Artigo – O famoso imposto sobre os super-ricos saiu da ficção para se tornar Lei na Argentina
Por Oswaldo Bezerra
A bancada da Câmara dos Deputados da Argentina aprovou o Projeto de Lei de Solidariedade e Contribuição Extraordinária, aos contribuintes com patrimônio declarado superior a 2,34 milhões de dólares, com uma única contribuição. O texto ainda será votado no Senado.
Foram meses de acaloradas discussões. A emergência econômica e sanitária, provocada pela pandemia de COVID19, na Argentina, ajudou ao bloco de deputados governistas conseguirem apoio para obter os votos necessários para aprovar o projeto.
A votação tornou visíveis os acordos do governante nacional com os partidos regionais, principalmente com o governador peronista Juan Schiaretti, da província de Córdoba, e o líder oposicionista Gerardo Morales, governador da província de Jujuy. De quebra, eles apoiaram a Lei do Orçamento 2021 prematuramente.
O projeto teve 133 votos a favor, 115 contra e 2 abstenções, e agora seguirá para o Senado. Será aprovado, pois a “Frente de Todos”, partido do governo, tem maioria.
A regulamentação vai impor um imposto de instância única sobre as grandes fortunas. Serão 9.300 pessoas físicas que pagarão entre 2 e 3,5%, progressivos de acordo com a análise do Tesouro, e que será maior para os 300 que estão no topo da pirâmide patrimonial.
Cerca de 60% da população acha que é boa a idéia de que os mais ricos contribuíssem mais. Essa reforma não atinge os pobres, nem mesmo os ricos. Os pobres não têm bens e os muito ricos têm tudo no exterior. Existe um processo bem estudado chamado de “ocultação dos ricos”. Por muitos anos os ricos não declararam ativos, eles os têm em sociedades por ações.
Quem realmente será afetado é um setor da classe média alta, profissional, empresário que tem patrimônio em seu nome, que tem família, que paga impostos como gestor registrado. Os muito ricos não têm bens pessoais, o que torna a batalha complicada, mas nem tanto.
As grandes multinacionais não serão afetadas, ao contrário distanciam-se porque não pagariam o imposto, que só incidirá sobre pessoas humanas. Talvez a Lei pegue apenas alguns empresários locais das multinacionais.
O Governo de Alberto Fernández pretende arrecadar 3,5 milhões de dólares. Assim, sancionaria um imposto histórico no país, mas não o único, já que similares são propostos mundialmente a partir dos espaços do “progressismo”, para solicitar ajuda adicional dos que mais têm. É uma tendência mundial.
Não foi uma invenção argentina. Já existem 12 projetos de tributação da renda da classe alta, seis deles na Europa e seis na América Latina. O diferencial é que nenhum deles foi fornecido pelos governos, mas sim pela oposição.
Espanha, Itália, Suíça, Rússia, Brasil, Peru, Chile e Equador, entre outros, estão debatendo ou com abertura política que busca enfrentar a crise, sanitária e econômica, por meio da arrecadação extraordinária de impostos sobre a população milionária, segundo relatório do Centro de Economia Política Argentina (CEPA).
Não será o primeiro imposto solidário do mundo para grandes fortunas. A Alemanha, após sua unificação com a queda do Muro de Berlim, introduziu em 1991 uma sobretaxa de 5,5% sobre a renda individual, ganhos de capital ou impostos corporativos.
A Espanha sancionou um imposto sobre grandes capitais e fortunas que será aplicado a empresas e pessoas em 2021 para aliviar a crise gerada pela pandemia. A França estabeleceu um imposto excepcional sobre os mais ricos, a Itália promoveu um imposto progressivo e a Suíça, um imposto único sobre grandes ativos, e a Rússia propôs várias reformas fiscais emergenciais, incluindo um imposto sobre grandes depósitos bancários.
O Peru está buscando um esquema progressivo de ganhos anuais. A oposição no Equador propõe um imposto sobre ativos de mais de um milhão de dólares, e a oposição no Chile, um imposto sobre o 1% mais rico da população.
O Governo argentino destinará os recursos para a compra de equipamentos de saúde para atender a pandemia, urbanizar bairros populares com obras que empregam locais, realizará obras de infra-estrutura e equipará petrolífera YPF para produzir e engarrafar gás natural que financiará a educação de jovens de baixa renda para que concluam ou continuem seus estudos.
O peronismo é multifacetado movimento popular. Apesar de que uma parte muito importante do país não aceita colaborar com o Governo, o peronismo é em si uma coalizão complexa. Enquanto a oposição argentina se divide, o governo se une, apesar de suas diferenças internas. É a maior característica do peronismo.
Como estamos quanto a isto? No Brasil, a oposição promove quatro projetos para tributar grandes fortunas, de mais de 4 milhões de dólares, com alíquotas iniciais entre 1 e 2,5%, respectivamente. É um projeto fadado ao arquivamento, devido a nossa classe política conservadora. A pandemia pode ser um ponto de inflexão, que pode mudar o rumo das coisas e fazer com que tenhamos mais solidariedade.
RG 15 / O Impacto