“A questão não é o torturador, é a tortura”, diz Dilma sobre agressões

Dilma Rousseff

No último dia da Rio+20, a presidente Dilma Rousseff deu uma pausa nas discussões do futuro do desenvolvimento sustentável e voltou ao passado. Ao comentar a série de reportagens do Correio/Estado de Minas sobre as agressões sofridas em Juiz de Fora (MG) no período da ditadura militar, Dilma decidiu falar sobre o tema. Na avaliação da presidente, a “questão não é o torturador, é a tortura”. “Uma das melhores coisas que aconteceram é não me fixar nas pessoas”, completou.

A presidente começou a falar sobre as agressões fazendo uma defesa do fim da tortura ainda existente no Brasil. “Venho dando depoimentos ao longo da minha vida. Alguns te asseguro, muito difíceis. E esse país evoluiu muito. E tem que evoluir mais porque os depoimentos difíceis têm que ser eliminados em todas as esferas, inclusive na atividade da polícia, em geral”, disse a presidente.

A defesa do fim da tortura abriu uma longa declaração de Dilma sobre o tema, na qual abordou também o depoimento dado ao Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais, em 2001, publicado no último domingo com exclusividade pelo Correio/Estado de Minas. Ao falar desse assunto, a maneira incisiva com que ela se pronuncia deu lugar à emoção e a um tom mais pessoal. “Eu acredito, vou te dizer assim com sinceridade. Eu entendo o interesse de vocês, sou presidente, e afinal de contas, vocês quererem saber o que aconteceu comigo é um interesse legítimo. Agora, em geral, posso lhes dizer o seguinte: algumas das figuras que me torturaram não tinham nomes verdadeiros. Há, vamos dizer, elocubrações”, disse a presiidente.

Comissão da Verdade

Em seguida, Dilma passa a falar o que quer ver como foco ao longo do período em que o país conviverá com a Comissão da Verdade. “O torturador é um agente, mesmo ele tendo a sua responsabilidade reconhecida depois do que aconteceu no julgamento dos que tiveram em Nuremberg”, disse Dilma, referindo-se ao tribunal que condenou nazistas depois da Segunda Guerra Mundial. Lá foi aprovado que, mesmo cumprindo ordens, o torturador é responsável.

Dilma classificou essa avaliação importante, mas disse não achar que o torturador seja o problema. “O problema é em que condições a tortura é estabelecida e operada. E isso todos sabemos em que condições foi. Ninguém aqui desconhece o que aconteceu nesse país num determinado período de sua história. E todos nós, eu tenho certeza, que estamos aqui nesta sala, temos o compromisso de não deixar jamais isso acontecer”, afirmou.

Foi o momento mais pessoal da entrevista, em que o estereótipo da Dilma durona se esvai. “E eu te digo, com o passar dos anos, uma das melhores coisas que me aconteceu foi não me fixar nas pessoas (nos torturadores), nem ter por elas qualquer sentimento. Como eu disse no meu discurso, nem ódio, nem vingança, nem tampouco perdão. Não há sentimento que se justifique contra esse tipo de ato. Há a frieza da razão. E a frieza da razão é não esquecer e, por isso, nós criamos a Comissão da Verdade”, comentou. “Vingar ou se magoar ou odiar é ficar dependente de quem você quer vingar, magoar ou odiar. Isso não é um bom sentimento para ninguém”, reforçou a presidente.

Nesse momento, entretanto, ela recupera mais a formalidade e se refere à Comissão da Verdade como o fórum que tem como missão “virar a página”. E, assim, inspirada na Grécia, tão em voga por conta da crise econômica, ela concluiu: “Na Grécia, vivemos na época da Grécia, se não me engano, aletheia, verdade. É o contrario de lethe, esquecimento. A verdade é essa: não se esquece, mas não se esquece do ponto de vista histórico e não do ponto de vista individual”.

“E eu te digo, com o passar dos anos, uma das melhores coisas que me aconteceu foi não me fixar nas pessoas (nos torturadores), nem ter por elas qualquer sentimento”, Dilma Rousseff, presidente

Para saber mais
Um tribunal de guerra na Alemanha

Ao se referir ao julgamento de Nuremberg, a presidente Dilma Rousseff lembrou o tribunal militar criado depois da 2ª Guerra Mundial. Com o fim do conflito, em 1945, representantes dos países vencedores — Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e URSS — se reuniram no mesmo ano para discutir como seriam punidos os responsáveis pelos crimes de guerra cometidos durante o regime nazista. Ficou decidido que seria aberto um tribunal militar com atuação de juízes e promotores públicos dos países vitoriosos e a cidade escolhida para receber o julgamento foi Nuremberg, na Alemanha, mesmo local onde, 10 anos antes, foram criadas as leis arianas que defendiam a raça alemã como superior. Durante o julgamento, o argumento de que os réus teriam cometido tais crimes apenas cumprindo ordens superiores e, por isso, não deveriam ser responsabilizados, foi muito usado pelos advogados de defesa. Mas, na maioria dos casos, a justificativa acabou descartada. O tribunal durou 285 dias. Dos 24 réus julgados, 12 pegaram a pena máxima, sendo condenados à morte por enforcamento, entre eles o braço direito de Adolf Hitler, Hermann Goering, que se suicidou na prisão antes de ser executado

 Fonte: Correio Braziliense

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