Polícia desbarata organização criminosa após 6 meses de reportagem exclusiva de O Impacto revelar crimes na rodovia
Por Diene Moura*
Após 6 meses da reportagem exclusiva do Jornal O Impacto “Tombamento de cargas na Transamazônica e Santarém-Cuiabá oculta esquema milionário”, a Polícia Civil do Pará deflagrou nas primeiras horas de terça-feira (20) a 4ª fase da Operação “Carga Pesada”, com o objetivo de reprimir a ação de uma organização criminosa investigada por desvio de cargas de soja, milho em grãos e fertilizantes de empresas que atuam ao longo da Rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), nos estados do Pará e Mato Grosso.
Após intensa investigação, a ação policial ocorreu nos municípios de Itaituba e Novo Progresso, no sudoeste paraense, e Cuiabá (MT), resultando na prisão preventiva de oito pessoas (seis em Itaituba, uma em Novo Progresso e uma em Cuiabá), além do cumprimento de sete mandados de busca e apreensão expedidos contra os envolvidos.
Durante o cumprimento dos mandados, os policiais apreenderam uma pistola, uma espingarda e três veículos. As medidas cautelares expedidas pela Justiça também possibilitaram o bloqueio de bens e valores, equivalentes a R$ 10 milhões.
Trabalho integrado
A Operação Carga Pesada contou com a participação de policiais civis da 15ª Região Integrada de Segurança Pública (Risp), lotados na Seccional Urbana de Itaituba; de delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deam) e à Criança e ao Adolescente (Deaca) de Itaituba, e delegacias dos municípios de Jacareacanga e Trairão, e de Castelo dos Sonhos, distrito de Altamira. O trabalho integrado também contou com a ação da Polícia Civil de Cuiabá.
Após o cumprimento dos mandados, os suspeitos foram encaminhados à unidade policial para os procedimentos de praxe e colocados à disposição do Poder Judiciário. As investigações continuam, para elucidar o caso e responsabilizar os demais envolvidos.
Relembre o caso: “Tombamento de cargas na Transamazônica e Santarém-Cuiabá oculta esquema milionário
A equipe de Jornalismo do O Impacto publicou no dia 9 de junho deste ano, a reportagem, a qual revelou a prática delituosa principalmente na estrada que liga o trecho de Moraes de Almeida ao distrito de Bela Vista do Caracol no Oeste do Pará. O esquema milionário inicia ainda na estrada, o que parece uma cena ‘comum’, uma carreta tombando na rodovia, não imagina o que há por trás do suposto acidente.
A pirâmide do crime começa com o próprio motorista do caminhão que provoca o tombamento propositalmente, em seguida os saqueadores obtém a informação da carga no chão via rádio,se deslocam para o local com caminhões, carros e saca para levar o produto do furto. Após recolherem os grãos, as sacas são comercializadas ilegalmente no valor de R$ 60,00 para empresários do mesmo segmento e posteriormente são revendidas a preço da bolsa de valores para sojeiros do Mato Grosso (MT).
O resultado é uma fortuna que se acumula aos membros do ‘bando’ e causa prejuízo de 6 milhões de reais por ano à outras empresas do ramo do agronegócio. A cada tombamento a organização criminosa gera a arrecadação de 300 sacas de grãos e adquirem em média 18 mil, divididos entre catadores, empresários e até para policiais militares possivelmente envolvidos no esquema.
Organização criminosa cria empresa para práticas ilícitas
Conforme investigação no época do setor de jornalismo, as práticas criminosas teriam impulsionado a criação de uma empresa instalada em Castelo dos Sonhos, apenas para comprar cargas de grãos e fertilizantes furtadas de tombamento. A empresa possui nome, registro, além de uma carreta com estufa onde se deslocam para comprar material furtado na estrada e revender para o Mato Grosso.
Informações dão conta que a hierarquia criminosa inicia pelo menor, o catador. Sua função principal é vender cada saca por 60 reais. Desse valor, 10 reais seria para pagar a polícia, tal pagamento posteriormente é prestado conta por militares, pois a revenda para o empresário maior seria de conhecimentos dos PM’s, que avaliam a margem de lucro novamente. A participação de servidores da polícia militar tem o objetivo de facilitar e obter ganhos através da comercialização ilegal.
Durante o tombamento, um grupo de catadores já fica à espreita para saquear aquela carga. Vídeos enviados à nossa redação mostram o exato momento em que um caminhão está ao solo e várias pessoas se unem para furtar os grãos. Nas imagens registradas no dia 30 de março de 2022, às 13h50, é possível constatar que um segurança tenta intervir na ação, mas é confrontado pelos catadores que alegam “atira, atira, vamos roubar e vender aí no Santa Júlia. Pode atirar. Vocês estão roubando de nós, assaltando, porque de armado bem aí” e continuam “ Eu tenho prova e vou vender no Santa Júlia”.
Um dos catadores ao ouvir dos seguranças que era para continuar filmando, gerou ainda mais indignação: “Pode filmar, enfia no teu c*”. O confronto entre os catadores e seguranças prossegue com ânimos exaltados: “Me respeita que eu não tô te desrespeitando”, falou um segurança.
Um outro indivíduo de estatura mediana, trajando uma blusa branca, com uma calça preta, retorna gritando: “Se eu puxar, eu atiro! Respeita porquê? Você pode ser Sargento, Coronel entendeu, mas você é ex! Eu já fui militar também. Eu era ex, ex não é atual! Pega aqui para vender no Santa Júlia, bem aí”. No tumulto, outro menciona: “essa carga é assegurada, isso aqui é tudo nosso!” e prosseguem “deixa a gente levar, a carga já ta assegurada mesmo, pode atirar, quero ver!”. E assim segue a confusão no meio da BR com outros argumentando: “Quem pegou, pegou” e antes de finalizar, outra pessoa enraivada tenta impedir a gravação: “Para de filmar. Já te avisei, não vou avisar de novo”, finaliza o vídeo.
Prisão em flagrante
Quase um mês depois do caso mencionado acima, um boletim de ocorrência foi registrado no dia 25 de abril no município de Trairão, onde o denunciante relata que no dia anterior por volta das 15h, o homem identificado como Nildo Pereira dos Santos, 43 anos, foi flagrado furtando soja de uma carreta que se envolveu em um suposto acidente de trânsito no KM 450 da BR-163. O relator da denúncia, alega que o suspeito foi flagrado furtando a carga da empresa COFCO Internacional Brasil S.A. e o envolvido de nome, Wanderley Campos Almeida saiu com a materialidade do furto ao norte da cidade de Ubiratã, situado no Mato Grosso com destino a Miritituba, no Pará.
Nildo foi preso em flagrante na noite de 25 de abril, horas depois da denúncia na delegacia de Trairão. O suspeito estava transportando 1 tonelada de soja furtada em um caminhão Mercedes Benz, da cor branca. Durante depoimento na delegacia, Nildo confessou a autoria do furto e recebeu voz de prisão, outros envolvidos naquela ocasião, conseguiram fugir levando outra parte da carga.
A prática da organização criminosa impressiona pela naturalidade que os criminosos agem, conforme apurado pela nossa reportagem, os envolvidos pagam o furto via pix, deixando rastros e sem se preocuparem em serem pegos.
Obtivemos um comprovante de pagamento via PIX realizada no dia 28 de fevereiro de 2022, a qual foi transferido para uma determinada conta, o valor de R$ 13.670. O empresário que adquire livremente o produto de furto construiu um galpão só para depositar o que foi subtraído na rodovia. O apontado como percurso da prática criminosa é natural do Mato Grosso, mas achou viável instalar um pátio para arrecadar os grãos oriundos do crime, em Castelos dos Sonhos. A ação está gerando uma fortuna, enricando só com a compra do furto, pois articula a compra pelo preço menor e revende em alto valor para a sua região.
DENÚNCIA NO MPF
O crime que afeta e ameaça as transportadoras já virou Notícia de Fato no Ministério Público Federal (MPF). O despacho n° 129/2022 indeferiu a instauração da N.F no dia 26 de janeiro de 2022, solicitada por uma empresa responsável pelo serviço de resgate de cargas. O despacho que a reportagem do jornal O Impacto teve acesso, menciona a possível prática fraudulenta de uma organização criminosa que atua no furto de cargas sinistradas carregadas com toneladas de grãos (soja, milho e fertilizantes) nos perímetros da BR-163 e 230, no Pará.
O documento do MPF destaca que no ano de 2021 foi registrado o furto de 80 cargas somando um prejuízo total de R$ 6.000.000,00 (Sei Milhões de Reais), autoridades locais foram cientificadas e nada de efetivo foi realizado para findar o suposto delito. Acrescenta ainda, o pedido para investigação. “Diante dessa realidade perturbadora esta empresa responsável pelo serviço de resgate de cargas nos perímetros supracitados em conciliação com o representante das reguladoras e transportadoras responsáveis pelas cargas sinistradas na área em questão solicitamos, SMJ, a abertura de investigação sobre o referido fato”, cita.
O indeferimento ocorreu por entendimento do MPF que “as informações iniciais não evidenciam lesão a bem, serviços ou interesses da união ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, conforme exige o artigo 109,inciso IV e V da Constituição Federal”. O MPF através do Procurador da República, Ricardo Tarso, relata ainda que levou ao conhecimento da polícia civil local tais ocorrências e ressalta as notícias constantes na representação, a qual indicam possível ocorrência de crime contra o patrimônio em grande escala (furto de carga) perpetrado em face de veículos que transitavam em rodovia federal.
“Bem como possível necessidade de se efetivar o controle externo da atividade de polícia local no município de Itaituba/PA e Novo Progresso/PA, ante o relato de que, embora tenham sido registrados mais de 80 ocorrências de furto, não houve nenhuma medida apuração para responsabilizar os infratores e coibir a ocorrência de novos crimes. Ante o exposto e nos termos da Resolução nº 174/2017, art. 4º, §4º (§ 4º Será indeferida a instauração de Notícia de Fato quando o fato narrado não configurar lesão ou ameaça de lesão aos interesses ou direitos tutelados pelo Ministério Público ou for incompreensível. (Incluído pela Resolução nº 189, de 18 de junho de 2018) determino o indeferimento de instauração da presente NF”.
O MPF considerou por fim que o objeto da representação diz respeito a possível necessidade de controle da atividade policial e determinou remessa do documento para o Ministério Público Federal em Itaituba/PA, verificar as providências cabíveis.
O QUE DIZ A LEI?
O Código Penal especifica no art. 169, a proteção ao patrimônio. Portanto, a apropriação indevida caracteriza infração penal. A lei dispõe ainda que se a carga mesmo não estando assegurada, ainda assim, possuí dono, e caso seja cometido o ato delituoso, o infrator pode ser detido por um mês a um ano.
Por outro lado, a seguradora pode se manifestar com relação ao prejuízo causado pelo sinistro na estrada, mas até que seja averiguado esta questão, qualquer interferência pode imputar o crime de furto.
O Impacto