Tráfico e milícia entram em confronto por área do Rio com comércio ilegal de R$ 1,5 milhão semanalmente

Uma guerra travada desde segunda-feira entre milicianos e traficantes em comunidades de Quintino e Campinho, na Zona Norte do Rio, vem espalhando o terror na região. Com os intensos confrontos, lojas, escolas, clínicas da família e até a Igreja de São Jorge tiveram as atividades suspensas ontem por medo ou por ordem do crime organizado. Moradores contam que as ruas ficaram vazias à tarde. Pela manhã, bandidos incendiaram barricadas em diferentes pontos para impedir a reação de policiais. No centro dessa disputa está o controle sobre a venda de água e de botijões de gás e a distribuição de sinal clandestino de internet, além da cobrança de “taxa de segurança”: serviços que podem render até R$ 1,5 milhão por semana, de acordo com investigação da polícia.

A Igreja de São Jorge, em Quintino, suspendeu as missas que estavam previstas para o fim da tarde e a noite de ontem. Segundo o padre Dirceu Rigo, a ordem para fechar a igreja partiu dos traficantes que atuam na região. Pela manhã, na Rua Clarimundo de Melo, a principal do bairro, três ônibus foram atravessados na via para bloquear a passagem das viaturas da PM, que chegavam com sirenes ligadas e policiais armados com fuzis debruçados nas janelas. Em pânico, pedestres buscaram abrigos em lojas e casas.

— Todo o comércio está fechado por aqui; Faetec e clínica da família também. Eles (traficantes) mandaram, e a gente fechou a igreja. Ligamos para a polícia para saber como proceder, pois isso nunca tinha acontecido. O policial disse que eu tinha toda a liberdade, mas que seria prudente fechar. Seria melhor. Como todo dia 23, a gente tem três missas para celebrar São Jorge: 9h, 17h e 19h. Reunimos mais de dois mil fiéis sempre. Mas hoje (ontem) só consegui rezar a primeira, mesmo assim, ouvimos tiros — afirma o padre.

Medo se espalha

Ontem à noite, apesar de não haver registros de novos confrontos, o clima de medo ainda era generalizado. Com ruas vazias e postos de gasolina fechados, linhas de ônibus que passam pela Clarimundo de Melo optaram por rotas alternativas para evitar a área. Desavisados, muitos fiéis de São Jorge foram à igreja, onde encontraram um aviso na porta informando sobre o cancelamento das missas.

Com os confrontos entre as quadrilhas intensificados, a PM enviou reforço para a região na quinta-feira. Agentes de diferentes batalhões atuaram para tentar pôr fim ao confronto. O Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) se concentrou na área de mata, onde um suspeito foi morto ontem. Com ele foi apreendida uma pistola.

— A situação é mais complexa do que se imagina: é uma área de mata muito grande e um conflito que dura há muito tempo. O trabalho da PM, preliminarmente, é na intervenção do conflito, para impedir que um lado se sinta confortável em atacar o outro. O emprego das tropas precisa ser analisado com a especialidade de cada uma — disse o tenente-coronel Ivan Blaz, porta-voz da PM, acrescentando que ontem à noite “o terreno estava estabilizado”.

Investigações da Polícia Civil revelam que homens ligados à maior facção criminosa do Rio têm usado o Morro do Dezoito, em Quintino, como uma espécie de base para tentar dominar completamente o Morro do Fubá, no Campinho, que tem uma parte controlada pela milícia. Esse conflito faz parte uma guerra mais ampla que envolve 12 comunidades em Quintino, Campinho, Praça Seca e Taquara e tira o sossego dos moradores desde maio.

— O último tiroteio aconteceu aqui há mais ou menos uma hora. Já soubemos de duas igrejas que fecharam na região. Estamos ouvindo barulhos de explosões e de tiros. Na noite passada, tinha gente gritando e correndo em meio aos disparos. Estamos apavorados. Tem gente aqui passando mal com isso tudo que está acontecendo — disse uma moradora de Campinho, que pediu para não ser identificada.

Oito dessas favelas já estariam nas mãos do tráfico. A milícia só controla totalmente a Favela da Chacrinha, na Praça Seca, mas lá tem o apoio de uma outra facção do tráfico, rival à que está envolvida nas invasões. Além do Morro do Fubá, o Morro do Jordão, na Taquara, e a Favela Bateau Mouche, na Praça Seca, estão divididos entre quadrilhas inimigas, o que deixa os moradores ainda mais vulneráveis.

Americano morto

A ordem para o tráfico invadir as 12 comunidades, que antes eram completamente controladas por milicianos, partiu dos traficantes Edgar Alves de Andrade, o Doca, do Complexo da Penha, e Wilson Carlos Rabelo Quintanilha, o Abelha, que fazem parte da cúpula da facção criminosa. Eles teriam encarregado quatro bandidos de organizar os ataques.

Essa guerra já matou pelo menos um inocente. Em 9 de agosto, o turista americano Joseph Trey Thomas foi atingido por uma bala perdida, dentro da casa de uma amiga, em rua próxima ao Morro do Fubá. Três dias depois, morreu num hospital da Zona Sul.

Em nota, a Polícia Civil informou que 1,3 mil milicianos foram presos e que aguarda decisões judiciais para realizar operações em comunidades, mas que vem deflagrando “ações constantes de repressão ao tráfico de drogas”.

Fonte: Extra

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