Artigo – A Cloroquina nasceu da floresta Amazônica | Por Lauro E. S. Barata*

*É Professor Visitante Sênior CAPES na UFOPA – Universidade Federal do Oeste do Pará. 

A Cloroquina e a Hidroxicloroquina são medicamentos sintéticos inspirados numa molécula natural que só é encontrada na árvore da Quina, uma espécie da floresta Amazônica. Hoje utilizada como complemento na cura do vírus Covid-19, Quinina a molécula bioativa da Quina, foi sintetizada pela Bayer alemã e mais tarde por ingleses dominando o mercado por 400 anos. Levada para a Europa por Jesuítas no século XVII constitui um remédio milagroso contra a malária. A planta milagrosa tem dezenas de espécies na Amazônia. Não teriam estas plantas substâncias inspiradoras de novos medicamentos para a cura do vírus? Nunca se saberá se não houver financiamento massivo em Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação de novas drogas da farmácia Amazônica, e se não o fizermos outros países o farão, e de novo estaremos a reboque e dependentes de tecnologia estrangeira…”.

A Cloroquina e a Hidroxicloroquina que surgem como tratamentos potenciais para o combate ao Covid-19 não existiriam sem a farmácia natural escondida na floresta Amazônica. Os cientistas que produziram estas duas substâncias nos anos de 1930 e 1940 se inspiraram numa molécula natural que só é encontrada na Quina, uma bela árvore de 20 metros da nossa floresta da mesma família do café (Rubiaceae), e que tem como nome científico Cinchona ledgeriana. Os indígenas, antes dos espanhóis e portugueses chegarem ao Novo Mundo, já a conheciam e tratavam seus doentes com a casca desta planta. Assim, no último mês o primeiro medicamento de fama mundial produzido pela floresta Amazônica esteve nas principais manchetes de jornais, TV e meios digitais, mas sua origem foi sequer citada. Se a atividade delas contra o novo coronavírus vai se confirmar, ainda depende do resultado de testes clínicos.

Cientistas frequentemente se inspiram em uma molécula natural bioativa para sintetizar em laboratório medicamentos para a indústria farmacêutica. O objetivo principal da síntese química é o desenvolvimento de métodos econômicos e eficientes para produzir substâncias naturais já conhecidas, ou novas moléculas completamente diferentes de tudo o que existe na natureza. Para isso, as sínteses totais de produtos antes naturais partem de blocos químicos oriundos da indústria do petróleo como o benzeno e a piridina para reproduzir substâncias naturais. Se uma substância natural é rara ou tem baixo rendimento os pesquisadores partem para a síntese química do medicamento. Por isso, no mundo, a maioria dos cientistas está dentro das indústrias farmacêuticas, a exceção é o Brasil onde 90% dos cientistas atua nas universidades e têm dificuldades quase intransponíveis para se associar a empresas ou ainda para se tornar um empresário.

A natureza, com sua prodigiosa bioquímica, sintetiza substâncias que têm diferentes funções nas plantas, em um inseto, fungo ou bactéria. Nestes seres as substâncias servem de comunicação, de veneno contra predadores, no controle de microrganismos ou mesmo para eliminar vírus patógenos de plantas. Milhões dessas substâncias se encontram no solo, no ar, em insetos e em plantas. Na maioria das vezes, apenas supomos a serventia dessas substâncias sintetizadas pela natureza. No entanto, a humanidade, mais precisamente através de químicos e biólogos têm tirado proveito dessa produção maravilhosa para inserir moléculas em perfumes, cosméticos, pesticidas e em medicamentos.

Foi o que aconteceu com a Quina. No século XVII os Europeus, Jesuítas da ordem de Jesus, descobriram através de indígenas do Perú a cura da terçã maligna em uma árvore da selva peruana. Se apossaram do pó da casca e madeira da árvore Kina e a levaram para a Europa constituindo um remédio milagroso contra a mala ária, como chamavam os italianos à doença que grassava naquela época na Europa se referindo aos maus ares. De fato, cem anos depois do Brasil ser descoberto, sabia-se que a malária matava mais soldados do que as guerras. Sabendo dessa importância estratégica, ingleses e alemães contrabandearam sementes da Quina formando plantações homogêneas na Ásia. Partindo de apenas 500g de sementes de Quina compradas por US$20,00, os alemães rapidamente estabeleceram plantações extensivas da espécie logo dominando o mercado mundial. Foi a partir do que hoje chamamos de biopirataria que os alemães estabeleceram plantações na ilha de Java, Indonésia e os ingleses na Índia e Ceilão (Sri Lanka) com climas semelhantes aos da Amazônia.

Foram os franceses, no entanto, que fizeram a parte mais importante dos estudos químicos descobrindo a molécula ativa da planta Quina que batizaram de quinina. Embora franceses, ingleses e alemães estivessem à frente das pesquisas farmacológicas para uso médico foram os alemães que, até o início do século XX, negociavam e supriam a maior parte do mercado mundial do medicamento natural obtendo, por isso, enormes lucros com este comércio. Em 1918, baseados no estudo do microbiologista francês Louis Pasteur, um outro cientista francês e um alemão[2] descreveram, com poucos detalhes experimentais, a síntese da quinina a partir de subprodutos da indústria do carvão. Assim, estava aberto o caminho para outros pesquisadores da indústria química sintetizassem não só a Quinina, mas também outros importantes derivados como a Cloroquina e a Hidroxicloroquina. A Cloroquina foi sintetizada em 1934, a partir de derivados da quinolina, por um pesquisador da empresa alemã Bayer, entrando em uso médico em 1940 logo depois do início da II Grande Guerra. Até hoje esta substância faz parte da Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial de Saúde (OMS)[3] e, portanto, da lista da brasileira Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)[4].

A Cloroquina é membro de uma importante série de agentes antimaláricos quimicamente relacionados. Administrada por via oral como fosfato de Cloroquina, também pode ser dado por injeção intramuscular como cloridrato de Cloroquina. Esse medicamento é eficaz contra cepas suscetíveis dos parasitas da malária Plasmodium vivax, P. ovale e P. falciparum, bem como certos vermes e amebas parasitas. Alguns efeitos colaterais leves podem ocorrer, incluindo dor de cabeça e cólicas abdominais, comuns aos antimaláricos. Pode ocorrer deficiência visual com o uso prolongado da Cloroquina. O mais importante, porém, é que, por ser um medicamento genérico e de síntese muito fácil qualquer empresa no mundo pode sintetizar esta droga sem pagar royalties já que a patente está liberada, e em março de 2020 começou a ser usada de forma experimental no tratamento de infeções pelo Sars-CoV2.

Amazônia como fonte de novos medicamentos

Em 2017, um grupo de cientistas da Amazônia[5], incluído aí um Colega[6] da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), publicou um paper definitivo mostrando que a floresta Amazônica tem 14.003 espécies de plantas floríferas catalogadas, entre elas, imagine, 6.727 espécies de árvores. No entanto, faltam trabalhos científicos da farmacologia à toxicologia sobre como essas plantas poderiam levar à descoberta de novas drogas. Pode-se supor que sejam milhares, mas em qual família botânica essas espécies se concentram, quais delas já passaram por testes farmacológicos e toxicológicos, quais estudos químicos poderiam revelar as substâncias de uso medicinal e aquelas com ação antiviral?  Isto não sabemos. É certo que cientistas no Brasil, desde os anos 1950, publicaram milhares de papers sobre a composição química e biológica de plantas, microrganismos, insetos e outros seres, mas porque nenhum desses trabalhos originou um medicamento anti-viral?

No ano 2000, W. B. Mors[7] publicou um livro que se tornou referência nos estudos sobre plantas medicinais no país intitulado Medicinal Plants of Brazil (Plantas medicinais do Brasil)[8]. Com 501 páginas o livro reuniu conceituados cientistas estudiosos das plantas medicinais, um botânico, um farmacólogo e um fitoquímico reunindo mais de 1.500 plantas medicinais brasileiras. Passaram-se 20 anos e nenhuma outra obra similar foi publicada. A publicação em inglês não foi mera coincidência, mas vai ao encontro ao fato que quase todas as patentes que envolvem pesquisas de medicamentos de plantas medicinais brasileiras serem registradas no exterior. Tem-se, portanto, a impressão que esses estudos não entram no propósito das empresas brasileiras. Mas, e os cientistas brasileiros, desenvolvem pesquisas para alcançar o mercado de medicamentos? O que falta? Interesse? Recursos? Estrutura? O que falta para que algumas dessas plantas estudadas virar um medicamento anti-viral? Só o investimento em Ciência & Tecnologia dirá. Na minha visão faltam sobretudo empresas dedicadas à Pesquisa & Desenvolvimento de novos fármacos. A Universidade, os Institutos de pesquisa fazem pesquisa e não medicamentos. Pesquisas não faltam.  O Brasil é o 13º maior produtor de publicações de pesquisa (papers) em nível mundial[9] e, além disso, formou 20 mil Doutores, em 2016, e até 2024 este número deverá aumentar para 25 mil[10]. Como essas publicações são em inglês, os chineses, europeus e americanos rapidamente acessam os resultados de pesquisa e avançam nas pesquisas, patenteiam e desenvolvem os produtos que nós os brasileiros não fazemos.

Há um claro descompasso entre a produção científica e os indicadores de inovação no país, que nos colocam em posição subalterna. Investimos pouco em inovação e os investimentos vêm, majoritariamente, do Estado, ao passo que em países que alcançam simultaneamente índices elevados de produção científica e de inovação, a maior parte dos investimentos na área é realizada por empresas privadas.[11] Faltam investimentos em desenvolvimento de produtos. Como faltaram empresas brasileiras para desenvolver o sulfato de Quinino, em 1918, ou a Cloroquina, produzida pelos alemães em 1936, faltarão também em 2020 para o desenvolvimento de novos medicamentos para o combate ao novo coronavírus?

Na Amazônia há centenas de espécies como aquela que produziu a Quinina e inspirou a síntese da Cloroquina e Hidroxicloroquina. Um estudo (screening) sistemático destas plantas poderia levar a novas drogas antivirais.

Temos o principal que são os cérebros, o pessoal científico, estruturas razoáveis, mas nos faltam incentivos, recursos financeiros. Com isto estas plantas e suas substâncias prodigiosas poderíamos inspirar novos medicamentos antivirais.  No entanto, se o Brasil não investir em Pesquisa & Desenvolvimento de novas drogas latentes na farmácia Amazônica talvez outros países o farão e, de novo, estaremos a reboque e dependentes de tecnologia estrangeira.

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[1] Este artigo jornalístico inspirou-se nas aulas remotas das 3as e 6as feiras com meus alunos da Pós-Graduação da UFOPA (PG-RNA e PG-SND) e aos quais agradeço: Sara Freitas de Souza, José Souza de Almeida Junior, Barbara de Iansã Viana, Aline Kasper, Daniella Vieira de Castro Macambira, Bruna Bandeira, Haroldo Araújo da Silva, Lucas Alvarenga, Janaíra Sobral, Isabella C. Gonçalves Costa

[2] A. R. Marques de Oliveira* e D. Szczerbowski Quim. Nova, Vol. 32, No. 7, 1971-1974, 2009

[3]https://www.britannica.com/search?query=Chloroquine

[4] https://saude.gov.br/saude-de-a-z/rename

[5] Cardoso, et al, PNAS October 3, 2017. 114 (40) 10695-10700s

[6] Prof. Dr. Leandro Giacomin, UFOPA-Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém-PA

[7] O antigo Laboratório deste pesquisador era o acanhado CPPN, onde fiz meus Mestrado, Centro de Pesquisas de Produtos Naturais. Ficava no interior da Faculdade de Farmácia da UFRJ na saudosa Praia Vermelha próximo ao IQ-UFRJ e ao IME. Hoje se encontra a malcheirosa Ilha do Fundão e se chama Instituto de Pesquisas de Produtos Naturais Walter B. Mors.

[8] Walter B. Mors, Carlos Toledo Rizzini e Nuno Álvares Pereira, Ed. Ref. Publications, Michigan USA (2000) ISBN-0-917256-42-5

[9] https://portal.if.usp.br/ifusp/pt-br/not%C3%ADcia/panorama-da-produ%C3%A7%C3%A3o-cient%C3%ADfica-do-brasil-2011-2016

[10] https://www.observatoriodopne.org.br/indicadores/metas/14-pos-graduacao/indicadores/numero-de-doutores-titulados/

[11] https://www2.ufjf.br/noticias/2019/05/08/dados-indicam-descompasso-entre-producao-cientifica-e-indicadores-de-inovacao-no-pais/

RG 15 / O Impacto

6 comentários em “Artigo – A Cloroquina nasceu da floresta Amazônica | Por Lauro E. S. Barata*

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  • 18 de abril de 2020 em 10:47
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    Passei 6 anos trabalhando no Acre,e sempre vi e ouvi falar que a quina curava malária e nunca soube de contra indicações mortais,claro qualquer remédio tomando por conta própria deve ofender a algum órgão,para isso existe médicos,que dão o diagnóstico,evitando maiores complicações e ate evitar interagir com outros medicamentos que porventura esteja o paciente tomando.Se está atuando a Hidroxicloroquina ou outro medicamento a base da quina ,ótimo,pois temos uma floresta Amazônica aqui no Brasil,que poderá fornecera quina para o combate ao COVID-19

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  • 16 de abril de 2020 em 05:56
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    Bom dia agora são 4.40 horas liga o artigo que publicaram moro em Ipiranga do Norte MT tenho observado os macacos daqui não morre de malária vejo que eles se imunizar com um cipó que se chama QUINA ou QUININA ou QUINA QUINA NA FRUTIFICACAO parte da manhã vou recolher algumas frutas quando estiver amarelas se o macacos comem o homem também pode

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