Justiça é acionada para suspender obras de esgotamento sanitário em Alter do Chão

A 13ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Santarém ingressou na segunda-feira (27/02) com Ação Civil Pública contra o Município e a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), com pedido de suspensão imediata das obras de instalação e das Licenças Ambientais do Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) de Alter do Chão, até que sejam realizadas ações necessárias para proteger o ambiente natural e o patrimônio cultural do distrito, um dos principais pontos turísticos da região. Do modo como está projetada, a obra no valor de quase R$80 milhões, possui potencial para contaminar os rios, espalhar gases e odores e descaracterizar os atrativos turísticos e paisagísticos da vila.

A ACP foi ajuizada pela promotora de Justiça Lílian Braga, titular da 13ª Promotoria de Justiça de Santarém. Em agosto de 2022, os moradores de Alter do Chão e representantes de movimentos sociais procuraram o MPPA e apontaram diversos problemas em relação ao início das obras, como o assoreamento de parte do lago Jacundá; que o serviço não atenderia todo a comunidade, excluindo os residentes próximos à margem do rio, além de não ter sido realizada consulta prévia, livre e informada do povo indígena da área, dentre outras questões.

Em setembro de 2022 a promotoria reuniu com representantes do Conselho Gestor da APA, Conselho Comunitário, SEMMA, Cosanpa, caciques do povo indígena Borari, associações e comunitários. Foram abordados os impactos socioambientais, especialmente em relação aos locais escolhidos para instalação das estações elevatórias, a ausência de consulta prévia, possibilidade de contaminação do Lago Verde e outros. O MPPA solicitou do Grupo de Apoio Técnico Interdisciplinar (GATI), visita e análise técnica, que foi realizada no dia 20 de setembro de 2022 e apontou diversas irregularidades no licenciamento e no projeto.

De acordo com o informado ao MPPA pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Santarém (SEMMA) e Cosanpa, as obras foram orçadas em R$79.895.232,74 e já possuem Licença Prévia e Licença de Instalação. O projeto conta com a implantação de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), três Estações Elevatórias de Esgoto (EEE), um coletor tronco, 28 mil metros de rede coletora, e aproximadamente 1.035 ligações domiciliares.

As Estações Elevatórias de Esgoto (EEEs) serão construídas às margens do rio Tapajós: a primeira localizada na esquina da Rua Professor Antônio de Sousa Pedroso com a Travessa Fernando Guilhon (área de 225m²); outra na esquina da Rua Sairé com a Travessa Muruci, com a mesma área; e a terceira na esquina da Rua Pedro Teixeira com o imóvel da Belo Turismo (375m²). A ETE1 tem área de 1.600m², e o emissário, de cinco quilômetros, prevê lançamento de efluente no rio Tapajós, nas proximidades de Alter do Chão e alcançando a PA 457.

Nas imagens, vemos a área afetada, não somente em Alter do Chão, como também na cidade de Santarém:

Pedidos

O MPPA requer a concessão de liminar para suspensão imediata das obras de instalação e das Licenças Ambientais do Sistema de Esgotamento Sanitário de Alter do Chão, até que sejam  realizadas a consulta prévia, livre e informada das Comunidades Tradicionais direta ou indiretamente afetadas pelo empreendimento, amplamente divulgada e comprovada nos autos, nos termos da Convenção 169 da OIT, bem como estudos de impactos socioambientais, e que os requeridos sejam obrigados a promover a consulta.

Requer que a Cosanpa seja obrigada a realizar Estudos prévios de Impactos Socioambientais da obra potencialmente poluidora e o respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), conforme exigido na Licença Prévia e a partir de Termo de Referência da SEMMA, em que se garanta a participação decisiva do Conselho Gestor da APA Alter do Chão. E ainda que  seja obrigada a realizar estudos junto aos povos tradicionais afetados, com o objetivo de avaliar a incidência social, espiritual, cultural e sobre o meio ambiente que as atividades de desenvolvimento previstas possam ter sobre esses povos.

Quanto ao Município de Santarém, através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que seja obrigado a promover audiências públicas, com ampla divulgação, em local acessível aos interessados, para informar e garantir a participação da população de Santarém no projeto. E seja realizada adequação do projeto para sanar as irregularidades ambientais apontadas na Análise Técnica do GATI/MPPA, de modo a atender aos objetivos da APA Alter do Chão, definidos no art. 4º da Lei Municipal nº 17.771/2003, especialmente, quanto a manutenção das paisagens naturais e dos atributos culturais relevantes, e manter o turismo na região.

Em caso de descumprimento das medidas, requer a aplicação de multa diária no valor de R$20 mil das contas dos requeridos. Ao final, pede que sejam confirmados os pedidos liminares e  a condenação definitiva dos réus, para que suspendam a construção do Sistema de Esgotamento Sanitário no distrito de Alter Chão e reparem os danos já causados pela instalação do empreendimento.

Irregularidades

Entre as irregularidades, o MPPA destaca que o  projeto apresenta a alternativa universal mais vantajosa economicamente para os requeridos, mas não considera as especificidades de Alter do Chão, sua população,  atrativos turísticos e belezas naturais, nem o fato de estar inserida em uma Área de Proteção Ambiental; nem a beleza cênica, o turismo como principal atividade econômica, e as questões indígenas. O estudo pontuou que o parecer da Semma equivocadamente acredita que a instalação de um SES, em decorrência da ausência de esgotamento sanitário apropriado no Distrito, já justificaria os impactos ambientais decorrentes da obra.

Quanto aos locais de instalação das Estações Elevatórias e da Estação de Tratamento, o GATI/MPPA identificou que as obras estão localizadas próximas ao Lago do Jacundá, ao Igarapé da Recordação e a uma área em processo de adensamento populacional, e foram escolhidas utilizando-se critérios estritamente de engenharia, sem considerar que o posicionamento das infraestruturas geram impactos negativos e não tratados, como  incômodos à vizinhança decorrentes de odor característico  e estruturas com significativa intrusão visual.  Parecer Técnico da SEMMA já indicava que as obras trarão impactos em relação ao uso da área pelos turistas e moradores, mas isso não foi considerado na escolha dos locais para instalação das EEEs.

A análise indica ainda que os subprodutos resultantes do tratamento de esgotos são gases, lodo e uma fração líquida, cuja destinação final são, geralmente, infiltrações ou lançamentos em corpos d’águas superficiais. No caso da SES Alter do Chão, conforme prevê o projeto, essa fração líquida será lançada nas águas do rio Tapajós.

Na fase operacional, para todos os rejeitos decorrentes do tratamento do esgoto não foram apontadas soluções consistentes: os gases foram tidos como de “pequena emissão” e “não exalando odores para além da área da ETE”; a destinação final do lodo será para um “Aterro Sanitário a escolher”; para as águas residuais não foram demonstradas avaliações consistentes, tanto das águas a serem lançadas quanto do corpo receptor.  A promotoria destaca que os requeridos estão cientes dos impactos socioambientais, porém fecharam os olhos para esse problema, tentando justificar a viabilidade ambiental do SES apenas com base ausência do serviço de esgotamento sanitário.

Também não se garantiu a consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais afetadas pela SES Alter do Chão, onde se encontram comunidades indígenas, ribeirinhos, pescadores, entre outros povos, conforme Convenção 169 da OIT; nem a participação da população santarena, por meio de audiências públicas no procedimento de licenciamento.

A vila de Alter do Chão, também chamada de “Caribe Brasileiro”, é reconhecida como um dos mais lindos pontos da região, e a promotoria ressalta que na hipótese de continuação das obras nos moldes como estão previstas, a vila será descaracterizada, além de ser considerado o maior aquífero do mundo em volume de água disponível, havendo necessidade de preservação e proteção desse patrimônio histórico, artístico, natural e cultural do Estado do Pará.

O Impacto com informações do MPPA

Foto: Reprodução

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