Justiça Federal cancela licença ambiental de garimpo

Decisão abre precedente para questionar garimpos licenciados pelos municípios

Da Redação

A Justiça Federal em Itaituba, sudoeste do Pará, cancelou o licenciamento de um garimpo de mais de mil hectares dentro da Área de Preservação Ambiental (APA) do Tapajós. O local foi licenciado pelo município de Itaituba, apesar da APA atingir território de outros três municípios, Jacareacanga, Trairão e Novo Progresso. Para a Justiça, o potencial poluidor da atividade garimpeira é grande demais e de alcance regional, o que impede o licenciamento pelo município.

A sentença atendeu parcialmente pedidos do Ministério Público Federal (MPF) feitos em ação civil pública contra o garimpo licenciado em favor de Ruy Barbosa de Mendonça, sem a exigência da elaboração de estudos de impactos ambientais. O licenciamento foi feito para quatro áreas diferentes, todas menores do que 500 hectares, que, somadas, ultrapassam mil hectares. Para a Justiça Federal, o fracionamento das licenças é uma estratégia de burla à legislação.

“Certamente, as licenças expedidas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Itaituba carecem de legalidade, uma vez que a apreciação do licenciamento das atividades de lavra garimpeira requeridas por Ruy Barbosa Mendonça é de atribuição da Semas/PA (Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade), tendo em vista que o impacto causado excede o âmbito local, seja pela extensão das áreas, seja por exceder os limites de territoriais um município, seja pelo alto potencial degradador da atividade licenciada”, diz a sentença do juiz Marcelo Garcia Vieira.

Na sentença, a Justiça Federal declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da resolução 162/2021 do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) que delegou aos municípios o licenciamento de atividades minerárias. Essa declaração só é válida para o caso tratado no processo, mas abre um precedente importante para que se questione a legalidade de outros garimpos que causam danos regionais, mas são licenciados como se tivessem impacto apenas local (dentro do próprio município). Tanto a legislação federal quanto a legislação estadual incluem as atividades minerárias de todos os tipos como de alto potencial poluidor.

Garimpo triplicou – Na última década, as atividades de mineração localizadas na Bacia do Tapajós, sofreram um aumento alarmante de mais de 200%. No ano de 2010, área ocupada pelos garimpos era de 21.437 hectares, sendo que, no ano de 2020, essa área foi ampliada para mais de 68 mil hectares, segundo dados coletados pelo professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) Pedro Walfir, disponíveis no site MapBiomas. No início de 2022, imagens da praia de Alter do Chão, na foz do Tapajós, poluída por rejeitos de garimpo, rodaram o mundo.

A sentença cita também o laudo 91/2018 da Polícia Federal, que detectou risco de assoreamento do rio Tapajós pela magnitude dos sedimentos depositados pelos garimpos, legais ou ilegais, nos afluentes do rio.

“Considerando que o aporte de sedimentos tem como origem os garimpos de aluvião, e que esse aporte, no leito do rio Tapajós, é em volume muito significativo, o assoreamento da calha do rio Tapajós é uma questão de tempo. Como foi mostrado, se extrapolado para um ano o aporte é da ordem de 7 milhões de toneladas de sedimentos por ano, o que certamente tem grande potencial de dano”, diz o laudo.

Normativa inconstitucional – “Para evitar desastres irreversíveis, mitigar os impactos ambientais e garantir um desenvolvimento sustentável, compatibilizando o fomento de atividades de exploração dos recursos minerais e a preservação do meio ambiente hígido, que a Constituição Federal de 1998 incumbiu ao Poder Público em todos os espaços federados o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado”, lembra a sentença.

“Claramente, observa-se que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Itaituba extrapolou os limites impostos pela Lei Complementar nº 140/2011 (…) ao realizar o licenciamento de atividade que causa impacto ambiental que excede o âmbito local, considerando o porte, potencial poluidor e a natureza da atividade desenvolvida na APA do Tapajós”, diz a sentença.

Para a Justiça Federal, “é patente à afronta pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente do Estado do Pará ao dispositivo constitucional para fins de subverter de por meio de normativo infralegal a lógica do sistema cooperativo em matéria de proteção ambiental por meio do desvirtuamento e desrespeito aos parâmetros fixados pela Lei Complementar nº 140/2011 e a Lei n. 6.938/1981, instituidora da Política Nacional do Meio Ambiente e do Sistema Nacional do Meio Ambiente”.

Caso específico – A sentença foi assinada em fevereiro desse ano, mas só foi comunicada ao MPF, oficialmente, em abril. Ela ordena que, no caso específico do garimpo de Ruy Barbosa de Mendonça, o processo de licenciamento deverá ser submetido à Semas e também ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), gestor da Apa do Tapajós.

O município de Itaituba fica proibido de licenciar atividades garimpeiras em favor de Ruy Barbosa Mendonça e deve encaminhar os processos de licenciamento requeridos por ele para o órgão ambiental estadual. O réu também foi obrigado a requerer os licenciamentos perante à Semas, apresentando os estudos de impacto ambiental. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), hoje Agência Nacional de Mineração (ANM), também fica proibida de conceder guias, autorizações ou permissões em favor do réu, sem o devido licenciamento ambiental pelo estado do Pará.

MEDIDAS URGENTES PARA PROTEGER SÍTIO ARQUEOLÓGICO

Um sítio arqueológico com mais de 50 mil vestígios e artefatos arqueológicos, entre peças cerâmicas, líticas, vestígios faunísticos e amostras de carvão para datação, onde também foram encontrados três áreas de sepultamentos do povo Munduruku. Tudo isso foi descoberto em 2021, às margens do rio Tapajós, durante as obras de um novo porto de grãos no município de Rurópolis, no oeste do Pará. Batizado de Santarenzinho, o sítio arqueológico está ameaçado pelas obras e o Ministério Público Federal (MPF) emitiu recomendação para que sejam tomadas medidas de proteção urgentes.

A principal medida é a suspensão imediata de intervenções na área do sítio ou nas proximidades, que possam afetá-lo. Um laudo da perícia técnica do MPF concluiu que “a quantidade de material cerâmico e lítico em superfície no sítio arqueológico Santarenzinho é extremamente expressiva e que raros são os locais na Amazônia com tanto material lítico em superfície e de tão boa qualidade”. As 50 mil peças encontradas até agora representam uma fração minúscula do que se espera encontrar no sítio todo, que deve ter milhões de vestígios a serem catalogados.

O material lítico é todo aquele feito de rochas e minerais pelos povos que já habitavam a região amazônica no passado. Ele tem grande importância arqueológica porque fica mais preservado, permitindo a interpretação sobre a maneira como viviam os ancestrais dos povos amazônicos atuais. A presença do carvão, que guarda informações físicas e químicas do local, permite fazer a datação, cálculo do tempo que o sítio arqueológico existe, abrindo uma janela para períodos anteriores da vida da região.

A área do sítio Santarenzinho, às margens do Tapajós, é de ocupação histórica e contínua de povos indígenas, inclusive em período pré-colonial. Por esse motivo, a perícia do MPF acompanhou visita de representantes do povo Munduruku ao sítio, com a presença de um pajé que identificou o local como área sagrada, de onde não devem ser removidos os remanescentes humanos pelo risco de danos irreparáveis ao povo indígena pela violação de sua relação com os espíritos dos antepassados. De acordo com a legislação nacional e internacional, os povos indígenas têm direito à consulta prévia, livre e informada para qualquer obra que afete seus locais sagrados.

O povo Munduruku tem um protocolo de consulta, que define como deve se dar um processo de consulta desse tipo e, pelo protocolo, qualquer decisão só pode ser tomada com a aprovação de todos os representantes das mais de 115 aldeias das regiões do médio e alto Tapajós, em assembleia geral. Está prevista uma assembleia do povo Munduruku para o segundo semestre de 2022 e o MPF recomendou que nenhuma licença ou parecer seja emitido até que esse protocolo de consulta seja obedecido, conforme o previsto pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, tratado que protege os direitos de povos indígenas e do qual o Brasil é signatário.

O porto é de propriedade da empresa de transportes Bertolini e está em processo de licenciamento pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas). A empresa solicitou vistorias à Semas e também ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável também pela salvaguarda do patrimônio arqueológico brasileiro. O MPF recomendou à Bertolini, à Semas e ao Iphan que garantam imediatamente a proteção ao sítio de Santarenzinho.  (Com informações do MPF/PA)

O Impacto

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