Artigo – Violência obstétrica: uma agressão invisibilizada
Por Thays Cunha
Para muitas mulheres, esperar um filho é um momento aguardado com alegria e ansiedade. Durante os meses da gestação tudo é preparado cuidadosamente para que a chegada do bebê seja feita da melhor forma possível, e a mãe cuida então de cada detalhe dessa nova vida que estar por vir: as roupinhas, os sapatinhos, o berço e o enxoval. Porém, á medida que o momento do parto vai se aproximando com a chegada do nono mês, a mulher começa a se preocupar se será bem tratada quando estiver dando a luz, se o seu filho terá a chegada ao mundo respeitada e se ela terá um parto difícil que a deixará com traumas para o resto da vida. Há momentos em que ela irá se perguntar se os enfermeiros e médicos que irão atendê-la entenderão que aquele é um momento arriscado, apesar de natural. Acredite, mas muitas grávidas temem mais não saber quem serão as pessoas que lhe auxiliarão no parto do que o próprio parto em si.
Isso pode parecer algo chocante e absurdo de se ler a primeira vista, mas é assim que muitas gestantes se sentem por conta de um problema, infelizmente corriqueiro, chamado de violência obstétrica. O termo violência obstétrica se refere aos tipos de agressão que algumas parturientes sofrem no pré-natal, antes ou depois do parto e até mesmo em casos em que sofrem algum tipo de aborto, e considera os atos agressivos tanto físicos quanto psicológicos.
Essa violência pode vir na forma de recusa de atendimento à mulher gestante, intervenções médicas e procedimentos realizados de forma desnecessária ou sem autorização, e até mesmo agressões e humilhações verbais. Esse tipo de tratamento desumano oferecido às mulheres grávidas vai contra tudo o que elas mais precisam em um momento em muitas estão com medo e com dor, ou seja, ao invés de serem amparadas e acalmadas para que possam ter os seus bebês com saúde e segurança, há casos em que o parto acaba se tornando um verdadeiro pesadelo que deixa marcas físicas e psicológicas tanto na mãe quanto na criança.
Porém, as mulheres das classes mais baixas que utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS) são as que mais sofrem com os maus tratos na hora do nascimento de seus bebês. Segundo a pesquisa “Nascer no Brasil: Inquérito nacional sobre parto e nascimento”, coordenada pela Fundação Osvaldo Cruz, 45% das gestantes atendidas pelo SUS, ou seja, quase metade delas são vítimas de violência obstétrica. Há também um grupo que tem ainda mais risco de passar por essa situação bárbara. Ainda de acordo com a pesquisa, “todos os aspectos da relação entre profissionais de saúde e parturientes (tempo de espera, respeito, privacidade, clareza nas explicações, possibilidade de fazer perguntas e participação nas decisões), foram fatores associados a maior satisfação geral com o atendimento. Constatou-se iniquidades na assistência recebida, com menor satisfação relatada por parte de mulheres pretas e pardas, de baixa classe social e escolaridade, residente nas Regiões Norte e Nordeste, que tiveram parto vaginal, majoritariamente atendidas no setor público, indicando uma clara elitização da assistência”.
Tipos de violência obstétrica
O pior de tudo é que esse é um tipo de violência parece ter sido normalizado ao longo do tempo. Não é difícil encontrar relatos de mulheres que contam, muitas vezes sem ter a consciência de que passaram por um momento de opressão, que receberam empurrões para que expulsassem o bebê mais rapidamente, apertos fortes, ou que foram maltratadas com gritos, escárnio e até mesmo deixadas sentindo dor. Algumas são impossibilitadas de fazer perguntas, de escolher uma posição confortável e até mesmo tem de si retirado o direito de escolher qual o tipo de parto pelo qual querem passar.
A violência mais relatada é a questão da episiotomia, que é um pequeno corte (incisão) efetuado na região entre a vagina e o ânus para ampliar o canal de parto. Seu uso deve ser justificado, aceito pela mulher e sempre realizado com anestésico local. No entanto, não são raros os casos em que a puérpera é cortada sem aviso, autorização e aplicação de anestesia. No Brasil, a episiotomia é realizada em quase 60% dos partos, enquanto que a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é de que índice seja de 10% a no máximo 30%.
Outro problema relatado é o chamado do “ponto do marido”, que ocorre após a episiotomia ou laceração da vulva. Há casos que o médico realizada uma sutura (costura) maior do que a necessária para deixar a vagina mais estreita e assim supostamente aumentar o prazer do homem nas relações sexuais. No entanto, essa prática somente causa dor à mulher.
Há relatos também, bem comuns, de mulheres proibidas de expressar a sua dor no momento do trabalho de parto. Elas por vezes são impedidas pelos médicos e pelas equipes de saúde de gritarem ou fazer qualquer barulho, sendo humilhadas quando não conseguem segurar o que sentem. Algumas outras precisam passar por esse momento sozinhas também, pois apesar de haver uma Lei do Acompanhante (Lei Federal Nº 11.108, de 07 de abril de 2005) que determina que as parturientes tenham o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS”, há pais e acompanhantes que são impedidos de acompanhar a grávida na hora de dar a luz.
Assim, o medo de que o parto natural seja violento e traumático faz então com que o índice de cesarianas realizadas no país seja alarmante. Aqui, o índice de nascimentos via cesárea é de 55%, enquanto que a OMS recomenda que seja em torno de 15%.
Efeitos da violência nas gestantes
Os efeitos da violência obstétrica não deixam apenas as sequelas físicas, como também psicológicas. Mulheres que passaram por esse problema na hora de dar a luz têm mais chance de desenvolverem depressão pós-parto por ficarem extremamente fragilizadas e desamparadas. De acordo com a pesquisa “Nascer no Brasil”, a depressão materna foi detectada em 26% das mães entre 6 e 18 meses após o parto, sendo mais frequente entre as mulheres de baixa condição social e econômica, que não desejam a gravidez e já tinham três ou mais filhos. Destaca-se a importância da insatisfação com o atendimento prestado à mãe e ao bebê durante a internação para o parto e após o nascimento como fator associado. “A depressão materna tem influência negativa sobre a saúde da mulher, sua relação com a família e o recém-nascido, dificultando o estabelecimento do vínculo mãe-bebê, o aleitamento materno e trazendo consequências para o desenvolvimento da criança sob vários aspectos”.
Contudo, ao invés de implementar medidas que ajudem às mulheres a não passarem mais por esses problemas, o Ministério da Saúde vetou em 2019 o uso do termo violência obstétrica alegando que só há a violência quando houver o dolo, o que, para o Ministério, não acontece quando a mulher se diz maltratada pelas equipes hospitalares. Isso significa que há a crença de que quando agem dessa forma grosseira e cruel com a gestante não há na verdade qualquer intenção de causar danos. É uma ideia controversa e que até não chega a fazer sentindo para quem já passou por isso.
Debatedoras defenderam o uso do termo violência obstétrica pelo Ministério da Saúde em uma audiência realizada na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados no mesmo ano da proibição. A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), foi uma das parlamentares que pediu a audiência por considerar o ato do Ministério da Saúde “uma verdadeira censura institucional”.
Não há então nenhuma lei ou delegacia especializada em lidar com casos de violência obstétrica no país. O que poderá ser feito caso a mulher sofra maus tratos é a denúncia no próprio estabelecimento ou secretaria municipal; nos conselhos de classe (CRM quando por parte de profissional médico, COREN quando por enfermeiro ou técnico de enfermagem) e pelo 180 ou Disque Saúde – 136.
RG 15 / O Impacto