Produção industrial cai e setor evita demitir para não perder mão de obra

Denis Perez Martins, dono da Poly Hidrometalúrgica

De um lado, uma economia fraca, abalada pela crise internacional. Do outro, um mercado de trabalho no qual as taxas de desemprego continuam baixas, mês após mês. Um cenário, na contramão dos países centrais, que deixa no ar um pergunta: até quando o país vai conseguir segurar seus empregos? Afinal, o Brasil cresceu no primeiro semestre apenas 0,6% — o pior resultado desde a recessão de 2009. E a indústria amarga uma queda na produção de 3,7% até julho. Segundo analistas, a pouca oferta de mão de obra, o dinamismo do setor de serviços (que “rouba” trabalhadores da indústria), e a expectativa de que a economia vá voltar a crescer levam os empresários a segurar seus empregados, mesmo diante da crise.

Pelas contas da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), nos últimos 12 meses o emprego na indústria de transformação está estável. E registrou nos últimos três meses abertura de vagas. Em julho, a alta foi de 0,2% frente a junho, na série com ajuste sazonal.

Mas, afirmam os especialistas, esse compasso de espera tem data para terminar. Se as medidas de estímulo à economia do governo — como os juros menores, benefícios fiscais e a recém anunciada queda na tarifas de energia — não surtirem efeito até o fim do ano, o status de país do pleno emprego pode estar com os dias contados e 2013 já pode apresentar uma reversão na trajetória da taxa de desocupação. De cadente para ascendente.

— Se o país não voltar a crescer mais, o mercado de trabalho não resiste a outro ano de crescimento abaixo de 2% — afirma Claudio Dedecca, da Unicamp.

Segundo Paulo Francini, diretor do departamento de Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o tempo em que um industrial segura os empregos na crise é, em média, de nove meses. Ele explica que demitir um funcionário custa em torno de seis salários. A contratação e o treinamento de um novo funcionário exige desembolso de mais ou menos três salários.

— O emprego continuar forte tem a ver com conta, com aritmética. E essa conta dá nove salários. Então, nove meses. Portanto há um prazo que, mesmo com a atividade fraca, é vantajoso manter o empregado. Mas essa paciência tem um tempo de esgotamento e é uma decisão individual de cada empresário.

O custo de demitir e a dificuldade de encontrar mão de obra qualificada quando precisar reforçar a equipe fizeram Denis Perez, dono da indústria Poly Metais Sanitários, manter seu quadro de empregados durante um primeiro semestre que ele “gostaria de tirar da história”. Para o empresário, que mantém a fábrica há 40 anos, o período de janeiro a julho ou mesmo até este início de setembro é “um ponto fora da curva” e, assim como seus colegas industriais, ainda “espera o ano começar”.

Ele diz que, como o custo da indenização demissional é muito alto, os industriais preferem usar artifícios como dar férias aos empregados ou colocá-los em um esquema de banco de horas nos períodos em que a produção está mais devagar.

— Agora estamos em estado letárgico, esperando que as medidas do governo surtam efeito. Além disso, historicamente o segundo semestre é bom, por isso, também há uma certa esperança de que as coisas melhorem, embora não tenhamos sinais disso por enquanto — afirmou.

A taxa de desemprego do Brasil estava em apenas 5,8% em maio (último dado divulgado pelo IBGE, que não informou as taxas de junho e julho por causa da greve dos funcionários públicos).

— Como a oferta de trabalhadores qualificados é pequena, os contratantes buscam pessoas com menos qualificação. Mas aí é preciso contratar dois destes porque a produtividade individual é menor — disse Flávio Castelo Branco, economista da entidade.

Com a produção em queda e sem fazer grandes cortes de pessoal, a indústria acaba vendo sua produtividade total ruir. A produção industrial caiu 3,8% de janeiro a junho, enquanto o emprego industrial recuou 1,2%, com os salários subindo (descontada a inflação) 3,8%. Com isso, a produtividade do trabalho na indústria amarga queda de 2,7%, segundo levantamento do economista da Fundação Getulio Vargas Silvio Sales.

Serviços ‘roubam’ empregados da indústria

Fernando Montero, economista-chefe da Convenção Corretora, vê na falta de mão de obra a explicação para essa distância entre os indicadores de emprego e produção:

— Já estamos além do pleno emprego. Não é mais uma questão de falta de mão de obra qualificada. É problema de falta de oferta de mão de obra agregada.

Há ainda mais um fator que justifica o pleno emprego, desta vez pontuado por Júlio de Almeida, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultor do Instituto de Estudos para Desenvolvimento Industrial (Iedi). Ele lembra que os setor de serviços e o comércio estão aquecidos e têm demandado muitos empregados:

— A indústria pensa muito antes de demitir porque perde o empregado para outros setores, como serviços. Isso valoriza a mão de obra. Quer dizer que não dá para recontratar o empregado pelo mesmo salário que foi demitido.

Com menos oferta de mão de obra disponível, os serviços viram concorrentes por esse fator de produção. Sobem salários para atrair pessoal e a indústria, para manter seus empregados, também faz os reajustes.

— Só que o setor de serviços pode repassar esse custo maior para os preços, enquanto a indústria enfrenta a concorrência dos importados. A indústria perdeu competitividade. E só diminuindo seus custos a indústria poderá reagir — disse Montero.

A alta na inflação dos serviços é evidente. Os preços do setor estão subindo cerca de 8% ao ano, enquanto os preços gerais da economia sobem próximo de 5%.

Para Montero, o setor de serviços, intensivo em mão de obra e com produtividade menor que na indústria, também explica parte do crescimento baixo do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços do país):

— É menos valor agregado na economia.

Dedecca não vê a economia em pleno emprego. Cita dois motivos: o primeiro é alta informalidade, “pleno emprego prevê emprego com proteção”, e um terço dos ocupados nas seis regiões metropolitanos trabalha sem carteira assinada ou por conta própria:

— Não vejo o empresário reclamando do custo de pessoal. Falam de logística, juros, imposto. Há uma lua de mel entre capital e trabalho.

A economista Maria Andréia Parente, do Ipea, vê a indústria em compasso de espera:

— Mesmo não produzindo muito agora, há a expectativa que vai melhorar e que haverá necessidade daquele trabalhador. Então a indústria deixa o trabalhador subocupado, já que o custo trabalhista de demitir e contratar e treinar é alto — disse Maria Andréia que, como Dedecca, afirma que, se a recuperação não vier, a indústria fará ajustes mais fortes no pessoal.

Sales, da FGV, acredita na recuperação da economia neste semestre, o que poderia melhorar a produtividade da indústria, que sobe junto com a economia.

— O câmbio está mais favorável, há medidas de estímulo.

Fonte: O Globo

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