e as condições para que o exercente do ofício faça jus à garantia estabelecida no art. 3º, I, da lei ordinária.
Foram as atividades divididas em três grupos, conforme o risco em prevenção contra incêndio e pânico e de acordo com os riscos atinentes à segurança sanitária, ambiental e econômica9:
GRUPO DE ATIVIDADES
Baixo risco
(“Baixo risco A”)
Médio risco
(“Baixo risco B”)
Alto risco
CLASSIFICAÇÃO
Preenchimento dos requisitos do art. 3º.
Ofícios não classificados como “baixo risco A” nem como alto risco E que se enquadrem no art. 7º da Lei Complementar Nacional nº 123/0610 ou no art. 6º da Lei Federal nº 11.598/0711 (art. 2º, II).
Ocupações profissionais sujeitas a exigências de segurança sanitária, metrologia, controle ambiental e prevenção contra incêndios, na forma da legislação aplicável (art. 1º, III).
EFEITOS DA CLASSIFICAÇÃO
Dispensa de atos públicos de liberação (art. 1º, I), cabendo apenas posterior fiscalização para fins de enquadramento no grupo (art. 1º, § 1º).
Após o ato de registro, automática emissão de licenças, alvarás e similares de caráter provisório para início da operação do estabelecimento (art. 1º, II). Sujeitam-se a vistoria posterior para o exercício contínuo e regular da atividade (art. 1º, § 2º).
Sujeição aos requisitos da respectiva legislação (art. 1º, III), cabendo ainda vistoria prévia para início da operação do estabelecimento
(art. 1º, § 3º).
Diante da especificidade que envolve a categoria “baixo risco”/”baixo risco A”, passamos a uma análise mais pormenorizada da mesma.
6 Atividades econômicas de “baixo risco” (“baixo risco A”)
Estão no art. 3º da Resolução CGSIM nº 51, de 11 de junho de 2019, os parâmetros para que uma atividade se enquadre no grupo a que se refere o inciso I do art. 2º da mesma resolução e, assim, faça jus o particular ao início do desenvolvimento do mister independentemente de atos públicos de liberação (art. 3º, I, da Lei nº 13.874/19).
Importante salientar que a classificação do ofício no grupo em destaque visa ao “efeito específico e exclusivo de dispensar a necessidade de atos públicos de liberação da atividade econômica” (art. 2º, I e art. 3º, caput, ambos da Resolução CGSIM nº 51/19), não interferindo, portanto, em outras análises de “risco da ocupação profissional”, as quais devem observar a respectiva legislação aplicável.
O enquadramento como “baixo risco” (“baixo risco A”) pode se dar em três situações (às quais denominamos neste trabalho de “regra geral”, “zona urbana” e “residual”), conforme detalhado nos tópicos seguintes.
6.1 Atividade econômica de “baixo risco” ou “baixo risco A” – “regra geral”
Em primeiro lugar, e conforme incisos I e II do caput do art. 3º da Resolução CGSIM nº 51/19, é considerado de “baixo risco A” o desenvolvimento de mister que se qualifique como de baixo risco ou “baixo risco A” em prevenção de incêndio e pânico E que receba a mesma classificação no que tange à segurança sanitária, ambiental e econômica.
De acordo com o art. 4º da resolução, o enquadramento como “baixo risco A” em prevenção de incêndio e pânico demanda que a atividade seja desempenhada:
* na residência do empreendedor, sem recepção de pessoas (inciso I); OU
* em edificação diversa da residência, não podendo a área total usada para esse fim ser superior a 200 m2 – duzentos metros quadrados – (inciso II).
Em sendo a atividade realizada em edificação diversa da residência, além do limite máximo da área ocupada, necessário que:
– a edificação não conte com mais de três pavimentos (alínea “a” do inciso II);
– se local de reunião de público, a lotação máxima não supere 100 (cem) pessoas (alínea “b” do inciso II);
– não exista subsolo com uso distinto de estacionamento (alínea “c” do inciso II);
– não haja líquido inflamável ou combustível acima de 1.000 (um mil) litros (alínea “d” do inciso II); E
– não possua o imóvel gás liquefeito de petróleo (GLP) acima de 190 (cento e noventa) quilogramas (alínea “e” do inciso II).
Por sua vez, são de baixo risco ou “baixo risco A” em questões sanitárias e ambientais os ofícios discriminados no anexo I da própria Resolução CGSIM nº 51/1912.
Para melhor visualização da matéria ora abordada, o quadro abaixo:
ATIVIDADES DE “BAIXO RISCO” OU “BAIXO RISCO A” – “regra geral”:
PRIMEIRO REQUISITO: Baixo risco ou “baixo risco A” em prevenção contra incêndio ou pânico.
SEGUNDO REQUISITO: Baixo risco ou “baixo risco A” quanto a segurança sanitária, ambiental e econômica.
SATISFAÇÃO DO
PRIMEIRO REQUISITO:
* Ofício na residência do empreendedor, sem recepção de pessoas; OU
* Desenvolvimento do mister em edificação diversa da residência, com área ocupada de até 200 m2, desde que:
– máximo de três pavimentos na edificação;
– se local de reunião de público, lotação máxima não superior a 100 pessoas;
– não exista subsolo com uso distinto de estacionamento;
– não haja líquido inflamável ou combustível acima de 1000 litros; e
– não possua o imóvel gás liquefeito de petróleo (GLP) acima de 190 quilogramas.
SATISFAÇÃO DO
SEGUNDO REQUISITO:
O mister desenvolvido encontra-se relacionado no anexo I da Resolução CGSIM nº 51/19.
6.2 Atividade econômica de “baixo risco” ou “baixo risco A” – “zona urbana”
O § 1º do art. 3º da norma regulamentadora do CGSIM dispõe que, caso a atividade econômica seja explorada em zona urbana, ALÉM DOS REQUISITOS GERAIS para a classificação como “baixo risco A”, devem ser atendidas as seguintes condições:
* se exercido o mister em estabelecimento físico, esteja o local plenamente regular, conforme determinações do zoneamento urbano aplicável, salvo, e em virtude do inciso I do parágrafo único do artigo 7º da Lei Complementar Nacional nº 123/0613, se o exercente for microempreendedor individual, microempresa ou empresa de pequeno porte (inciso I); OU
* ocupação profissional desenvolvida em estabelecimento inócuo, considerando-se como tal a residência do empresário, titular ou sócio, sem grande circulação de pessoas (inciso II, “a”); OU
* ofício desempenhado de forma digital, ou seja, sem a necessidade de estabelecimento físico para a operação (inciso II, “b”).
O quadro a seguir sintetiza o raciocínio deste tópico:
ATIVIDADES DE “BAIXO RISCO” OU “BAIXO RISCO A” – “zona urbana”:
PRIMEIRA CONDIÇÃO: Baixo risco ou “baixo risco A” em prevenção contra incêndio ou pânico.
SEGUNDA CONDIÇÃO: Baixo risco ou “baixo risco A” quanto a segurança sanitária, ambiental e econômica.
TERCEIRA CONDIÇÃO: Desenvolvimento do ofício em área urbana regular ou em estabelecimento inócuo ou virtual.
ATENDIMENTO À PRIMEIRA CONDIÇÃO:
* Ofício na residência do empreendedor, sem recepção de pessoas; OU
* Desenvolvimento do mister em edificação diversa da residência, com área ocupada de até 200 m2, desde que:
– máximo de três pavimentos na edificação;
– se local de reunião de público, lotação máxima não superior a 100 pessoas;
– não exista subsolo com uso distinto de estacionamento;
– não haja líquido inflamável ou combustível acima de 1000 litros; e
– não possua o imóvel gás liquefeito de petróleo (GLP) acima de 190 quilogramas.
ATENDIMENTO À
SEGUNDA CONDIÇÃO:
O mister desenvolvido encontra-se relacionado no anexo I da Resolução CGSIM nº 51/19.
ATENDIMENTO À
TERCEIRA CONDIÇÃO:
– Atividade realizada em estabelecimento físico plenamente regular, conforme determinações do zoneamento urbano aplicável, EXCETO, e em virtude do artigo 7º da Lei Complementar Nacional nº 123/06, se o exercente for microempreendedor individual, microempresa e empresa de pequeno porte; OU
– Mister desempenhado em estabelecimento inócuo (residência do empresário, titular ou sócio, sem grande circulação de pessoas); OU
– Ofício explorado em estabelecimento virtual (sem a necessidade de estrutura física para a operação).
6.3 Atividade econômica de “baixo risco” ou “baixo risco A” – “residual”
Traz ainda a norma regulamentadora em estudo um conceito residual de ocupação profissional de “baixo risco A”. Veja:
Art. 3º. […]
§ 2º Consideram-se também de baixo risco ou de “baixo risco A”, para os fins do caput, todas as demais atividades econômicas que, independentemente de sua natureza, forem assim classificadas pelos próprios órgãos responsáveis pela emissão do respectivo ato público de liberação. (grifos nossos)
Logo, o enquadramento como “baixo risco A” pode ainda decorrer de ato do órgão público ao qual compete autorizar o desempenho do mister.
Ou seja, a critério da autoridade competente (e independentemente de observância dos incisos I e II do caput e dos incisos I e II do § 1º), o exercício de qualquer atividade pode ser considerado como de “baixo risco” ou “baixo risco A” e, por consequência, ter o seu exercente o direito à dispensa de atos públicos de liberação.
ATIVIDADES DE “BAIXO RISCO” OU “BAIXO RISCO A” – “residual”:
REQUISITO: Entendimento do órgão responsável pela emissão do ato público de liberação.
PREENCHIMENTO DO REQUISITO:
A autoridade competente, ao analisar as circunstâncias de desenvolvimento do mister, entende que este não traz riscos que justifiquem uma maior burocracia e, portanto, merece a pessoa física/jurídica o tratamento diferenciado de dispensa de atos públicos de liberação da atividade econômica.
7 Retomando o art. 3º, I, da Lei nº 13.874/19
Detalhadas as expressões-chave “atividade econômica de baixo risco” e “liberação da atividade econômica”, prosseguimos na interpretação do inciso I do art. 3º da lei ordinária.
Lembrando que assim reza o mencionado dispositivo legal:
Art. 3º. São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição14:
I – desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de liberação da atividade econômica. (grifos nossos)
Antes de mais nada, importante observar que são dois os parâmetros para que se faça jus à “dispensa de atos públicos de liberação”: atividade econômica de baixo risco e propriedade privada própria ou de terceiros consensuais.
Sobre o primeiro, e como já exposto ao longo deste trabalho, o ofício a ser desenvolvido precisa atender às condições do art. 3º da Resolução CGSIM nº 51/19.
Em relação ao segundo (“propriedade privada própria ou de terceiros consensuais”), vemos que a utilização de prédio público ou de imóvel com turbação de posse, por exemplo, são incompatíveis com o estabelecido pela medida provisória.
O local de exercício da atividade deve ser, portanto, privado, da própria pessoa exercente ou de terceiros, sendo que, no último caso, deve haver, para o uso da edificação, anuência de quem detém os direitos sobre o imóvel.
Qualquer litígio que verse acerca da (i)legitimidade da ocupação do imóvel para fins de exercício da atividade econômica impossibilita o tratamento diferenciado de “dispensa de atos públicos de liberação”.
Logo, dispensadas as burocracias referentes a “licenciamento”/“atos públicos de liberação da atividade econômica” SE E SOMENTE SE atendidos os requisitos do art. 3º da Resolução CGSIM nº 51/19 E se utilizado imóvel privado não litigioso.
8 Inscrição no cadastro mobiliário municipal, alvará de licença e funcionamento, taxa de licença e localização, taxa de fiscalização sanitária e Lei nº 13.874/19
Esclarecidas as condições para que se possa usufruir da garantia de “dispensa de atos públicos de liberação da atividade econômica” (baixo risco desta e desempenho em propriedade privada própria ou de terceiros consensuais), passamos ao objetivo específico deste trabalho: analisar se, a partir da vigência da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, são legítimos, enquanto deveres impostos pelo Poder Público Municipal, a inscrição no cadastro mobiliário, a obtenção do alvará de licença e funcionamento e o recolhimento da taxa de licença e localização e da taxa de fiscalização sanitária.
São, portanto, estes os questionamentos a serem enfrentados:
* O inciso I do art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, impede que se exija daquele que desenvolverá atividade de baixo risco a inscrição no cadastro mobiliário municipal?
* O inciso I do art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, impede que se exija daquele que desenvolverá atividade de baixo risco o alvará de licença e funcionamento?
* O inciso I do art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, impede que se exija daquele que desenvolverá atividade de baixo risco o recolhimento da taxa de licença e localização e da taxa de fiscalização sanitária?
As respostas – e a fundamentação de cada uma – estão anotadas nos tópicos a seguir.
8.1 O inciso I do art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, impede que se exija daquele que desenvolverá atividade de baixo risco a inscrição no cadastro mobiliário municipal?
Primeiramente, importante lembrar a norma do § 6º do art. 1º da Lei nº 13.874/19 e o conceito de “licenciamento” trazido pelo art. 8º da Resolução CGSIM nº 51/19.
O que reza a lei ordinária:
Art. 1º […]
§ 6º. Para fins do disposto nesta Lei, consideram-se atos públicos de liberação a licença, a autorização, a concessão, a inscrição, a permissão, o alvará, o cadastro, o credenciamento, o estudo, o plano, o registro e os demais atos exigidos, sob qualquer denominação, por órgão ou entidade da administração pública na aplicação de legislação, como condição para o exercício de atividade econômica, inclusive o início, a continuação e o fim para a instalação, a construção, a operação, a produção, o funcionamento, o uso, o exercício ou a realização, no âmbito público ou privado, de atividade, serviço, estabelecimento, profissão, instalação, operação, produto, equipamento, veículo, edificação e outros. (grifos nossos)
Por sua vez, a definição contida na resolução do CGSIM:
Art. 8º A Resolução nº 22, de 22 de junho de 2010, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2º. […]
XII – licenciamento: o procedimento administrativo em que o órgão regulador avalia e verifica o preenchimento de requisitos de segurança sanitária, controle ambiental, prevenção contra incêndios e demais requisitos previstos na legislação para autorizar o funcionamento de empresário individual, de EIRELI, de sociedade empresária ou de sociedade simples, excepcionado o procedimento vinculado à concessão de uso de espaço público. O licenciamento é posterior à emissão do parecer de viabilidade, registro empresarial e inscrições tributárias. (grifos nossos)
Os dispositivos legais transcritos, apesar das peculiaridades em suas redações, indicam o mesmo: “atos públicos estabelecidos como condição para o desenvolvimento de determinada atividade econômica, os quais são exigidos em virtude dos riscos que o mister traz à sociedade”.
Esses “atos públicos” são os procedimentos que, diante dos riscos específicos e gravosos da atividade (sanitários, ambientais, atinentes a incêndio, etc), demandam uma maior burocracia, com análise acurada pelos diversos órgãos responsáveis pelo controle, prevenção, minimização e eliminação desses riscos.
Como sabemos, nem toda ocupação profissional tem “riscos específicos e gravosos”, havendo as que possuem apenas os riscos normais de todo e qualquer empreendimento e as que apresentam somente os riscos comuns a toda a classe de atividades a que pertencem, pelo que, em relação aos dois casos mencionados (riscos gerais e riscos de todo o grupo), não é razoável que a Administração Pública, na análise do mister que será desenvolvido, submeta o particular a análises mais específicas e mais burocráticas envolvendo vigilância sanitária, setor de meio ambiente, fiscalização de posturas, corpo de bombeiros militar e outros órgãos de fiscalização e controle.
Não podem, pois, os órgãos públicos adotarem procedimento mais complexo, exigir documentação/registros/cadastros específicos, impedir a operação ou fechar o estabelecimento no qual se desenvolve atividade cujos únicos riscos são os normais de qualquer ofício e/ou os inerentes a toda a categoria profissional.
Portanto, e tendo em vista que “os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais, desigualmente”, este foi o raciocínio do elaborador do art. 3º, I, da Lei nº 13.874/19: as exigências mais específicas e complexas devem ser observadas somente quando a atividade a ser explorada acarretará à sociedade riscos mais específicos e de maior dimensão. Do contrário, o rito deve ser simplificado.
De fato, e porque que toda atividade apresenta riscos (sejam “gerais”, “da classe” ou “próprios”), é razoável que algumas burocracias recaiam sobre todo aquele que se propõe ao desenvolvimento de atividade econômica.
E a imposição geral de encargo apenas se justifica caso as circunstâncias que permeiam o desenvolvimento do ofício em nada influenciem a estipulação desse dever – exatamente o caso da inscrição no cadastro mobiliário do Município.
Ora, tendo sido instituída no interesse da arrecadação e da fiscalização dos tributos, a exigência de inscrição mobiliária recai sobre todos, independentemente se a atividade configura ou não prestação de serviços.
E porque o cadastro mobiliário municipal é único e tem finalidades arrecadatória e fiscalizatória, razoável que o mesmo tratamento seja dado a todos os que pretendem desenvolver atividade econômica – seja esta qual for (“tratar os iguais igualmente”).
Assim, e porque a inscrição no cadastro mobiliário do Município é obrigação de natureza tributária15, perfeita a sua exigência para o desempenho de atividade econômica, independentemente das peculiaridades desta.
Ainda, salientamos que a própria Resolução CGSIM nº 51/19, ao definir “licenciamento” (e, por consequência, “atos públicos de liberação da atividade econômica”), esclareceu que “O licenciamento é posterior à emissão do parecer de viabilidade, registro empresarial e inscrições tributárias”.
Não configura, pois, ato de licenciamento – e de liberação da atividade econômica – a inscrição no cadastro mobiliário do Município, pelo que esta não se confunde com o “cadastro” a que se refere o § 6º do art. 1º da lei ordinária.
Logo, o inciso I do art. 3º da Lei nº 13.874/19 NÃO impede que se exija, para o desempenho de mister de baixo risco, a inscrição no cadastro municipal.
8.2 O inciso I do art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, impede que se exija daquele que desenvolverá atividade de baixo risco o alvará de licença e funcionamento?
Antes de mais nada, e apesar de, na prática, intimamente ligados, o alvará de licença e funcionamento não se confunde com a inscrição no cadastro mobiliário municipal.
Trata-se a segunda, conforme abordagem anterior, de dever tributário acessório único a todos estabelecido, no interesse da arrecadação e da fiscalização tributária.
Por sua vez, está o documento “alvará” relacionado ao direito administrativo, uma vez que é a cártula pela qual se materializa a licença concedida pelo Município para o desempenho de atividade comercial, industrial, de serviço.
Destacamos que “licença” e “alvará” estão expressamente mencionadas no § 6º do art. 1º da Lei nº 13.874/19, integrando, dessa forma, a listagem dos chamados “atos públicos de liberação da atividade econômica”.
Ainda, observamos que a cártula “alvará” possui relação direta com o tema de ordenação pública, especialmente sobre as matérias: exercício das profissões, comércio e registros públicos16.
A partir dos §§ 1º e 6º do art. 1º da Lei nº 13.874/19, e em uma leitura sistemática desse diploma legal, concluímos que o alvará, por manifestar a licença para funcionamento, não pode ser exigido nos casos em que o mister for enquadrado como “de baixo risco” (“baixo risco A”, na linguagem da norma regulamentadora)17.
Assim, o inciso I do art. 3º da Lei nº 13.874/19 impede que se exija da pessoa física/jurídica que desenvolverá atividade de baixo risco a posse do alvará de licença e funcionamento.
8.3 O inciso I do art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, impede que se exija daquele que desenvolverá atividade de baixo risco o recolhimento da taxa de licença e localização e da taxa de fiscalização sanitária?
Em primeiro lugar, esclarecemos que a taxa de licença e localização, muitas vezes chamada no dia a dia de “taxa de alvará”18 e a taxa de fiscalização sanitária, comumente denominada de “taxa de alvará sanitário”19 nada têm a ver com o alvará de funcionamento.
É o alvará de funcionamento (como já explicado anteriormente) a materialização da licença concedida pelo Município para o desenvolvimento da atividade pelo particular, enquanto que a taxa de licença e localização e a taxa de fiscalização sanitária são tributos devidos em virtude do exercício regular do poder de polícia municipal.
Ensina o art. 78 do Código Tributário Nacional que:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. (grifos nossos)
A taxa de licença e localização foi instituída por meio dos arts. 227/236 do Código Tributário Municipal e a taxa de fiscalização sanitária, pelos arts. 254/264 do Código de Vigilância em Saúde Municipal; ambos os casos com a devida observância do art. 145, II, da Constituição Federal20; dos arts. 77/78 e 80, todos do Código Tributário Nacional21 e do art. 90, V, da Lei Orgânica do Município de Itaúna22.
Destacamos que o caput do art. 227 do Código Tributário Municipal, ao inaugurar a seção atinente à taxa de licença e localização, segue fielmente o conceito de poder de polícia do art. 78 do Código Tributário Nacional. Veja:
Art. 227. A taxa de licença é devida em decorrência da atividade da Administração pública que, no exercício regular do poder de polícia do Município, regula a prática do ato ou abstenção de fato em razão do interesse público concernente à segurança, à higiene, à saúde, à ordem, aos costumes, à localização de estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviço, ao exercício de atividades dependentes de concessão ou autorização do poder público, à disciplina das construções e do desenvolvimento urbanístico, à estética da cidade, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (grifos nossos)
O mesmo se dá com o art. 254 do Código de Vigilância em Saúde Municipal, que assim dispõe acerca da taxa de fiscalização sanitária:
Art. 254. A Taxa de Fiscalização Sanitária – TFS, fundada no poder de polícia do Município que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à higiene da produção e do mercado, tem como fato gerador o desempenho realizado pelo órgão competente, nos limites da lei aplicável e com observância do processo legal, da fiscalização exercida sobre a instalação e o funcionamento de estabelecimento onde é fabricado, produzido, manipulado, acondicionado, conservado, depositado, armazenado, transportado, distribuído, vendido ou consumido alimentos, ou exercida outra atividade pertinente à saúde pública, em observância às normas municipais sanitárias. (grifos nossos)
Em relação à cobrança das taxas em análise, destacamos, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, que “é constitucional, desde que haja o efetivo exercício do poder de polícia, o qual é demonstrado pela mera existência de órgão(s) administrativo(s) que possua(m) estrutura e competência para a realização da(s) atividade(s) de fiscalização”23.
Existindo, pois, na estrutura organizacional da Prefeitura de Itaúna, todo o aparato fiscalizatório e os agentes que de fato desempenham o múnus público atinente ao exercício do poder de polícia de verificação dos requisitos para a licença de funcionamento e de análise e controle da observância das normas sanitárias, sem sombras de dúvidas legítima a cobrança da taxa de licença e localização e da taxa de fiscalização sanitária.
Diante de todo esse raciocínio, e tendo em vista a ressalva trazida pelo § 3º do art. 1º da Lei nº 13.874/1924, esclarecemos: o inciso I do art. 3º da Lei nº 13.874/19 NÃO impede que se exija daquele que pretende desempenhar mister de baixo risco o recolhimento da taxa de licença e localização e da taxa de fiscalização sanitária.
9 Conclusão
Com este trabalho, visamos, por meio do estudo das normas da Lei nº 13.874/19 e da Resolução CGSIM nº 51/19, à análise da (i)legitimidade de obrigações impostas pela legislação municipal àquele que pretende desenvolver “atividade econômica de baixo risco”.
Debruçamos em particular sobre quatro exigências determinadas pelo Município: a inscrição no cadastro mobiliário, o alvará de licença e funcionamento, a taxa de licença e localização e a taxa de fiscalização sanitária.
O exame das mencionadas disposições legais à luz da doutrina, da jurisprudência e das demais demais normas que integram o ordenamento jurídico nos conduziram aos seguintes entendimentos:
a) É legítima a exigência de inscrição no cadastro mobiliário para o desempenho de atividade econômica classificada como de baixo risco (“baixo risco A”).
b) É ilegítima a exigência de alvará de licença e funcionamento para o exercício de mister de baixo risco (“baixo risco A”).
c) É legítima a exigência de recolhimento da taxa de licença e localização e da taxa de fiscalização sanitária daquele que pretende desenvolver ofício enquadrado como DE baixo risco (“baixo risco A”).
Salientamos que, depois de iniciado o exercício da atividade de baixo risco, são exigíveis – e devem ser cumpridos pela pessoa física/jurídica – todos os deveres estabelecidos pela respectiva legislação25, haja vista que é poder-dever da Administração Pública a contínua fiscalização do atendimento aos requisitos de pertença ao grupo de ofícios denominado de “baixo risco A”26.
Quanto às atividades que não se enquadram no grupo em questão, continuam legítimas todas as fases procedimentais instituídas pelos entes federados.
É o parecer.
Itaúna, 17 de outubro de 2019.
Leandro Nogueira de Souza
Fiscal de Tributos – Gerente Superior de Lançamento,
Fiscalização de Tributos e Arrecadação
Matrícula 100.570-7
Gabriel Geraldo de Oliveira
Fiscal de Tributos
Mat. 114.040-0