Covid: 1,8 milhão de testes vencidos seguem encalhados sem previsão de troca
Mais de três meses após expirarem, cerca de 1,8 milhão de testes RT-qPCR para Covid-19 seguem encalhados no almoxarifado central do Ministério da Saúde, conforme apurou o Metrópoles. Desde então, tanto a pasta quanto o laboratório que produziu os exames, mesmo procurados diversas vezes, não dão qualquer sinal de quando a troca será efetuada, como rege a legislação.
Nesse meio tempo, inclusive, houve mudanças no discurso do governo federal. Inicialmente, o ministério admitiu que os testes ultrapassaram a data de vigência; agora, porém, a pasta contesta essa informação e alega que os exames foram bloqueados pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS).
Esses testes são os mesmos que tiveram o prazo de validade prorrogado em novembro do ano passado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas, mesmo assim, o governo federal os deixou vencer, conforme revelou o Metrópoles em maio deste ano.
Os exames foram comprados em abril do ano passado, por meio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). No total, foram adquiridos 10 milhões de exames, pelo custo unitário de R$ 42,32. Isso significa que, além de os brasileiros não terem tido acessos aos exames, o desperdício pode chegar a R$ 77,3 milhões. O Ministério da Saúde nega, contudo, prejuízo à administração pública.
Dados obtidos pelo Metrópoles, via Lei de Acesso à Informação (LAI), detalham que 1,615 milhão de testes RT-qPCR tinham validade até 31 de maio deste ano, e 211,8 mil, até 8 de junho.
Dias antes, em 18 de maio, a pasta já havia mencionado a indisponibilidade dos exames. “[Os testes] que estão fora do prazo de validade serão substituídos pelo fornecedor, sem custo”, informou a pasta. Procurada à época, a empresa Seegene Brazil, que produziu os exames, anunciou que iria “doar” 2 milhões de unidades do insumo ao Brasil.
Segundo a Seegene, os testes que seriam doados já estavam disponíveis na Coreia do Sul, onde fica a sede da empresa, e o embarque dependia “apenas de procedimentos burocráticos que devem estar concluídos nos próximos dias”.
“Liberado o embarque, os testes serão entregues em São Paulo, onde o Ministério da Saúde usualmente estoca o material a ser distribuído aos estados”, prosseguiu a companhia, em nota enviada ao Metrópoles no dia 19 de maio, após ressaltar que os exames a serem doados são de uma nova geração, que propiciam resultado mais rápido e mais eficiente, e ainda têm validade maior que os testes anteriores.
A Seegene também assegurou que não haveria prejuízo. “A empresa, que tem no Ministério da Saúde do Brasil um cliente importante, faz a doação como um gesto de boa vontade. […] O custo dos testes doados será absorvido sem problemas maiores”, pontuou.
Desde então, a companhia sul-coreana e o Ministério da Saúde foram procurados ao menos três vezes, por e-mail, para informar sobre o andamento do procedimento de troca, mas não se manifestaram. Os contatos ocorreram nos dias 1º e 23 de julho, e na quinta-feira (2/9). O Metrópoles só conseguiu respostas oficiais do governo federal por meio da LAI.
Em 17 de junho, a pasta explicou que a Seegene é obrigada a “repor integralmente o produto danificado, a partir da data da identificação dos desvios de qualidade, desde que notificado oficialmente pelo contratante, contados da data da chegada do produto no almoxarifado, sendo que a reposição deverá ocorrer no prazo máximo de (até) 90 dias corridos, a partir do recebimento da notificação, sem ônus ao contratante”. A avaliação do lote feito pelo INCQS ocorreu no início de maio. Desde essa data, passaram-se quatro meses.
No dia 16 de agosto, em resposta ao segundo pedido via LAI, o Ministério da Saúde, questionado sobre a data e o processo de troca dos testes, alegou, sem explicar os motivos, que parte da informação é sigilosa e não respondeu às perguntas.
A reportagem do Metrópoles entrou com recurso, e a pasta, finalmente, admitiu, no último dia 23 de agosto, que os testes ainda não foram trocados. O ministério também relatou, sem detalhes, que as tratativas para a destinação dos lotes no almoxarifado central da pasta seguem de pé. “Nenhum teste passível de utilização perdeu a validade no centro de distribuição do Ministério da Saúde, razão pela qual entende-se que não há prejuízo identificado para a administração pública”, prosseguiu o órgão federal.
Tentativas falhas
O Ministério da Saúde tentou dar “fim” a esses testes, de diversas maneiras. Em junho do ano passado, a pasta pediu à Opas que suspendesse a entrega de 4 milhões (dos 10 milhões contratados), mas a solicitação não foi atendida, conforme revelou o Metrópoles.
O órgão federal alegou que a medida visaria “otimizar as ações do ministério até que sejam definidas as novas estratégias de testagem pelos gestores da Secretaria Executiva e da Secretaria de Vigilância Sanitária”. No ofício, o ministério, que à época era comandado pelo general Eduardo Pazuello, afirmou que a “Opas quer obrigar o ministério a receber uma quantidade remanescente dos referidos kits, que ainda não foram entregues, totalizando 40 mil kits, ou 4 milhões de testes, sem que o ministério tenha aceitado o cronograma de entrega”.
O governo explicou que poderia ser necessário, futuramente, ter que descartar os kits, e propôs, inclusive, a incineração dos insumos.
A Opas, no entanto, não interrompeu o processo de entrega. A entidade explicou que a demanda não pôde ser paralisada, porque a quantidade total de 10 milhões de testes já estava integralmente no Brasil, e 6 milhões de testes estavam em posse do Ministério da Saúde.
“Os 4 milhões de testes remanescentes estavam em São Paulo, e a operação logística para a entrega dessas cargas ao almoxarifado do Ministério da Saúde já havia sido iniciada”, prosseguiu, em nota enviada ao Metrópoles.
Em fevereiro deste ano, o jornal O Estado de S.Paulo revelou também que o governo federal estudava doar 1 milhão de testes ao Haiti. Outro lote foi oferecido a hospitais filantrópicos e santas casas, mas recusado.
Fonte: Metrópoles