Pressão pela vacina: Com escassez de doses, priorização sem critérios preocupa especialistas
Por Thays Cunha
Desde o início da pandemia da covid-19 ficamos aguardando por um milagre da ciência que pudesse nos ajudar a contornar os inúmeros problemas e perdas originados por conta da infecção que se espalhou pelo mundo em um ritmo alarmante. E nessa corrida pela vida enxergamos alguma luz no fim do túnel quando surgiram os primeiros anúncios de fabricação e distribuição de vacinas capazes de frear os estragos causados pelo coronavírus. No entanto, embora aqui no Brasil as primeiras doses já tenham sido aplicadas em janeiro, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, atualizado em 03 de maio de 2021, quase cinco meses depois somente 15,26% da população recebeu a primeira dose, e apenas 7,69% dentre estes estão completamente imunizados, ou seja, tiveram acesso a segunda aplicação que a vacina requer para realmente oferecer proteção segura contra o vírus.
A grande questão é que por ser uma epidemia global, a disputa pelas vacinas produzidas pelos diversos laboratórios vem se tornando cada vez mais acirrada entre os países, o que faz com que governos eficientes na negociação acabem saindo na frente na sua obtenção. No Brasil, a lentidão do Governo Federal em obter, distribuir e aplicar as doses em tempo hábil para contenção do vírus e prevenção no que tange ao surgimento de novas variantes até mesmo mais letais nos coloca em uma delicada posição de angústia e terror em um momento em que já ultrapassamos a marca dos 400.000 mil indivíduos mortos.
Desse modo, por ainda estarmos distantes de um plano de vacinação em massa, a saída foi dividir as poucas doses produzidas e obtidas entre os chamados grupos prioritários. Como inicialmente a covid-19 era mais perigosa para os idosos, considerados mais frágeis; e profissionais de saúde, por estarem na linha de frente ao lidar diretamente com a doença, eles foram os primeiros a serem contemplados com a classificação, sendo a vacinação dos idosos iniciada pelos centenários, com a faixa baixando gradualmente até chegar aos sexagenários.
Porém, à medida que o perfil das vítimas foi e vem se modificando ao longo da pandemia isso também ocorreu/ocorre com o perfil dos grupos prioritários: após os idosos e profissionais da saúde vieram os indígenas aldeados, considerados grupo de risco se contaminados pela covid-19, e recentemente alguns estados requerem também a inclusão de grávidas e puérperas por conta do aumento de mortes nesse grupo, além de pessoas que apresentam comorbidades e doenças crônicas.
No entanto, com o surgimento de novas variantes e aumento de mortes entre pessoas jovens e sem histórico de problemas de saúde, está cada vez mais difícil definir quais são os grupos prioritários que devem receber a vacina urgentemente neste momento e quais devem ser os critérios para essa escolha. Não há doses para todos ao mesmo tempo, então nos vemos diante de uma briga nas quais divergentes classes e categorias exigem a sua inclusão já nas próximas fases da vacinação.
Assim, essa pressão pela vacina em um momento em que há escassez de doses é algo extremamente preocupante. Alguns questionamentos que estão sendo feitos agora são, por exemplo, como ordenar a fila de prioritários dentro dos prioritários, uma vez que há muitas pessoas na fila e, principalmente, se essa classificação em um grupo de risco deveria ser definida somente por critérios médicos (problemas de saúde) ou levar em conta também a exposição das pessoas ao vírus (profissionais e categorias específicas de trabalhadores).
De algum modo parece que não estão havendo ações coordenadas que unifiquem o país nessas escolhas, pois cada estado começa a definir “por conta própria” quem deverá receber a vacina primeiro, mas sem a realização de uma análise mais criteriosa. Isso dá brecha para que vários grupos exijam também a sua inserção no grupo prioritário, o que já começa a gerar diversos conflitos.
Sabemos que todos estão temerosos e é justo que os mais expostos recebam logo a vacina, porém é necessário organizar essa “fila” para que aqueles que realmente correm mais risco de morte se infectados possam se imunizar primeiro. É necessário então fazer um estudo rápido para averiguação de quais características se repetem entre os casos mais graves e fatais e como fazer com que as pessoas que neles se encaixam possam comprovar que os possuem. A questão agora é diminuir, primeiramente, o número de internações e óbitos, desafogando os sistemas de saúde, principalmente o público, para que não venham a haver perdas por conta da falta de estrutura. Com a diminuição de casos é possível cuidar mais e melhor daqueles que ficam doentes, assim as pessoas acabam tendo mais chance de sobreviverem se receberem atendimento rápido e eficaz. Em um momento em que faltam respiradores, oxigênio, remédios e insumos em todo o país, vacinar primeiramente aqueles que possivelmente apresentariam casos mais graves deveria ser a meta, independente da idade, grupo étnico ou de trabalho.
Não é algo simples, mas é a única saída em meio a um cenário de muitas mortes e poucas vacinas. Assim a ciência dever apontar qual deve ser a ordem da vacinação a ser realizada com o intuito de salvar quantos forem possíveis, com a opinião de infectologistas, imunologistas e médicos sendo levada a sério.
GRUPOS E POLÊMICAS
Definir quem participa ou não dos grupos de riscos é um tema bastante delicado. Alguns acreditam que devem ser vacinadas pessoas com doenças graves, e outros acreditam que para conter a disseminação do vírus seria melhor imunizar profissionais e trabalhadores mais expostos à contaminação, para que eles não venham a se tornar vetores da doença.
É preciso também fiscalizar a questão dos “fura-filas”, pessoas de má fé que acabam usando de cargos públicos ou poder para terem acesso à vacina antes que os outros. Mesmo escassas, não é incomum vermos notícias sobre descobertas de pessoas que se apropriaram de doses em benefício próprio ou de seus familiares.
Mesmo assim, não importa qual o critério de escolha ainda serão milhões de pessoas que precisarão ser vacinadas o mais rapidamente possível. A saída no momento, infelizmente, ainda depende da quantidade de doses disponíveis, então está nas mãos do poder público agilizar esse processo para que ocorra uma vacinação em massa que possa abarcar todos aqueles que correm risco e assim não haja a necessidade de termos que escolher quem terá uma chance a mais para viver ou não. Além disso, quanto mais tempo o vírus circula entre a população, maiores são as chances de que apareçam variantes que podem ser ainda mais letais e infecciosas.
O Governo Federal é o único autorizado a dispor de vacinas, mas a demora em consegui-las e distribuí-las vem gerando essa pressão pela vacinação vinda de todos os lados, inclusive por empresas, indústrias e sindicatos que, vendo as suas solicitações não serem atendidas, querem a permissão para que possam adquirir os imunizantes de forma independente. Apesar de parecer uma solução, isso só aumentaria ainda mais as lacunas entre aqueles que podem pagar e os que não, deixando a população pobre à margem mais uma vez.
Por enquanto o mais adequado é seguir o plano de vacinação nacional, que indica que somente os considerados mais vulneráveis devem receber a vacina, como idosos, indígenas e pessoas com comorbidades. A inclusão de outros grupos ainda necessita de uma definição única que possa ser seguida por todos os estados, aliada, obviamente, com o aumento na compra e distribuição dos imunizantes.
PARÁ
No dia 28 de abril o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) recomendaram ao governo do Pará que no estado sejam rigorosamente cumpridas as diretrizes e a ordem de prioridade definida no Plano Nacional de Imunização (PNI) contra a covid-19. Segundo a recomendação enviada ao governador e ao secretário estadual de Saúde no dia 27, o Pará não deve incluir, no plano estadual de imunização, categorias que não foram definidas como prioridade no plano nacional.
A recomendação, que tem caráter preventivo, aponta que, para que seja reduzida a taxa de ocupação dos leitos clínicos e de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), é essencial priorizar a vacinação dos grupos que sofrem com o agravamento da doença e que necessitam dos leitos de atendimento.
O MPF e o MPT recomendam também que, no caso de eventual alteração da ordem de prioridade estipulada no plano nacional, o Pará deve justificar de forma técnica, transparente, pública e clara os motivos e as consequências da alteração, inclusive indicando o quantitativo de vacinas a serem destinadas para esse público, desde que não inclua grupo não previsto no plano nacional.
Prioridade é por nível de letalidade – “Várias categorias profissionais vêm reivindicando prioridade na ordem de vacinação contra a covid-19 e, apesar das justificativas de cada categoria, é certo que, diante da escassez da vacina e da existência de diversos grupos vulneráveis, é necessário que o estado escolha os grupos mais emergenciais, de acordo com critérios objetivos e transparentes”, alertam procuradores da República e procurador do Trabalho.
Prioritários ainda não atendidos – De acordo com o vacinômetro divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), a vacinação dos grupos prioritários da primeira fase do plano estadual está distante de ser concluída: apenas 20,42% da população idosa foi vacinada com a segunda dose da vacina, e apenas 17,57% da população indígena e 0,42% da população quilombola foram vacinados com a segunda dose.
“É irrazoável, diante desse cenário, que o estado do Pará eventualmente pretenda, neste momento, incluir outros grupos não previstos no Plano Nacional de Operacionalização de Vacinação contra a covid-19, os quais não serão considerados para efeitos de contabilização para remessa das doses do Ministério da Saúde, o que acarretará a preterição dos grupos prioritários e mais vulneráveis”, alertam o MPT e o MPF.
Segundo a coordenação-geral do PNI, as vacinas são distribuídas aos estados por categoria de prioridade e com número exato para cada categoria, e por isso a priorização de uma categoria obrigatoriamente implicará na diminuição do número de vacinas para outras categorias, tendo em vista que o número de vacinas é restrito.
Demais recomendações – O MPF e o MPT também recomendaram ao estado do Pará que seja publicado na página oficial do vacinômetro o quantitativo total das doses aplicadas, inclusive na população incluída em decorrência de alterações realizadas na ordem de prioridade do plano estadual de vacinação. Caso haja vacinação simultânea de diversos grupos em uma mesma fase do plano estadual, MPF e MPT recomendam que seja garantido quantitativo de vacinas suficiente para assegurar a ordem de vacinação prevista no PNI, para não ocorrer prejuízo aos grupos mais vulneráveis. (Com informações do MPF)
RG 15 / O Impacto