MPF reafirma inconstitucionalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas
A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), órgão superior vinculado à Procuradoria-Geral da República (PGR), nota pública reafirmando a inconstitucionalidade do Projeto de Lei (PL) 490/2007. A proposição, que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, busca alterar o estatuto jurídico das terras indígenas ao introduzir o requisito do marco temporal de ocupação para os processos de demarcação.
Se aprovado, o PL condiciona a demarcação das terras tradicionais à presença física dos indígenas nas respectivas áreas em 5 de outubro de 1988, o que, para o MPF, representa ameaça ao direito das populações originárias ao seu território. O texto atual foi aprovado em 23 de junho de 2021 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). No entanto, os deputados aprovaram, na última quarta-feira (24), o requerimento para que a proposta tramite em regime de urgência. Com isso, o PL pode ser analisado diretamente em plenário, sem passar por comissões mistas.
Na nota, o MPF chama atenção para a impossibilidade de se alterar o estatuto jurídico das terras indígenas (disciplinado pelo artigo 231 da Constituição) por lei ordinária, o que torna a proposta frontalmente inconstitucional. Além disso, os direitos dos povos indígenas – em especial à ocupação de seus territórios tradicionais – constituem cláusula pétrea, integrando o bloco de direitos e garantias fundamentais que não poder ser objeto sequer de emenda constitucional.
“A Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo a tradicionalidade um elemento cultural da forma de ocupação do território e não um elemento temporal. Fixar um marco temporal que condicione a demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro viola frontalmente o caráter originário dos direitos territoriais indígenas”, destaca a nota.
Ameaças – Se aprovada, a tese do marco temporal consolidaria inúmeras violências sofridas pelos povos indígenas, como as remoções forçadas de seus territórios, os confinamentos em pequenos espaços territoriais e os apagamentos identitários históricos.
Outro aspecto considerado crítico é a possibilidade contida no PL 490/2007 de contato forçado com populações em isolamento voluntário para a realização de “ação estatal de utilidade pública”. Essa medida também se mostra inconstitucional, pois a Carta Magna reconhece expressamente o dever de respeitar a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos indígenas.
Segundo o documento, o direito de se manter em isolamento voluntário diz respeito à autodeterminação dos povos, princípio consagrado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Ambos os normativos foram incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.
O cumprimento desse comando implica reconhecer aos indígenas a condução de suas próprias instituições e formas de vida, inclusive o respeito às suas decisões quanto ao modo de interação com a sociedade. Na maioria das vezes, o contato com povos isolados se mostrou catastrófico para os indígenas, resultando até mesmo em genocídio, conforme pontua o MPF.
A Nota enfatiza ainda que o PL 490/2007 não foi submetido à consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, em desrespeito à Convenção 169 da OIT. “A 6CCR/MPF vem a público reafirmar seu entendimento quanto à inconstitucionalidade e inconvencionalidade do Projeto de Lei 490/2007, ao tempo que espera, diante da gravidade e das possíveis consequências nefastas de sua aprovação, que o Congresso Nacional rejeite-o integralmente”, conclui o documento.
O Impacto com informações do Ministério Público Federal