Artigo – Onde estão? Número de pessoas que desaparecem no Brasil é maior que o de assassinatos
Por Thays Cunha
Vivemos em uma era de conexões na qual a sensação que temos é a de que é possível acompanhar e saber qual a localização exata de cada pessoa que conhecemos. Porém essa realidade não se estende a muitas famílias que infelizmente têm que lutar diariamente com a dor, o sofrimento e a angústia causados pelo desaparecimento sem explicação de seus entes queridos. No Brasil, todos os dias familiares de milhares de pessoas que desapareceram em circunstâncias diferentes vivem com a ausência dolorosa e o questionamento sobre onde estão, qual o paradeiro e o que aconteceu para que simplesmente nunca mais houvesse nenhuma notícia. E assim se passam meses, anos e até décadas sem que nenhuma pergunta seja respondida.
A Lei Nº 13.812, de 16 de março de 2019, que institui a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, define a pessoa desaparecida como “todo ser humano cujo paradeiro é desconhecido, não importando a causa de seu desaparecimento, até que sua recuperação e identificação tenham sido confirmadas por vias físicas ou científicas”. Seguindo essa definição, é impressionante a informação de que o número de desaparecidos no Brasil é realmente expressivo. De acordo com o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, que vem contabilizando desde 2017 a quantidade de desaparecidos em nosso território, em sua última publicação foi verificado que o número desse tipo de registro no ano de 2019 chegou a 79.275 pessoas. Esse é um número relativamente maior até do que o de assassinatos, que chegaram no mesmo ano ao registro de 47.773 mortes. Isso significa que a cada dia 217 pessoas desapareceram no Brasil, enquanto 130 foram assassinadas.
Esses desaparecimentos podem ser classificados de três formas. A primeira acontece de forma voluntária, quando há a fuga do lar por conta de violência doméstica, abuso, desentendimentos familiares, etc. A segunda acontece de forma involuntária, por conta de um evento sobre o qual não é possível se ter controle, como acidentes e desastres naturais, por exemplo. E a terceira acontece de forma forçada, que se dá na forma de sequestros. Este último é sempre o que mais assusta a todos por conta das redes de pedofilia, prostituição, tráfico de pessoas e outros.
Apesar de ter iniciado a contagem a partir de 2017, o Anuário Brasileiro da Segurança Pública também fez uma retrospectiva de 2007 a 2016 e chegou ao número médio de 69 mil pessoas desaparecidas por ano nesse período de tempo. E para cada sumiço sem deixar rastros há uma família que ficou para trás sem saber o que fazer com essa inexplicável ausência. Como o próprio relatório citado afirma, “independentemente das circunstâncias do desaparecimento, os familiares enfrentam a incerteza sobre o que aconteceu com seu ente querido. Eles navegam entre a angústia da espera e a expectativa do encontro. A incerteza e a esperança aprisionam as famílias em buscas sem fim, e, muitas vezes, em um luto que nunca se realiza. Não são poucos os prejuízos econômicos, sociais ou jurídicos, e as consequências à saúde e aos afetos destas pessoas. Muito frequentemente elas passam a viver isoladas, imaginando que o desaparecimento é uma tragédia individual. Quando informações mais claras se tornam disponíveis sobre a quantidade e o perfil de casos de desaparecimento, não só as autoridades têm melhores condições de endereçar o problema, como as próprias famílias podem entender que não são as únicas a viver aquele drama”.
Porém, apesar da grande quantidade de pessoas sobre as quais não é possível saber onde estão, este é um assunto que ainda recebe pouca atenção da sociedade e do Poder Público. Um exemplo é a Lei Nº 13.812, que trata do tema e traz diretrizes para que seja realizada uma política nacional para tratar dos casos de desaparecimento, que só foi sancionada recentemente, em 2019. Essa lei também cria o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, contudo tal cadastro ainda não existe. Ainda não há também uma grande quantidade de delegacias e pessoas especializadas nas buscas e, além disso, é pouca a comunicação entre os órgãos estaduais.
Algumas famílias que passam por esse problema acabam sendo atendidas então por instituições como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). “Com Ações práticas, sensibilização e acolhimento, o CICV acompanha grupos de familiares de pessoas desaparecidas, a fim de compreender suas necessidades e apoiá-los para que aprendam a conviver com a incerteza da ausência. A partir deste trabalho, é possível desenvolver metodologias de acompanhamento que sejam adaptadas à realidade brasileira. É oferecido também recomendações às autoridades brasileiras e apoio técnico em diferentes áreas, e todo trabalho é realizado em conjunto com autoridades e com a sociedade civil para auxiliar na melhora das respostas dadas aos familiares e nas buscas”.
A maior necessidade para quem fica sem notícias de um ente querido é saber o que aconteceu com a pessoa para reencontrá-la de qualquer maneira, seja viva, para uma explicação, ou até mesmo já falecida, para dar fim à dor através da vivência do luto. Assim o Comitê Internacional da Cruz Vermelha expediu algumas recomendações às autoridades brasileiras, entre elas “estabelecer um mecanismo nacional para tratar do tema; centralizar e compartilhar informações em relação às pessoas desaparecidas; realizar uma reforma legislativa para definir de forma clara o status jurídico da pessoa desaparecida, bem como os direitos dos familiares e uma política de atenção às suas necessidades (de modo que possam resolver problemas legais ou administrativos relacionados ao desaparecimento); e criar política pública de atenção psicológica e psicossocial, com uma rede nacional de profissionais capacitados, de modo a responder essas necessidades dos familiares”.
Por fim, para que se evite que os desaparecimentos ocorram o mais importante é agir. Assim, a família deve comunicar à polícia imediatamente e não somente após 24 horas, como muitos acreditam. Em relação às crianças, é indicado que elas desde cedo possuam documento de identidade e que se evite deixá-las saírem sem acompanhamento. É importante também divulgar. Caso uma pessoa desapareça, divulgue uma foto na internet, preferencialmente a mesma que for enviada para o departamento policial.
RG 15 / O Impacto