Artigo – O que o Brasil tem a aprender com o seu maior parceiro comercial, o campeão do Livre Comércio?
Por Oswaldo Bezerra
A Grã-Bretanha e os EUA construíram suas economias industriais sob as asas do protecionismo, até serem mais fortes do que todos os seus concorrentes e, então, se tornaram defensores do livre comércio.
Os países desenvolvidos estão chutando a salva guarda de proteção e apregoando o “livre Comércio”. Estão tentando impor aos países em desenvolvimento um conjunto de políticas totalmente inadequadas para sua condição econômica e contrárias a seus interesses econômicos.
Quando o Partido Comunista da China assumiu o poder no continente chinês e estabeleceu a República Popular da China em 1949, enfrentou pobreza em massa e destruição massiva de infraestrutura e indústria causada pela guerra contra os japoneses, além de quatro anos de guerra civil depois disso.
Herdou o legado do colonialismo: a Grã-Bretanha e outras potências imperialistas impuseram tratados desiguais sob os quais a China foi obrigada a pagar reparações por guerras iniciadas pelos próprios imperialistas, teve que ceder território, abrir portos de tratado e conceder direitos extraterritoriais aos cidadãos das nações que tinham invadido a China.
Isso começou com a Primeira Guerra do Ópio, travada entre 1839 e 1842, e continuou até que os japoneses, finalmente derrotados em 1945.
A ideia de “livre comércio” com a China começou com o Império Britânico funcionando então como um cartel de drogas (venda de ópio). Em seguida, avançou para o estabelecimento de territórios (concessões) controlados pelas várias potências imperialistas e, finalmente, a “Política de Portas Abertas” promovida pelos Estados Unidos, que permitiu a todas as potências estrangeiras oportunidades iguais de explorar toda a China.
A Porta Aberta foi fechada com a invasão japonesa, que também destruiu o imperialismo ocidental em todas as partes da China, exceto Hong Kong e Macau. Durante e depois da guerra contra o Japão, o partido nacionalista Kuomintang, apoiado pelos EUA, Chiang Kai-shek, mas seu esforço para deter os comunistas falhou quando Chiang se retirou para Taiwan.
Diante da hostilidade ocidental, os comunistas chineses se voltaram para seus camaradas na União Soviética. Na década de 1950, a URSS forneceu à China uma infraestrutura industrial completa no estilo soviético, sob a orientação de 11.000 engenheiros e cientistas. Milhares de estudantes chineses foram enviados para universidades soviéticas. Isso permitiu que a China aumentasse sua capacidade de geração de energia elétrica, produção de carvão e aço, maquinário, produtos químicos e sistemas de armas.
A CIA estimou o valor dos créditos de equipamentos e serviços técnicos para a construção de grandes empresas industriais na China durante esse período em cerca de 3,3 bilhões de dólares, acrescentando que um novo acordo em 1959 exigia assistência adicional de 1,3 bilhões até 1967. A assistência econômica e técnica foram acompanhadas por um grande aumento no comércio entre os dois países, o que ajudou a China a pagar os créditos.
Em comparação, o Plano Marshall forneceu mais de 15 bilhões em ajuda para a recuperação econômica após a Segunda Guerra Mundial para a Europa Ocidental, a maioria dos quais não precisou ser reembolsada.
De acordo com os números do Bureau of Labor Statistics, um dólar em 1950 era equivalente a 10,78 de hoje. Ajustado pela inflação, a ajuda soviética à China nas décadas de 1950 e 1960, mencionadas no relatório da CIA, totalizou quase 50 bilhões de dólares correntes, enquanto o Plano Marshall forneceu mais de 160 bilhões para a Europa.
Valores pequenos comparados com os projetos de hoje. Segundo a empresa de análise baseada no Reino Unido Refinitiv, o valor cumulativo dos projetos financiados pela Iniciativa Rota da Seda da China já ultrapassou 4 trilhões de dólares.
A conclusão do relatório da CIA se a China conseguisse atingir um aumento acentuado na renda per capita e mostrar um progresso econômico substancial, o impacto seria sentido em todo o mundo. Líderes em países subdesenvolvidos poderiam ser tentados a ignorar as consequências do controle totalitário e tentar seguir os passos dos comunistas chineses.
A contribuição soviética para o desenvolvimento econômico da China foi a maior transferência de tecnologia industrial da história. Foi realizado sem o conceito de propriedade intelectual como é entendido hoje.
A Lei de Patentes da República Popular da China foi introduzida em 1984. No ano seguinte, a China aderiu à Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Em 1994, assinou o Tratado de Cooperação de Patentes e em 2001, ao ingressar na Organização Mundial do Comércio, também aderiu ao acordo TRIPS.
TRIPS, ou Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, é um acordo entre todos os membros da OMC que estabelece padrões mínimos para a proteção da propriedade intelectual. Os norte-americanos e outros críticos do comportamento da China, como membro da OMC, argumentam que ela assinou, mas nunca cumpriu os requisitos de qualquer um desses acordos.
A narrativa cada vez mais aceita no Ocidente, especialmente nos Estados Unidos, é que a China adquire tecnologia, principalmente, por meio da transferência forçada de tecnologia de empresas multinacionais que investem na China e por meio de roubo direto.
Dados da OCDE e do Banco Mundial mostram que os pagamentos de royalties chineses a proprietários estrangeiros, de propriedade intelectual, aumentaram de menos de US$ 2 bilhões por ano em 1999 para cerca de US$ 30 bilhões agora.
À medida que a indústria chinesa avançava, havia cada vez mais o que ser roubado criando sérios problemas para as empresas chinesas e para os planos de desenvolvimento econômico do governo. Como resultado, a necessidade de protegê-la tem aumentado constantemente. A China agora concede mais patentes do que qualquer outro país.
O governo chinês tem fortalecido a proteção legal da propriedade intelectual por muitos anos. É benefício para própria China, não para manter os norte-americanos ou qualquer outro país feliz.
Enquanto isso, entre janeiro de 2018 e junho de 2019, a China reduziu sua tarifa média sobre as importações de 8% para 6,7% para todos os países, exceto os Estados Unidos, para o qual elevou sua tarifa média sobre as importações dos EUA para 20,7%, em resposta as políticas de Trump. Desde o início das reformas de Deng Xiaoping em 1979, a participação da China no comércio mundial aumentou de imaterial para 12,4 % do total em 2018, contra 11,5% para os EUA.
Hoje, dois terços das outras nações comercializam mais com a China do que com os EUA, incluindo quase toda Ásia-Pacífico, a maior parte da África e da América do Sul e grande parte da Europa, incluindo a Alemanha.
Para um país gigante como o Brasil ter 1,2% de participação no comércio mundial é decepcionante. Um forte investimento em infraestrutura e tecnologia, e uma parceria Estado com a iniciativa privada nacional, pode nos colocar a frente e trazer prosperidade aos brasileiros. Como a próprio relatório da CIA descreveu, podemos muito bem dar este passo adianta e superar obstáculos que não são tão difíceis como foram os da China.
RG 15 / O Impacto