MILTON CORRÊA
Carta dos bispos do povo de Deus
De dois a seis de julho de 2012, Santarém sediou o 10º Encontro dos Bispos da Amazônia. O documento final – no formato de carta ao povo – foi lido pelo arcebispo de Manaus, Dom Luís Soares Vieira, destacando o compromisso missionário, profético e com os povos da região. O documento oficial será publicado posteriormente.
Irmãs e irmãos caríssimos em Cristo Jesus,
Povo de Deus na Amazônia,
“Não tenha medo, cotinue a falar e não se cale, pois eu estou contigo“ (At 18,9)
“Cristo aponta para a Amazônia“ lembrava o Papa Paulo VI aos bispos da Amazônia por ocasião de seu encontro em Santarém, de 24 a 30 de maio de 1972, marco indelével na história da Igreja desta grande região brasileira, habitada por povos de culturas e tradições tão diferenciadas do outro Brasil.
Expressamos nossa gratidão ao Deus da vida porque nestes 40 anos, não obstante nossas fragilidades, nossa Igreja tem anunciado Jesus Cristo ressuscitado, caminho, verdade e vida e tem marcado presença junto ao povo sofrido, sendo muitas vezes a voz dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, seringueiros e migrantes, nas periferias e em novos ambientes do centros urbanos animando as comunidades na reivindicação do respeito pela sua história e religiosidade. É também a vida destes povos, seu modo de viver, sua simplicidade, seu protagonismo, sua fé que nos encantam! Não faltou o testemunho de entrega da própria vida até o derramamento de sangue. Este testemunho nos anima, nos encoraja e nos fortalece. São também protagonistas religiosos e religiosas, pastorais, movimentos e serviços que tem sido uma força viva e atuante na realidade das nossas comunidades.
Constatamos avanços no campo social e político, com novos organismos de participação, conselhos de políticas públicas, participação nas campanhas por leis mais justas, aumento da consciência e engajamento na questão ecológica. No campo econômico, cresce o consumo e o poder aquisitvo embora nem sempre acompanhado do aumento da qualidade de vida. A vida na Amazônia continua sofrida.
Há séculos os povos da Amazônia gemem e choram sob o peso de um modelo de desenvolvimento que os oprime e exclui do “banquete da vida, para o qual todos os homens e mulheres são igualmente convidados por Deus“ (SRS 39). A Igreja ouve os gritos, às vezes desesperados, e se identifica com o seu clamor, conhece o seu sofrimento. Mais ainda, a Igreja declara que “as alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e mulheres, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e angustias dos discípulos de Cristo“ (cf. GS 1).
As decisões sobre o desenvolvimento da Amazônia sempre são tomadas a partir de fora e visam unica e exclusivamente a exploração das riquezas naturais sem levar em conta as legítimas aspirações dos povos desta região a uma verdadeira justiça social. Quando Paulo VI declarava que “o desenvolvimento é o novo nome da paz“ (PP 87), não pensava num “crescimentismo“ meramente econômico, unilateral e excludente, mas convidava a todos os povos da terra a empenhar-se por um mundo justo, fraterno e solidário, na perspectiva do Reino que Jesus veio a anunciar “para que todos tenham vida“ (Jo 10,10).
Como quarenta anos atrás, a Amazônia continua sendo considerada a “colônia“, mesmo que abranja mais da metade do território nacional. Para a metrópole – Brasília, o sudeste e o sul do País – Amazônia é apenas “província“, primeiro província madeireira e mineradora, depois a última fronteira agrícola no intuito de expandir o agronegócio até os confins deste delicado e complexo ecossistema, único em todo o planeta. De uns anos para cá a “província“ recebeu mais um rótulo, sem dúvida o mais desastroso, pois implicará a sua destruição programada, haja visto o número de hidrelétricas projetadas para os próximos anos: a Amazônia é declarada a província “energética“ do País. Sob a alegação de gerar energia limpa se esconde a verdade de que mais florestas sucumbirão, mais áreas, inclusive urbanas, serão inundadas, milhares de famílias serão expulsas de suas terras ancestrais, mais aldeias indígenas diretamente afetadas, mais lagos artificiais, podres e mortos, produzirão gases letais e se tornarão viveiro propício para todo tipo de pragas e geradores de doenças endêmicas.
A história da Amazônia revela que foi sempre uma minoria que lucrava às custas da pobreza da maioria e da depredação inescrupulosa das riquezas naturais da região, dádiva divina para os povos que aqui vivem há milênios e os migrantes que chegaram ao longo dos séculos passados.
Santarém 1972: Encarnação na Realidade e Evangelização Libertadora
Como já em 1972, os bispos reunidos em Santarém de 2 a 6 de julho de 2012 não detectam apenas os mecanismos perniciosos responsáveis pela miséria dos povos e a devastação das florestas, mas os denunciam como responsáveis de gerar “ricos cada vez mais ricos às custas e pobres cada vez mais pobres“ (João Paulo II, Discurso inaugural de Puebla, 28 de janeiro de 1979) e de um meio-ambiente cada vez mais deteriorado. O “lar“ (em grego “oikos“ – daí a palavra “ecologia“) que Deus criou para todos nós não pode ser explorado até a exaustão, mas exige cuidado, zelo, amor, também em vista das futuras gerações. Os cientistas alertam sempre mais que a devastação da Amazônia terá consequências irreversíveis para o clima do planeta e se torna assim uma ameaça à vida e sobrevivência de toda a humanidade.
Continua na próxima edição…