Justiça é acionada para que União e Pará implante de plano emergencial contra incêndios
Foi ajuizada na última sexta-feira (6) pelos procuradores da República Thaís Medeiros da Costa e Gilberto Batista Naves Filho duas ações civis públicas contra a União e o estado do Pará na Justiça Federal. A ação civil, em caráter de tutela de urgência antecipada, objetiva cobrar da União e ao Estado do Pará, a elaboração e implantação de um plano emergencial que atenda as principais áreas suscetíveis a queimadas e seus severos impactos socioambientais sobre povos e comunidades tradicionais dos municípios da microrregião de Itaituba, no Pará, a saber: Itaituba, Rurópolis, Novo Progresso, Trairão, Aveiro, Jacareacanga e Altamira (Distrito de Castelo dos Sonhos).
As ações vêm arregimentadas a partir de relatos e denúncias dos comunitários das Terras Indígenas Munduruku, Sai Cinza e Kayabi (Jacareacanga/PA), além do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Terra Nossa (Novo Progresso/PA e Altamira/PA). Essas populações, além de enfrentar desigualdades históricas no acesso a serviços públicos essenciais (energia elétrica, água, educação e saúde) vivem da pesca artesanal e da agricultura familiar/comunitária, dependendo da existência e da qualidade dos rios e igarapés das regiões que habitam para a sua subsistência, além da preservação da diversidade biológica. Portanto, a grave estiagem e as queimadas, pelas dificuldades de acesso à comida, água potável, transporte e serviços de saúde que geram, podem criar uma crise humanitária que vai além da erradicação do patrimônio ambiental da humanidade.
De acordo com as ações, esse plano emergencial deve incluir de maneira imediata o mapeamento das principais áreas afetadas; destacamento de brigadas temporárias ou permanentes de incêndio em proporção/quantidade suficiente ao atendimento eficaz das referidas áreas, em toda sua extensão; viabilização de toda a logística necessária à destinação dos brigadistas aos locais estratégicos de atuação mais emergencial (incluindo fornecimento de aeronaves, embarcações e viaturas, bem como equipamentos suficientes ao combate a incêndio); e eventual capacitação/formação de brigadas locais.
No plano, também deverá constar a previsão de um cronograma de todo o período restante de estiagem nasregiões para permanência das equipes de fiscalização e combate aos incêndios, até o final de 2024, quando se encerra o período de estiagem. O MPF requer que à União e ao estado do Pará que o cumprimento dessas ações do referido plano emergencial sejam informadas ao juízo a cada 15 dias. Em caso de descumprimento, o MPF pede a aplicação de multa diária no valor de R$ 100 mil a ser revertida em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD).
Da necessidade de ações
Entre os meses de julho e novembro, a região norte do Brasil é marcada por um período de estiagem que gera uma diminuição significativa da umidade do ar e o consequente aumento do calor, o que cria o cenário para a propagação de incêndios de matas e florestas, sejam provocados por ações acidentais ou criminosas ou por força de fenômenos naturais, como descargas elétricas (raios).
Essa dinâmica climática que se repete ao longo dos anos se agravou em tempos recentes trazendo efeitos negativos que são potencializados por meio de ações humanas voluntárias e conscientes, muitas vezes criminosas, fundadas na utilização do fogo para maximizar o desmatamento e consolidar o avanço da agropecuária, principalmente sobre áreas especialmente protegidas como unidades de conservação e terras indígenas.
Dados recentes da plataforma “Painel do Fogo”, gerida pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), órgão do Ministério da Defesa do governo federal, mostram que em 2024, triplicaram as queimadas ocorridas nas Terras Indígenas Munduruku, Kayabi e Sai Cinza, localizadas na bacia do rio Tapajós, região oeste do estado do Pará. Os dados também mostram a existência de inúmeros focos ativos de incêndios, colocando em risco as comunidades tradicionais e comprometendo serviços essenciais a esses povos, como o fornecimento de água e alimentos. Localizado em um verdadeiro “corredor de chamas”, o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa vem sendo alvo de intensas e extensas queimadas sobre toda sua área.
Além disso, dados do Programa Brasil Mais, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, também mostram locais de alertas e quantidade de focos e cicatrizes de queimada nas Terras Indígenas Apyterewa, Kayapó, Mãe Maria, Trincheira Bacajá e Xikrin do Cateté, localizadas no sudeste paraense.
A qualidade do ar na região já demonstra sinais de significativa piora em relação ao restante do estado do Pará, apresentando índices “perigosos”, conforme dados extraídos da plataforma AccuWeather2 e do mapeamento que indica um excessivo nível de concentração de material particulado na atmosfera.
Em reunião realizada em 22 de agosto de 2024, convocada emergencialmente pelo Ministério Público Federal (PRM-Santarém), contando com a presença da Gerência Executiva do IBAMA em Santarém; da Chefe da Divisão de Monitoramento e Combate do Prevfogo/IBAMA/Brasília; da Chefia da Divisão de Desenvolvimento de Assentamentos do INCRA (SR30); da Assessora Jurídica da SEMMA de Novo Progresso/PA; da Coordenação de Fiscalização da SEMAS/PA; da Polícia Rodoviária Federal em Santarém; e da Polícia Federal em Santarém/PA; além de representantes da Funai, do Corpo de Bombeiros de Marabá e da Defesa Civil de Bom Jesus do Tocantins, além de representantes da TI Mãe Maria foram relatadas as dificuldades estruturais e operacionais para atendimento eficiente pelos órgãos de estado. A reunião fez concluir que, a despeito da existência de um mapeamento eficaz das áreas federais e das queimadas em andamento, mesmo acompanhado por uma sala de situação federal e estadual, muitos são os obstáculos estruturais e operacionais para atendimento eficiente pelos órgãos tanto do estado quanto da União. Por exemplo, foram solicitadas aeronaves que pudessem direcionar os brigadistas para as mais longínquas áreas do extenso sudoeste do Pará, às Forças Armadas, PRF. As respostas foram negativas e o governo do estado do Pará decretou situação de emergência em todo o estado, proibindo a utilização de fogo, inclusive para limpeza e manejo de áreas, em razão da escalada de focos de queimadas no território paraense, potencializada pela emissão de fumaça, baixo índice de chuvas e deterioração da qualidade do ar, especialmente em municípios sob forte pressão ambiental.
A degradação ambiental causada pelas chamas, no entanto, não atinge apenas as comunidades tradicionais do Pará. Segundo uma das ações, ela é especialmente grave no interior de Unidades de Conservação Federais, como a Área de Proteção Ambiental (APA) Tapajós e a Floresta Nacional do Jamanxin. Essas áreas federais estão, pelo que foi apurado, em profundo estado de vulnerabilidade às queimadas, sem resposta efetiva do poder público em um cenário de crescente destruição.
De acordo com a ação, a concessão da tutela de urgência (liminar) é necessária para que a União e o estado do Pará “salvaguardem, em caráter emergencial, os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e hígido; à saúde da população local em geral; e, em última análise, os direitos culturalmente condicionados das comunidades tradicionais”.
Por Rodrigo Neves com informações do Ministério Público do Pará