Justiça é acionada para suspender PL que reduz zona de proteção em Alter do Chão

Buscando reverter as irregularidades cometidas pelo município de Santarém, pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) e pelos empresários Sidney Tirapelle e Rosangela Antônia Melli Tirapelle proprietários da edificação construída indevidamente em área de preservação permanente, o Ministério Público Federal, através do Procurador da República Vítor Vieira Alves, entrou com ação civil pública na Justiça Federal.

Localizada no Jacundá, área de preservação permanente (APP), a construção ilegal também está em uma Merakaiçara, terreiro sagrado para o povo indígena Borari, o que desrespeita tanto a integridade ambiental da região, quanto à cultura indígena, que tem conexão histórica e espiritual com a área. Além disso, a obra em questão está em terreno da marinha, por invadir o espaço de uma praia, área pública pertencente à União.

Baseado em documentos emitidos pela Semma, o MPF aponta que o município já sabia que a obra seria construída em área de preservação e mesmo assim concedeu as licenças necessárias e optou, apesar da recomendação do próprio MPF para que a irregularidade fosse corrigida, por manter as licenças e a autorização para a obra.

Em abril de 2024, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) constatou a construção do imóvel na APP, inclusive sobre a praia, além do início do processo erosivo no entorno da obra, o que resultou na aplicação de multa ao município e responsáveis.

Manobras e medidas

Mesmo sem realizar consulta livre, prévia e informada às comunidades tradicionais, exigida pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), incluindo aos indígenas da etnia Borari, que há séculos vivem no local e já possuem estudos em trâmite na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a prefeitura de Santarém vem tentando incluir Alter do Chão no Projeto de Regularização Fundiária Urbana (Reurb) do município.

A prefeitura também apresentou à Câmara Municipal Projeto de Lei Ordinária (PLO) nº2562/2024 que tenta reduzir a APP de Alter do Chão mesmo após receber do MPF recomendação quanto à obrigação de demolir a obra irregular e conservar a área de preservação.

O projeto sugere que a APP de Alter do chão seja transformada em área urbana consolidada, inclusive na área de Merakaiçara (Jacundá) e que apenas metade de sua faixa seja destinada à preservação ambiental como acontece com o bairro do Uruará na zona urbana de Santarém, o que colocaria a obra em questão fora da APP e a tornaria legal.

O projeto de lei apresentado pela prefeitura de Santarém também tenta criar um marco temporal que regularize todos os imóveis construídos de forma ilegal dentro da área de preservação até 22 de julho do ano corrente, o que incluiu a obra alvo da ação do MPF. O PLO também tenta atribuir aos órgãos municipais a exclusividade na decisão de quais obras em APPs configuram “significativo dano ambiental, situação de risco ou local de interesse ecológico relevante”.

“Ao que parece, o Município de Santarém busca regularizar vários imóveis em Alter do Chão, com o objetivo de legitimar ocupações em áreas ambientalmente protegidas – como diversas áreas de preservação permanente localizadas na região – e, simultaneamente, desconsiderar o direito da comunidade indígena às terras tradicionalmente ocupadas, justamente porque visa legitimar a ocupação de terceiros não indígenas”, detalha o MPF na ação.

Essa PLO que pretende diminuir as faixas de APP de Santarém — incluindo Alter do Chão e várias outras comunidades tradicionais do município, como Juá e Ponta de Pedras, não foi submetida à consulta prévia, livre e informada das comunidades e aldeias afetadas.

O direito à consulta constitui garantia necessária do direito à autodeterminação, ou seja, o direito das comunidades tradicionais de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar spiritual sejam afetadas, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento economico, social e cultural.

O art. 40 do PLO afirma que a definição de critérios para delimitar as Areas Urbanas Consolidadas (AUC) e as faixas marginais de Area de Preservação Permanente (APP) para os cursos d’água em AUC está baseada no “Diagnóstico Socioambiental para Delimitação da Area Urbana Consolidada e Delimitação das Areas de Preservação Permanente Urbanas do Município de Santarém (2024)”, que teria sido aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente.

Entretanto, eventual consulta e aprovação a conselhos deliberativos ou consultivos não supre a necessidade de consulta prévia nos moldes da Convenção 169.

No PLO, há ainda pretensão de diminuir a área de preservação permanente em toda a extensão do Rio Tapajós, desde Alter até a região do Carapanari, passando por Ponta de Pedras; e depois, se inclui a região do Lago do Juá, até chegar próximo à boca do Lago do Maicá.

O PLO demonstra não só a falta de compromisso da governança santarena com a proteção ao meio ambiente como também um enorme retrocesso na questão ambiental e social dentro do município apenas para consolidar e incentivar a especulação imobiliária sobre a floresta e território indígena.

Diante disso, a ação pede medidas urgentes como:

  • a suspensão e a anulação das licenças concedidas pela Semma para uso e realização de obras na área de preservação permanente;
  • a paralisação imediata, por parte dos proprietários, de qualquer obra ou intervenção na área do imóvel;
  • a demolição da obra e a retirada de qualquer item que faça parte dela, como cercas, equipamentos e materiais fincados no solo;
  • a recuperação ambiental de toda a área afetada;
  • a não concessão de autorização ou licença, pelo Município, para qualquer intervenção na área de preservação permanente, antes da realização de consulta livre, prévia e informada às comunidades tradicionais afetadas;
  • • a suspensão imediata do programa Reurb de Santarém, no que diz respeito à Alter do Chão, assim como qualquer outro projeto que envolva o uso ou o parcelamento da área do distrito, sem que seja feita a consulta livre, prévia e informada;
  • a suspensão imediata do PLO, até que seja realizada consulta prévia, livre e informada ao povo indígena Borari e às demais populações tradicionais afetadas.

Outras providências

Na ação, o MPF pede à Justiça que exija o mapeamento detalhado das áreas ilegalmente ocupadas ou construídas na Área de Preservação Permanente de Alter do Chão, com foco especial na região do Jacundá (Merakaiçara), e indica a necessidade de implantação de um programa abrangente de educação ambiental em escolas e creches de Alter do Chão, com o objetivo de conscientizar sobre a importância da preservação das áreas de proteção e prevenir novas ocupações ilegais.  Também pede a anulação de atos de legitimação de domínio ou de posse no âmbito de Reurb, de autorizações de parcelamento do solo urbano ou de venda de terras públicas municipais em Alter do Chão. As multas podem chegar a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), a serem revertidas ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD).

O MPF reforça que é fundamental que os cuidados indicados para o caso da Área de Preservação Permanente de Alter do Chão sejam considerados para todos os processos de concessão de licença de obras que possam afetar, direta ou indiretamente, povos indígenas e comunidades tradicionais, estejam esses em andamento ou solicitados futuramente.

Sobre a constante violação de direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, o MPF reafirma “que esses grupos, ao longo da história, foram marginalizados e afastados dos processos de tomada de decisão, sujeitando-se a imposições administrativas e legislativas que inviabilizavam a própria continuidade de sua existência”.

 

Por Rodrigo Neves com informações do MPF

O Impacto

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