Protesto fecha portaria da Vale após morte de garimpeiro pela Polícia Militar
Garimpeiros e familiares de Jesiael da Silva Lucena, morto em decorrência de uma intervenção da Polícia Militar no último dia 13 (quarta), na Floresta Nacional de Carajás, fecharam a portaria N1, do Projeto Salobo, próximo à Vila Sansão, na zona rural de Parauapebas, na manhã desta segunda-feira (18). A área de conservação ambiental onde ele morreu é administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em parceria com a mineradora.
De acordo com o pai da vítima, Josias Nunes de Lucena, Jesiael foi apontado erroneamente como bandido e não teria atirado contra a guarnição que foi acionada por agentes patrimoniais contratados pela Vale. Ele realizava garimpagem ilegal junto a outras pessoas quando foi baleado.
“A Vale e a guarda covardemente mataram meu filho. Culpo a Vale porque a área onde meu filho trabalhava é responsabilidade dela, que teria Ibama, ICMBio e Força Nacional para acionar, já que falaram pra eles que era bandido de alta periculosidade, altamente armado. Tinham que ter mandado Força Nacional, mas chegou a ordem ao Tático (Polícia Militar) de que eram bandidos perigosos e quando chegaram lá mataram um pai de família”, revolta-se Josias.
O pai acrescenta que o grupo abordado portava apenas duas espingardas de fabricação caseira e que ambas estavam descarregadas. “Mesmo assim meu filho foi alvejado com dois tiros. O primeiro foi no peito e com 10 minutos levou outro tiro no abdome. A Vale vai se responsabilizar por isso e eu quero que seja responsabilizada a empresa de segurança, pelas escolas dos meus três netos, casa para eles — porque era pra isso que meu filho trabalhava — e o estudo deles até se formarem. Além disso, indenização pela vida do meu filho”, cobra.
CASO
Na última quarta-feira, a Polícia Militar informou ter sido acionada pela segurança patrimonial da Vale afirmando que as equipes vinham sendo constantemente ameaçadas por integrantes do PCC que estariam realizando garimpagem ilegal na região. A denúncia dava conta, ainda, que as pessoas estavam armadas e que efetuavam disparos a fim de intimidar os agentes.
Uma guarnição foi à margem do Rio Azul, onde diz ter identificado seis homens. Durante a ação, alegam os militares, Jesiael teria efetuado um disparo em direção aos policiais, que reagiram atingindo-o. A equipe afirma ter prestado os primeiros socorros e levado Jesiael ao Hospital Municipal de Parauapebas, mas ele não resistiu.
Na ocasião foram apreendidas as duas espingardas caseiras e quatro homens foram encaminhados à 20ª Seccional Urbana de Polícia Civil, onde foram ouvidos e posteriormente liberados.
TESTEMUNHA
Uma das pessoas apresentadas na delegacia conversou com o Correio de Carajás, pedindo para ter a identidade preservada por medo de represálias. Conforme o homem, as coisas aconteceram diferentes do divulgado pela Polícia Militar.
Ele relata que por volta das 13h30 estava em companhia de outros homens – incluindo Jesiael –encerrando o serviço de garimpagem quando foram surpreendidos pelo Grupo Tático Operacional, que estava do outro lado do rio. Três garimpeiros se embrenharam no mato, conta, enquanto outros seguiram na frente para atravessar os objetos pessoais — como roupas e calçados – pela água. Jesiael e mais três homens teriam ficado para trás.
Em seguida, quando estes últimos desceram o barranco do rio para também atravessarem, teriam erguido as espingardas informando que estavam descarregadas, momento em que Jesiael foi alvejado pela Polícia Militar. “Em momento algum arma foi apontada para o lado da guarnição (…), não houve reação nenhuma, ele foi para se entregar, foi baleado e veio a óbito”, diz a testemunha, afirmando, ainda, que o militar mirou no peito do garimpeiro. “Já veio com intenção, ninguém atira no peito para não matar”.
Ainda de acordo com o homem, ao atravessarem o rio e saírem da área ambiental, houve outro disparo. Ele diz, contudo, não poder afirmar que foi no colega porque estava rendido, de cabeça baixa, e não conseguiu visualizar. Por fim, nega veementemente que os garimpeiros sejam faccionados. “Bandido nenhum faz o que o garimpeiro faz, porque o garimpeiro tem coragem e força de vontade de trabalhar, coisa que poucos têm”, argumenta.
AMIGOS
O caso mobilizou a comunidade da Vila Paulo Fonteles, onde os garimpeiros residem. O professor Virgílio de Jesus Oliveira, por exemplo, diz ter dado aulas a Jesiael e aos demais homens detidos, garantindo nunca ter ouvido falar de envolvimento de qualquer um deles em casos de polícia.
“Sempre vi neles a garra e a vontade de trabalhar. Nos estudos eles não foram muito bem, não eram alunos muito assíduos, mas são jovens com vontade de trabalhar. No inverno trabalham em pasto, roçando, colocando veneno, porque não dá pra trabalhar na extração de ouro, e no verão partiam para essa área. Às vezes eu dava até uma forcinha pra eles comprarem combustível par os motores”, diz.
Ele diz lamentar o ocorrido com quem considera pai de família. “A comunidade olha para esses rapazes como pessoas que procuram trabalhar para dar sustento às suas famílias e ouvir esses relatos sobre eles dá uma tristeza, porque são jovens e dentro da nossa comunidade são pais de família em busca do sustento. Embora saibamos que estão dentro da área da Vale, achamos que a vida do ser humano vale mais que isso”, defende.
O proprietário de açougue José Vieira da Costa, o Zezão, também saiu em defesa do grupo e de Jesiael. “Eu conhecia a vítima há muito tempo, desde pequena, estudou com as minhas filhas, conheço os pais, parentes, amigos. Nenhum deles eu conheço como bandido, e sim como homens trabalhadores, tanto o que mataram, como os irmãos, o pai… sempre compraram as coisas nas minhas mãos certinhas, nunca andaram enrolados com ninguém”, diz, afirmando ser morador da região há 23 anos e não ter conhecimento de envolvimento do grupo com facções. “Tenho legítima certeza que ele não é bandido, é um pai de família, deixou três filhinhos, trabalhador noite e dia para sobreviver e pagar as contas”.
POSICIONAMENTOS
O Correio de Carajás procurou a mineradora Vale que encaminhou nota afirmando repudiar “ameaças, atos de invasão ou obstrução de vias públicas, impedindo o direito de ir e vir dos seus empregados, prestadores de serviço e de toda a sociedade, como o bloqueio do acesso à portaria do Salobo, em Parauapebas, que ocorre neste momento por um grupo de garimpeiros”.
A empresa informou ter adotado medidas legais cabíveis e reiterou que a Flona Carajás é Unidade de Conservação Federal de proteção ambiental de uso sustentável, cuja gestão é do ICMBio. “A Vale ressalta que compete às autoridades policiais esclarecer os fatos relacionados às operações de combate à prática de garimpo ilegal na região.”
A Polícia Militar também foi procurada com questionamento sobre a atuação em área federal e sobre as alegações da família. Já à Polícia Civil, a reportagem questionou se o caso está sendo investigado e qual procedimento foi instaurado. Nenhum dos órgãos respondeu até esta publicação.
Fonte: Correio de Carajás