Google aponta o crescimento do interesse pelas religiões de matriz africana no Brasil
Um levantamento do Google Trends detectou o crescimento do interesse pelas religiões de matriz africana nas consultas no site de buscas. Os brasileiros bateram o recorde de pesquisas pela palavra “umbanda” no primeiro trimestre deste ano. O mês de abril bateu o recorde mensal, segundo o relatório do Google Trends: na comparação dos últimos 12 meses com o período anterior, as buscas subiram 40%.
No segmento de buscas por temas ligados à religiosidade, “o que é umbanda?” aparece como a pergunta mais repetida pelos usuários. Muitos querem saber também “a diferença entre a umbanda e o candomblé” ou entender mais cada uma das entidades que fazem parte dessas religiões.
Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Piauí e Santa Catarina são os estados de onde partiram a maioria das buscas. Na comparação dos 12 meses terminados em abril deste ano com o mesmo período anterior, a pergunta “qual a entidade mais forte da umbanda?” teve aumento de 750% nas pesquisas feitas pelo Google. “Quem é da umbanda acredita em Deus?” foi o segundo questionamento com maior alta: 700%. As perguntas que tiveram maior crescimento, em seguida, foram “O que umbanda acredita?” (600%), “O que é tomar passe na umbanda?” (430%), “O que é Ogã na umbanda?” (+300%), “Umbanda é macumba?” (+290%) e “Como entrar na umbanda?” (+270%).
— Na minha casa, hoje, recebo 45 médiuns. Nenhum havia passado por um terreiro antes — diz Mãe Regiane de Osumare, de 48 anos, responsável por administrar o terreiro Casa Vovó Joaquina de Aruanda, em Belo Horizonte, que no fim do ano passado foi atacado por vândalos. — Apesar de ainda haver muita intolerância, eu tenho notado bastante o crescimento na procura pelo nosso terreiro. Um aumento principalmente de jovens que querem conhecer a religião. Há adolescentes e até crianças que vêm com os pais. Temos conseguido uma visibilidade maior e mais positiva à nossa religião e essa é uma luta na qual estaremos sempre. É muita gente nova e que chega até a gente justamente porque nos acharam na internet. Viram que somos bem avaliados.
“Maior visibilidade”
Mãe Regiane conta que, após o ataque ao terreiro, decidiu ir morar nele. A violência motivada pela intolerância religiosa ficou clara, segundo ela, porque os invasores não roubaram nada. Apenas destruíram imagens e objetos dos rituais.
— Não sofremos mais nenhum tipo de violência. Acho que, junto ao crescimento dos casos de intolerância, existe também uma participação maior da mídia e da sociedade contra esse tipo de crime, o que ajuda a dar maior visibilidade a tudo isso — conta ela, relembrando o episódio sofrido em outubro. — Eles arrombaram o portão, entraram e só quebraram objetos sagrados. No espaço interno, não quebraram nada. Não houve roubo, não levaram nada. É uma coisa histórica essa perseguição aos povos negros. A palavra preconceito já diz tudo: o preconceito de algo que você nem sabe o que é. Hoje meu terreiro é ao lado de uma igreja evangélica e já não tenho problema nenhum com eles. No máximo, um ou outro fiel para no meu portão para rezar. Eu aceito, qualquer reza para mim está valendo.
Ronaldo Sango, o Pai Ronaldo de Xangô, teve seu terreiro em Piracicaba (SP) atacado várias vezes há dois anos, assim que abriu as portas do local. Os ataques cessaram, mas o preconceito não. Apesar disso, Sango também tem notado um aumento de seguidores, no bairro Jardim Piazza Itália.
— Aqui é um bairro relativamente novo de periferia, popular, e eu diria que 70% da comunidade é evangélica. Estamos aqui há três anos e no começo, foram cinco ou seis pedradas que jogaram — lembra. — Eram jogadas em dias de sessão. Tive que colocar segurança. Já deixaram Bíblia na porta. Teve gente que se cadastrou para receber comida no nosso projeto solidário e se negou a receber por ser um terreiro de umbanda.
O “amante das religiões de matrizes africanas” comemora a boa convivência, hoje, com seguidores de outras religiões do bairro. Mas reforça que ainda há um longo caminho a percorrer.
— As pessoas têm nos procurado para aprender mais sobre as religiões de matrizes africanas, o candomblé também. São religiões onde não há preconceito. Todos são atendidos do mesmo jeito. É uma pluralidade característica das raízes africanas. O povo santo precisa se envolver nas questões políticas e institucionais, começando por ter parlamentares que se envolvam nessa luta por respeito. Não podemos mais ficar escondidos — diz Ronaldo. — Hoje, não temos problema nenhum com a igreja evangélica que fica bem ao lado. Mesmo assim, conseguimos ouvir que no culto eles ainda descem a lenha no Tranca Rua, Zé Pelintra, pais de santo. É complicado.
“Mudar estruturas”
Para a pesquisadora e ativista Iya Adriana de Nanã, o aumento do interesse não se deve a um declínio do racismo religioso, mas à vontade de entender a ancestralidade africana no Brasil. Segundo Ilya, que é da Frente Inter-religiosa Dom Evaristo Arns por Justiça e Paz, é perceptível o desejo dos jovens de conhecer as culturas afro-brasileiras:
— Com as redes, estamos aos poucos furando uma bolha do silenciamento. Pessoas de terreiro estão ocupando mais espaços na política, na academia. Isso contribui para que principalmente jovens, até de famílias cristãs, busquem conhecer as religiões afro-brasileiras. Da mesma forma que jovens pretos que estão imersos em uma cultura branca tentam aproximação pela busca da ancestralidade. A nova geração tem sido mais consciente e é importante para mudar as estruturas futuras.
Fonte: Jornal Extra