Ineficiência fiscal trava o crescimento da economia, apontam analistas
A má gestão das contas públicas é outro fator que trava o crescimento no Brasil, de acordo com os especialistas. Desde 2014, o país deixou de registrar superavit primário e o endividamento passou a ficar muito acima da média dos países emergentes. Apesar de as previsões apontarem queda na dívida pública bruta neste ano, a tendência é de crescimento e ela não será revertida se o país não crescer.
Nesse sentido, a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que legalizou o calote de dívidas judiciais na Constituição, aumentando os riscos fiscais com o acúmulo de precatórios que não serão pagos neste ano e nos anos seguintes, vai contribuir para uma nova explosão da dívida pública, segundo os analistas.
“O que vimos nesses dois meses foi uma piora considerável da situação fiscal. O ministro Paulo Guedes (Economia), engajado na campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL), abandonou os instintos liberais e patrocinou uma barbaridade que foi essa PEC dos Precatórios, que é um direito líquido e certo depois de anos de luta no Judiciário”, lamenta o economista Mailson da Nóbrega.
Enquanto o presidente brigava com a ciência e se mostrava estar cada vez mais preocupado com a reeleição do que com a solução das eternas mazelas do país, a deterioração da atividade e do quadro fiscal foi visível. A inflação mais alta prejudicou a população, mas ajudou o argumento equivocado do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que a consolidação fiscal estava em curso, pois a redução da dívida pública bruta deste ano, em grande parte, deve-se ao aumento do denominador, o Produto Interno Bruto (PIB) nominal.
Logo, a tendência é de alta no indicador que, no Brasil, é maior do que a média dos países emergentes e, pelas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), pode chegar a 133% do PIB, em 2030, no cenário pessimista, que não pode ser descartado após o abandono das regras fiscais com a PEC dos Precatórios e a desordem criada com o Orçamento de 2022.
De acordo com Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o país até conseguiu fazer algumas reformas microeconômicas, mas, ele ressalta que existe uma instabilidade nos fundamentos macroeconômicos, provocada, em grande parte, pela inflação, e que podem se estender para o ano que vem e os próximos anos, sendo um grande elemento de preocupação. “Se não encontrarmos esforços e resolver essa questão fiscal, mesmo que tenhamos um próximo governo que tenha o interesse de fazer reformas estruturais e buscar aumentar a produtividade, o cenário de crescimento para os próximos anos vai atrasar ainda mais”, alerta.
Ele compara a situação atual com a do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, quando o fiscal foi deixado de lado e o país entrou em uma recessão nos anos de 2015 e 2016, na contramão do mundo, que estava em uma espiral de crescimento.
A baixa qualidade da mão de obra e a infraestrutura precária são outros motivos para o baixo crescimento do país. De acordo com o especialista em infraestrutura Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o país não consegue crescer, de forma sustentada, mais de 3% por um período mais longo sem que o risco de apagão fique no radar e as estradas e portos fiquem congestionados.
A economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, reforça que a questão fiscal é fundamental para o equilíbrio dos fundamentos macroeconômicos, que é condição necessária para o crescimento, embora não seja suficiente. “É difícil imaginar que as reformas microeconômicas tenham sucesso se o ambiente macroeconômico não ajudar. O crescimento será prejudicado”, alerta.
De acordo com a analista, a má qualificação da mão de obra é um problema recorrente da baixa produtividade do país e o atual governo conseguiu fazer o Brasil cair no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), cuja avaliação é realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
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Educação e desemprego
Mailson da Nóbrega também reconhece que a produtividade do Brasil é muito baixa devido, em grande parte, à má qualidade do ensino no país. “O Brasil investe 6,3% do PIB em educação, mais do que a média dos países ricos, de 5%, mas isso não acaba garantindo o crescimento da economia.
“A qualidade do ensino continua lastimável e o Brasil está na rabeira da avaliação do Pisa, e piorou com o governo Bolsonaro”, lamenta o ex-ministro da Fazenda. Ele lembra que o país continua sendo uma economia fechada e, portanto, sem estímulo para a inovação. “Como diria Paul Krugman (Nobel de Economia de 2008), a produtividade não é tudo na economia, mas é quase tudo”, frisa.
A economista e consultora Zeina Latif destaca que, além da baixa produtividade e do problema fiscal, o desemprego estrutural, acima de 10% é um fator importante para a impedir um ritmo de crescimento mais acelerado da economia. “Há um contingente considerável de pessoas desempregadas e, muitas, não conseguem se recolocar facilmente porque estão há muito tempo fora do mercado de trabalho. E, como o bônus demográfico não foi aproveitado, melhorar a qualificação da mão-de-obra é fundamental e precisa ser uma estratégia de governos”, alerta.
Para ela, no momento, essa questão é um ponto muito sensível que precisa ser discutido ao longo da campanha eleitoral que vai ocorrer no próximo ano. “A empregabilidade ficou para trás na discussão e ela gera consequências nos indicadores sociais e de trabalho. É importante uma distribuição de renda para os mais vulneráveis, mas é difícil combater a pobreza e a desigualdade quando as pessoas não conseguem se inserir no mercado de trabalho. Há ocupações que deixaram de existir por conta da pandemia e por avanços no chão de fábrica. É preciso debater isso rapidamente e treinar essas pessoas. E, nesse contexto de fim do bônus demográfico, essa discussão será mais necessária, caso contrário, até mesmo a efetividade de outras reformas ficará comprometida”, completa.
Fonte: Correio Braziliense