Violência obstétrica e morte de bebê, OAB se manifesta e polícia abre inquérito

Por Diene Moura

Após a reportagem de Lorenna Morena na TV Impacto, na qual uma família relatou com detalhes a suposta Violência Obstétrica (V.O) sofrida por uma mãe de 18 anos, e que resultou no óbito de seu bebê, muitas mães, acompanhantes e familiares procuraram a nossa redação e reafirmaram o tratamento às grávidas realizado na unidade pública hospitalar em Santarém.

A família registrou um boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher, a fim de iniciar os trâmites legais para apurar as circunstância da morte do bebê. Posteriormente, com a repercussão do caso, convidamos a  Presidente da Comissão do Direito da Mulher Advogada da Oab- Subseção Santarém, Jakelyne Mendes, para orientar as mulheres quando se sentirem vítimas de violência obstétrica. Durante a entrevista realizada na terça-feira (29),  mediada por Osvaldo de Andrade em nosso estúdio, a advogada iniciou o diálogo definindo o que é V.O e o que diz a lei a respeito.

“Hoje, no Brasil, não há uma legislação específica sobre Violência Obstétrica. Existem projetos e estudos, muitos  deles fomentados pelo movimento feminista, que trouxe dessa década para cá o debate sobre a  violência que as mulheres sofrem durante o parto e pós-parto (puerpério). A violência obstétrica está ligada a questão dos procedimentos invasivos desnecessários, no momento do parto, aos xingamentos, tanto do médico quanto do enfermeiro, ou seja, da equipe que participa do momento do parto. Por exemplo:  como foi dito à nossa paciente do caso recente: ‘abre mais as pernas, na hora de fazer você gostou e agora, né, você tá reclamando, faz mais força’. E a mulher não está conseguindo fazer mais força. Outro exemplo: o médico ignorar que a mulher esteja sentindo dores desnecessárias ou excessivas. Isso é violência obstétrica”, disse a advogada.

De acordo com a Presidente da Comissão da OAB, Jakelyne Mendes, para ingressar com uma ação judicial é necessário ficar atenta em reunir provas. “Os planos de parto, o prontuário médico, o cartão SUS e principalmente fazer um Boletim de Ocorrência na delegacia. Se for o caso, representar os profissionais que estiveram naquele momento com ela juntamente com o Conselho Regional de Medicina (CRM) ou o Conselho Regional de Enfermagem (Coren). A vítima deve procurar o auxílio de um advogado, Defensoria Pública ou acionar o Ministério Público”.

Conforme argumenta a titular da Comissão de Representatividade Feminina da OAB, a unidade de saúde pública tem a obrigação de fornecer a documentação de atendimento à paciente.  “É realmente difícil conseguir provas, mas se ela não conseguir, pode entrar com uma ação contra o Município para que eles forneçam essa documentação, porque o prontuário médico, plano de parto, fica no hospital, e tem que ser entregue de forma gratuita à paciente”, afirmou.

Qual a punição aos profissionais da saúde?

Ao ser constatada a violência ocorrida em uma unidade pública ou particular, o profissional da saúde pode sim ser penalizado, como bem ressalta Jakelyne Mendes. “Havendo a constatação da violência obstétrica, no caso específico da paciente que teve seu bebê a óbito, os profissionais podem perder o direito de exercer a sua profissão, através  da representação nos seus devidos conselhos, e também pode sofrer uma ação de indenização”.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Subseção de Santarém, situada na Presidente Vargas n° 2948, bairro de Fátima, atende as vítimas no sentido de orientar juridicamente. “Nós podemos auxiliar através da orientação dessas famílias e encaminhar os relatos, as denúncias aos órgãos competentes. Mas no primeiro momento é preciso registrar B.O, reunir as provas (prontuário médico, cartão SUS, Plano de Parto). Se a denúncia se tratar de uma instituição privada, é preciso obter o contrato e recibos de pagamentos. A comissão está a disposição para dar os encaminhamentos necessários”, destacou.

 Induzir o parto normal é permitido?

Segundo pesquisadores, a manobra de Kristeller é caracterizada pela pressão do fundo uterino para que o período expulsivo do feto seja encurtada. A prática  ainda é utilizada por profissionais de saúde de unidades públicas para induzir um parto normal, já que a cesárea é evitada ao máximo, pois requer recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS). A técnica de Kristeller, criada em 1987 pelo Alemão Samuel Kristeller,  foi banida pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde  (OMS) em 2017, após a grande incidência de mortes de recém-nascidos, consequências fetais, lesões uterinas e traumas psicológicas às mães.

O Ministério da Saúde lançou naquele mesmo ano uma cartilha com recomendações, cujo título: “Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal”, determinam o atendimento em um ambiente seguro, profissionais capacitados e com instalações adequadas.  A Organização Mundial de Saúde (OMS) informa que a nova diretriz da OMS inclui 56 recomendações baseadas em evidências sobre quais cuidados são necessários durante o trabalho de parto e pós-parto imediato para a mulher e seu bebê.

Entre elas, estão a escolha de um acompanhante durante o trabalho de parto e o nascimento; garantia de cuidados respeitosos e boa comunicação entre mulheres e a equipe de saúde; manutenção da privacidade e confidencialidade; e liberdade para que as mulheres tomem decisões sobre o manejo da dor, posições para o trabalho de parto e para o nascimento, bem como o desejo natural de expulsar (a escolha da posição no período expulsivo) do feto, entre outros.

A DENÚNCIA

A jovem de prenome ‘Suzana’, 18 anos, esteve na 16° Seccional de Polícia Civil na sexta-feira (25/3), ao lado de sua mãe e esposo, cobrando providências com relação aos momentos de horror que resultaram na morte do seu bebê no Hospital Municipal de Santarém. O atendimento da equipe médica até o óbito da criança são relatados em detalhes pela jovem, que agora sofre a dor da perda e tenta superar as agressões físicas e psicológicas vivenciadas durante o parto do seu tão esperado filho.

Segundo Suzana, as dores do parto e perda de líquido iniciaram na quinta-feira(24), mas foi orientada a voltar para casa e retornar no sábado, 26. O médico plantonista inicialmente a avaliou e informou que estava tudo bem com o bebê.  “As 20h de sábado eu fui internada. Por volta das 21h , o Doutor Douglas passou por lá, me observou e disse que tava tudo bem com o neném, que não era para ninguém fazer nada, só era para eu ficar em observação. Na troca de plantão, outra enfermeira chegou até onde eu estava no meu leito e  fez o toque dizendo que estava com 30 milímetros dilatados e logo falou que eu tinha passagem. Colocaram a pílula na minha vagina e a dor não aumentava. Ela veio novamente e disse: põe mais forte a pílula, e colocaram no soro, na minha veia. E eu sentindo aquela dor mais compassada uma atrás da outra, através do remédio e não dor própria.”

Suzana alega que foram realizados diversos procedimentos que lhe exigiram grande esforço físico. “Pela terceira vez colocaram mais forte o remédio na minha veia e eu fazendo aquela força, andando, pulando em cima de uma bola, que elas mandavam, me agachando”. A jovem acrescenta ainda que a sua dor foi compreendida erroneamente pela equipe médica. “Elas pensavam que era tolice minha, me abandonaram com a minha mãe, sozinha lá, que não desistiu de mim em nenhum momento, ela viu tudo. Do  jeito que eu fui tratada, cruel lá”.

Diz ainda que sentiu o filho morrendo em seu ventre. “Umas 10 horas da noite estourou a bolsa, o neném naquele momento passou por muito sofrimento, começou a sofrer dentro de mim, aí me levaram para a sala de parto pela primeira vez. Lá eu fazia força, cabo de guerra, sentir dilatando um pouco, mas através da grande força que eu fazia, porque ele era muito grande e eu não tinha passagem para ter normal”.

A jovem mãe do bebê é natural da Comunidade Quilombola São José 1 do Ituqui. Durante meses sua família passou por dificuldades financeiras e tiveram que trabalhar duro para que sua gravidez fosse tranquila, se alimentasse e conseguissem o enxoval completo. De acordo com a mãe de Suzana, o bebê era saudável e os exames do pré-natal comprovavam.  Ela e o esposo de Suzana acredita que a criança nasceu morta. “Creio eu que naquele momento a criança já tava morta e eu fazendo força. Me botaram de novo na sala de parto, foi quando elas começaram a me agredir corporalmente, empurrando a minha barriga e a outra abrindo a minha vagina com o dedo, empurrando para ele não subir, para ele descer com aquela pressão forte”, contou a jovem.

Dentre o longo relato de Suzana, ela afirma que escutava gritos das enfermeiras a incentivando a fazer mais força e obrigando a segurar a respiração por quase 30 minutos. Quando avistou a cabeça do seu filho, suspeita que ele já tenha nascido sem vida. Neste momento ela conta que o jogaram desfalecido em seus braços e em seguida o colocaram na máquina, que nem sequer apitou. A jovem denúncia também que as profissionais de saúde ficaram quase meia hora procurando oxigênio e saíram desesperadas pela unidade hospitalar. Neste momento, não ouviram nenhum choro e ainda assim as profissionais, levaram o menino para a incubadora. Os familiares garantem que tal atitude ocorreu na tentativa de enganá-los.

“Minha mãe foi a primeira a ir lá e não deixaram ela entrar. Só podia o pai ou a  mãe. Meu marido tava pro sítio e eu não podia nem andar. Quase elas me esquartejam, abrindo minhas pernas. A minha mãe com muita dificuldade me levou na cadeira  de rodas para ver ele, ao chegar lá não tinha nenhum aparelho. Como ela disse que o coração dele tava batendo? Não tinha nenhum aparelho indicando isso. Não ouvi o choro do neném em nenhum momento.  A criança nasceu mole, toda roxa.  O pescoço mole, creio que elas quebraram o pescoço do meu filho”.

Para a família, a equipe médica afirmou que a causa da morte do bebê teria sido uma parada cardíaca e que os profissionais tentaram reanimá-lo, mas sem êxito. O próprio hospital providenciou  um caixão para o bebê por volta das 21h de domingo. O fato surpreendeu os familiares, que também não receberam nenhuma certidão de óbito ou a informação de que haveria a possibilidade da realização de um exame cadavérico.  O corpo do bebê foi removido as escondidas, como informa a mãe de Suzana, e enterrado na comunidade de origem.

“Pra mim era uma criança tão esperada e acontecer um fato tão cruel assim. Creio que eles têm diploma de médico e não de matador! Nós queremos Justiça, não para trazer meu filho de volta, mas para livrar muitas mulheres, que vão perder seus filhos ou já perderam. Tem outros fatos que aconteceram e as pessoas tem medo, porque eles podem fazer um atentado contra nossa pessoa.  Se aconteceu esse fato com você não fique calada! Denuncie, porque nós somos cidadãos, todos nós temos direito de falar, de dialogar. Não fique calada!  Lute!  É um pedaço seu que você perde”, finalizou aos prantos o companheiro de Suzana.

O Impacto

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