ARTIGO – VIOLAR DIREITOS OU PRERROGATIVAS DOS ADVOGADOS AGORA É CRIME!
Por Ubirajara Bentes Filho, presidente da OAB/Santarém
A palavra prerrogativa, que em alguns causa arrepio e em outros, provoca um verdadeiro temor, é originária do latim praerogare, formada pelos termos prae, que significa antes, e rogare, que é manifestar-se. Na modernidade prerrogativa pode significar privilégio, ou mesmo privilégios odiosos para os catecúmenos ou àqueles avessos aos limites da lei.
Para a Advocacia brasileira, a palavra prerrogativa não é privilégio muito menos privilégio odioso. As prerrogativas do Advogado, previstas em lei, na realidade são garantias do exercício profissional como, por exemplo, a ausência de hierarquia e subordinação entre Advogados, Magistrados e membros do Ministério Públicos, onde todos devem tratar-se com igual respeito; ter acesso aos autos de um processo ou de um inquérito policial na extensão do princípio da ampla defesa.
Não custa lembrar que vivemos num Estado Democrático de Direito, à luz do princípio republicano, em que todos são iguais perante a lei, ou pelo menos assim deveriam ser considerados. Essa igualdade formal, porém, nem sempre é respeitada por algumas autoridades ou agentes públicos, dai a relevância da Advocacia que é essencial à administração da Justiça (CRFB, art. 133).
Rui Barbosa, na sua obra O Dever do Advogado, discorre com maestria sobre a essencialidade e a indispensabilidade do Advogado, quando afirma que este não apenas defende aquele que está sendo acusado de algo, mas também age como um fiscal da lei, num equilíbrio de forças entre as ações dos agentes ou prepostos do Estado – não obstante uma minoria pense que está acima da lei -, em face dos cidadãos ou jurisdicionados, garantindo a esses o direito de exercer a defesa plena de seus clientes, com independência e autonomia, sem temor de qualquer autoridade que possa tentar constrangê-lo ou diminuir o seu papel enquanto defensor das liberdades.
Por isso a necessidade de proteger o exercício das atividades profissionais por meio das prerrogativas dos Advogados, previstas nos artigos 6º, 7º e 7º – A da Lei n° 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), e agora o inserto art. 7º – B, por meio da Lei de Abuso de Autoridade (art. 43), que causou muita polêmica no grupo de extrema direita que tem aversão à fiscalização de seus atos praticados à margem da lei pela Ordem dos Advogados do Brasil.
Nessa direção, o Conselho Federal da OAB mobilizou suas lideranças em todo o Brasil, esteve presente nas duas Casas Legislativas antes e durante a votação de terça-feira (24), encaminhou correspondências e conversou com os congressistas sobre a Nota Técnica da OAB contra o veto presidencial que recaia sobre o art. 43 da Lei de Abuso de Autoridade. As Seccionais e as Subseções também entraram no corpo a corpo, solicitando apoio aos deputados e senadores dos seus estados, com o mesmo objetivo.
Após a votação no Congresso Nacional, a OAB Nacional divulgou nota afirmando que o Poder Legislativo deu uma grande demonstração de independência e de compromisso com a sociedade brasileira ao derrubar na noite de terça-feira (24) 18 dos 36 dispositivos da Lei de Abuso de Autoridade que haviam sido barrados pelo presidente da República, agradecendo, em nome da Advocacia, aos deputados e senadores brasileiros que confirmaram esse passo civilizatório importante.
Para a OAB, “a manutenção, na lei, da criminalização da violação das prerrogativas do advogado é uma vitória histórica da Advocacia. Mas é, sobretudo, uma conquista da sociedade, já que o Advogado, indispensável à administração da Justiça, precisa de instrumentos para que a defesa tenha paridade de armas para que a justiça se realize de forma equilibrada. Trata-se, portanto, de preservar e garantir o direito do cidadão diante de eventual abuso da força por um agente do Estado”. “A nova legislação vale para todas as autoridades, seja do Judiciário, do Executivo, ou do Legislativo, e significa a subordinação de todos, inclusive dos mais poderosos, ao império da lei. A OAB, que tem como missão fundamental a defesa do Estado Democrático de Direito, enxerga nessa importante atualização legislativa um grande avanço para as garantias individuais, para a democracia e para a segurança jurídica”.
O dispositivo de Lei que trata sobre a criminalização das prerrogativas dos Advogados, que tanto temor causou aos governistas, e que havia sido vetado pelo presidente da República, mas que foi derrubado pelo Congresso Nacional, é o do art. 43 da Lei nº 13.869, de 05.09.2019 (Lei de Abuso de Autoridade), que tem a seguinte redação “Artigo 43 – A Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7º- B, com a seguinte redação: Art. 7º- B Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa”. Dessa forma, portanto, será crime violar direito ou prerrogativa de advogado como a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho e sigilo de comunicação; a comunicação com seus clientes; a presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quando preso em flagrante por motivo ligado ao exercício da advocacia; e prisão temporária especial: pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Para vetar esse dispositivo, o chefe do Poder Executivo argumentou falaciosamente que geraria insegurança jurídica, pois iria criminalizar condutas reputadas legítimas pelo ordenamento jurídico, destacando que as prerrogativas de Advogados não geram imunidade absoluta, a exemplo do direito à inviolabilidade do escritório de Advocacia e a própria Lei nº 8.906, de 1996, com redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008, que permite a limitação desse direito quando o próprio Advogado seja suspeito da prática de crime, notadamente concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da profissão.
O Conselho Federal da OAB, porém, se contrapôs à justificativa do veto do Planalto aduzindo, em síntese, não haver insegurança jurídica, pois o dispositivo limitou à configuração de crime apenas a violação das prerrogativas previstas nos incisos II, III, IV e V do EAOAB. O Senado Federal já aprovou a PLS 141/2015, que altera o EAOAB para tipificar as hipóteses de violação de prerrogativas profissionais, sendo esta proposta mais abrangente que o dispositivo vedado. No mesmo sentido, o referido PLS 141/2015 foi encaminhado à Câmara dos Deputados, já aprovaram o PLS 141/2015, aguardando a apreciação no Plenário, conforme PL 8347/2017. A OAB não compactua com desvio de conduta de seus inscritos, mas não pode admitir a flexibilização de prerrogativas profissionais em detrimento das iniciativas do Estado ‘Policial’ que muitas vezes investe contra os Advogados para desvendar os delitos de seus clientes.
Com a rejeição definitiva do veto presidencial ao artigo 43, cometerá crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput do art. 2º da Lei nº 13.869/2019: (a) de inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (b) impedir o Advogado de comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis; (c) de ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da Advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB; (d) o de não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar.
Por fim, como dito ao norte, o Advogado é aquele que defende uma pessoa comum, investigada ou acusada de um delito, do agressivo aparato coercitivo do Estado. Sem a proteção dos seus direitos e das prerrogativas para defender seus clientes, nunca haveria um mínimo equilíbrio de forças.
RG 15 / O Impacto
Bla bla bla… Panacão.