Artigo – Um Cavalo de Troia que vem do norte
Por Oswaldo Bezerra
Diferente da Operação Condor, que coordenou golpes e manutenção de ditaduras militares na América Latina, a iniciativa “América Crece” permite aos EUA escapar dos controles parlamentares, obrigatórios, nos países envolvidos e caminha para uma re-formatação da dependência econômica, financeira e política da região.
Lançada em 2019, a “iniciativa” tem um formato com a marca do presidente Donald Trump: é ágil, conciso e não requer negociação entre entidades governamentais. Não exige consultas aos parlamentos, e não envolvem segmentos da sociedade civil. O formato do Memorando de Entendimento assim o permite.
O desejo de Donald Trump é fortalecer a presença de empresas norte-americanas na América Latina e no Caribe, exige a assinatura de um Memorando de Entendimento (MoU) que sela o compromisso do governo em questão, e cumpre o roteiro traçado pelas diversas organizações e agências norte-americanas.
A ideia é de que os norte-americanos não se envolverão em complicadas negociações de acordos de livre comércio, para melhorar sua balança comercial, obter suculentos contratos estatais, fazer mudanças na legislação e, em geral, adaptar a seus interesses o desenho do esquema de investimento dos países.
É o mais grosseiro dos tratados de livre comércio (TLC). Tão pouco agrada a Trump as TLCs. Não foi por acaso que a NAFTA enterrou e impôs suas próprias regras ao T-MEC. Já são conhecidas as histórias de resistência da sociedade civil latino-americana que lutam contra estes tratados.
Trump não quer seguir regras da Organização Mundial do Comércio. Ele encontrou o formato, que funciona por enquanto, uma vez que os governos com os quais ele assinou (sem negociação) esses MoUs, continuarão a serviço dos empresários do presidente norte-americano.
Os Estados Unidos e os governos da região (por enquanto fazem parte Argentina, Chile, Jamaica, Panamá, Colômbia, Equador, Brasil, El Salvador, Honduras, Bolívia aderiu recentemente) assumem um compromisso diplomático com agenda traçada pelas organizações e agências norte-americanas e suas respectivas entidades empresariais nos países.
O Memorando de Entendimento (MoU) endossa a “América Crece” como um amplo leque que apoia tudo que o atual governo permite, desde que a população não saiba, já que permanece em quarentenas com medo da pandemia.
Os Estados Unidos e suas agências não têm interesse em fazer investimentos em estradas rurais, nem reforma de hospitais em algum município distante. Com a “América Crece” autorizada pelo MoU, haverá orientação dos investimentos dos governos para grandes obras de infraestrutura, úteis aos seus interesses, onde se destacam projetos de energia, como gás, lítio e grandes hidrelétricas, por exemplo.
A assinatura de um MoU permite contornar os parlamentos, uma vez que não são tratados ou acordos, mesmo que obrigadas por constituições ou mesmo sujeitos a referendos. É um compromisso dos governos signatários de priorizar, consultar e coordenar com os EUA e suas agências em questões de investimento importantes.
É um sinal claro não só para o exterior, mas para as oposições nos próprios países, pois impõe o roteiro de destino dos investimentos. Não é o presidente que os assina, mas um ministro que assume os compromissos que afetam todo o Estado.
Os parlamentos podem e devem fazer consultas e advertências necessárias para evitar que futuros investimentos, ou desenhos de projetos dos países, sejam digitados de lá do norte do continente. No MoU está escrito “boas práticas” e “transparência”, que devem ser lidos como implementação além das fronteiras e das normas.
Em qualquer país do mundo, os maiores compradores são os governos, que fazem os maiores contratos. É um importante mecanismo de fomento à indústria e às empresas de diversos setores nacionais. Infelizmente, também é uma fonte de corrupção, por isso deve estar sob escrutínio nacional, ainda mais neste momento.
A pandemia esgotou os recursos dos países e suas reservas. Portanto, é o momento para quem tem esses recursos concederem crédito condicional. Por essa razão, a promessa dos EUA para alguns governos famintos por dinheiro parece sedutora.
A iniciativa “América Crece” promete mais investimentos, gerando empregos, mas com a interferência inevitável de agências norte-americanas como o Departamento de Estado, Tesouro, Comércio e Energia, Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID), Agência para o Comércio e Desenvolvimento da os EUA (USTDA) e a Overseas Private Investment Corporation (OPIC).
Alguém duvida que se trate de um cavalo de Troia? Trump na sua filosofia de “América Primeiro” e seus mecanismos impositivos não estarão dispostos a ajudar a resolver os problemas de dependência e empobrecimento na América Latina e no Caribe, ou alguém pensa assim?
RG 15 / O Impacto