Câmara aprova pacote e EUA evitam abismo fiscal

Barack Obama
Barack Obama

Mesmo com a resistência de grande parte da bancada republicana, a Câmara dos EUA aprovou, pouco antes das 23h de ontem (horário de Washington, 2h em Brasília), o pacote que passara na madrugada do dia 1º no Senado cancelando aumento de impostos e adiando cortes automáticos de despesas que empurrariam a economia americana no chamado abismo fiscal.

Sem maioria na oposição para apresentar uma emenda que previa uma tesoura de US$ 300 bilhões em gastos, o que remeteria a legislação de volta aos senadores e deixaria entrar em vigor as medidas, o presidente da Câmara, o republicano John Boehner, colocou a proposta em apreciação, e esta foi aprovada por maioria simples, 257 a 167 votos.

O presidente Barack Obama, que interrompeu suas férias de fim de ano no Havaí para acompanhar passo a passo as negociações na capital, assinou a lei logo em seguida e fez pronunciamento.

Após um dia de protestos da ala mais conservadora do Partido Republicano, frustrada com a ausência de mecanismos de contenção do crescimento das despesas num pacote recheado de aumento de gastos, venceu o argumento de que o Partido Republicano seria responsabilizado por levar a economia americana a uma possível recessão, conforme estimativas de analistas e organismos independentes.

A oposição tentará emplacar a discussão sobre ampla trava ao crescimento das despesas federais, especialmente em programas sociais como Seguridade, Medicare e Medicaid, em breve, nas negociações para elevação do teto de endividamento dos EUA, atualmente em US$ 16,4 trilhões e atingido dia 31 de dezembro.

Obama se antecipou e, no pronunciamento na Casa Branca, afirmou que não cairá nas redes da oposição nas dicussões para aumento do teto da dívida.

— Não terei outra briga com o Congresso sobre se pagaremos por contas que já assumimos — disse o presidente, lembrando que negociar a habilidade de os EUA honrarem seus compromissos tem consequências para a economia global.

— Não podemos tomar este caminho novamente — completou.

Os republicanos na Câmara também acabaram politicamente constrangidos pelo apoio estrondoso da oposição ao pacote costurado no Senado pelo líder da minoria, Mitch McConnell, e o vice-presidente Joe Biden, que foi aprovado por 89 votos a oito nas primeiras horas deste feriado.

Os deputados ficariam marcados como intransigentes e irresponsáveis – a configuração do abismo provocaria turbulências nos mercados no primeiro dia útil de 2013, quando as medidas entrariam efetivamente em vigor. A decisão, porém, não foi fácil.

Boehner e o líder da maioria, Eric Cantor (que pessoalmente disse que não apoiaria a lei após a primeira bateria de reuniões do Partido), fizeram ampla contagem de votos na bancada para ver se havia maioria para encaminhar uma emenda à lei. No entanto, a gritaria dos contrários, apesar de barulhenta, não convenceu todos os republicanos.

Sem isso, não havia mais argumentos para impedir a votação do pacote em sua integralidade. O próprio Boehner votou a favor. Mas Cantor votou não.

Além de tornar efetivos a alta de impostos e o corte de gastos, retirando potencialmente US$ 607 bilhões da economia dos EUA em 2013, a apresentação de emenda forçaria a reabertura de negociações no Senado.

O atual Congresso encerra seu mandato às 12h de quinta-feira. Se até lá o assunto não estivesse encerrado, as conversas teriam que recomeçar do zero, após concessões duramente negociadas entre Casa Branca e democratas e republicanos no Senado.

O pacote prevê o aumento da alíquota do Imposto de Renda, de 35% ara 39,6%, apenas para solteiros com renda anual a partir de US$ 400 mil e famílias com renda anual a partir de US$ 450 mil (patamares válidos também para empresas).

Os tetos são os mesmos para a tributação de dividendos e ganhos de capital, cuja alíquota passa de 15% para 20% – adicional de 3,8% será cobrado para cobrir gastos com a reforma da Saúde (chamada de Obamacare).

Prevê também o adiamento em dois meses da entrada em vigor dos cortes automáticos de US$ 110 bilhões em 2013, igualmente divididos em despesas correntes e de Defesa. O custo da medida, para o deficit público, é de US$ 24 bilhões.

O pacote prevê uma tesoura de US$ 12 bilhões no Orçamento. Estas duas medidas (preservação de alíquota para quem ganha até US$ 400 mil ou US$ 450 mil e adiamento dos cortes automáticos) são as principais a evitar o abismo fiscal.

Várias deduções e isenções serão limitadas, a partir de renda anual de US$ 250 mil ou US$ 375 mil, de acordo com o tipo e se o contribuinte é solteiro ou casal. Com isso, a classe média será totalmente preservada – garantindo a Obama o discurso de que manteve sua promessa de campanha, de impedir aumento de impostos para contribuintes com renda anual de até US$ 250 mil, que ele definiu como a classe média dos EUA. Porém, os trabalhadores sofrerão com o fim da desoneração sobre a folha de pagamento, excluída da negociação.

Uma série de créditos foram estendidos por até cinco anos, por exemplo para famílias com filhos e para gastos com educação superior. No caso de empresas, foram prorrogados créditos para pesquisa e desenvolvimento e depreciação acelerada de máquinas e equipamentos. Foram alterados permanentemente critérios do Imposto Mínimo Alternativo, criado para forçar os mais ricos a pagarem parcela justa de impostos. Muitas famílias da classe média estavam ameaçadas de ingressar no regime, que recolhe mais impostos. Ficou mantida a insenção do imposto sobre transferência por herança de propriedades até US$ 5 milhões. A taxa subiu de 35% para 40% acima disso.

Foi estendido ainda por um ano o pagamento de auxílio-desemprego a 2,1 milhões de americanos, ao custo de US$ 30 bilhões. Haverá congelamento por um ano da determinação de cortar em 29% o valor de reembolso dos médicos que atendem pacientes pelos programas federais de saúde Medicare (idosos) e Medicaid (pobres).

A dificuldade na Câmara – de maioria republicana e conservadora – antecipa a batalha que será a elevação do teto de endividamento dos EUA. O Tesouro americano tem no máximo dois meses de margem de manobra antes de o governo ser incapaz de rolar seus compromissos. Para autorizar novas emissões de títulos, os republicanos vão exigir cortes significativos de despesas. Obama certamente só os aceitará se novas receitas forem levantadas.

Um plano de longo prazo para redução do déficit público, que ataque o crescimento de despesas, especialmente de programas sociais, e gere receitas, continua pendente nos EUA, pois o pacote que passou no Congresso foi pontual e emergencial.

Obama pretende barrar gastos com programas federais

Obama afirmou segunda-feira que está disposto a estabelecer travas à expansão de gastos com a Seguridade Social e os programas federais de Saúde Medicare (idosos) e Medicaid (pobres). Também aceita mexer em outras despesas.

No entanto, deixou claro que só chancela um acordo que seja balanceado, ou seja, preveja aumento de receitas, de forma a suavizar a tesoura em gastos essenciais à classe média e aos mais pobres e preservar investimentos. Ele quer contribuição maior de ricos e grandes corporações, a ser obtida por exemplo com o fim de determinados incentivos e a reforma do código tributário americano.

A disputa entre quais cortes e quais receitas vão compor este plano será a grande queda-de-braço entre republicanos e democratas nos primeiros meses de 2013.

— Todos reconhecemos que esta legislação é apenas um passo num esforço maior de fortalecimento da nossa economia (…) Infelizmente não houve apoio e tempo suficientes para um acordo mais amplo (de redução do déficit). E essa falha vem com custos — afirmou Obama ontem à noite, acrescentando que está “muito aberto a uma solução de meio-termo” e que a agenda do Congresso não pode ficar refém de batalhas fiscais, diante da necessidade de passar medidas na área de controle de armas, mudanças climáticas e recuperação da infraestrutura americana, entre outros.

Mesmo com a aprovação do pacote pela Câmara, os americanos começam 2013 arcando com uma elevação histórica de impostos. Mais de 160 milhões de trabalhadores verão a tributação sobre a folha de pagamento subir 2 pontos percentuais, a 6,2%, significando cerca de US$ 2 mil anuais a mais para quem ganha acima de US$ 100 mil. A desoneração estava em vigor desde 2009, como parte do pacote de estímulo de Obama aprovado naquele ano para reativar a economia.

Fonte: O Globo

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